Wolves Like Us: Crítica de Black Soul Choir (2014)


Apesar de sorte não ser o único elemento decisivo, ao ser combinado com competência pode ser algo que muda os rumos da vida de uma pessoa para sempre. E exatamente o mesmo vale para as bandas: o Wolves Like Us foi formado no ano de 2010, em Oslo, por Larsh Kristensen, Espen Helvig, Toy Kjeldaas e Jonas Thire (vindos de outros obscuros grupos extintos), e logo durante uma de suas primeiras apresentações foram descobertos pela Prosthetic Records, já para o lançamento do primeiro disco, Late Love, em 2011.

O seu trabalho de estreia apresentava um hardcore de distorção extrema, de andamento e composições simples, que ainda definia apenas timidamente as características de seu som. As mudanças vieram, porém, em 2013, com o quarteto norueguês lançando Get Gone, uma faixa que demonstrava como a banda não apenas mantivera a qualidade do debut, mas também deixava claro o foco em não ficar preso em sua própria identidade. E o seu segundo álbum, Black Soul Choir, produzido por Mike Hartung (algo decisivo segundo o próprio Wolves Like Us) evidenciou de uma vez por todas a sua proposta musical. 

"Days of Ignorance", com pouco mais de um minuto de duração pode ser facilmente a anestesia vitalmente necessária para dar início à sessão de pancadaria desenfreada que conduz o que vem a seguir, uma construção de melodias e letras que acertam direto em sua alma, uma jornada reflexiva, mas não exatamente segura. Afinal, após o hardcore de tendências sludge da abertura, "Three Poisons" lida profundamente com erros e as suas consequências (e certa confrontação sobre fé) ao injetar de forma controlada algo de stoner e elementos atmosféricos de post-rock, uma espécie de libertação antes da quase kvelertakiana "I Don’t Need To Be Forgiven", a redenção em que o Wolves Like Us olha para o seu próprio passado, reverenciando o álbum anterior ao mesmo tempo em que o deixa para seguir em frente.

O interlúdio ruidoso dos dedilhados em "A Wish of Fools" liga a viagem ao seu novo capítulo, "When Will We Ever Sleep", um momento agonizante pela combinação instrumental simples, ao mesmo tempo progressivamente imunda e de fácil assimilação, carregada de sentimento impactante e reflexivo que se fortalece em "Your Word is Law" e sua atmosfera pós-cataclísmica. Com um insistente ritmo quebrado, "Dig With Your Hands" remete diretamente a dias cinzentos, lidando com arrependimentos em diversos níveis, refletidos nas inteligentes alternâncias entre post-grunge, groove metal e progressivo.

Mantendo o mesmo tom, "Lovescared" é uma extremamente simples (e talvez por isso belíssima) faixa acústica de melodias fáceis, algo que poderia facilmente ter saído do Black Label Society caso ela tivesse surgido no início da década passada nos arredores de Atlanta. O vozerio crescente de "Under", porém, abre o caminho para "We Were Blood" e seu andamento reto, retomando o peso de uma forma que o Baroness faria, unindo ideias alternativas ao stoner de tendências experimentais. Essa ideia permanece na arrastada "Thanatos Wins Again", o assustador híbrido entre sludge e post-metal personificado de forma orgânica, quase pulsante, ao longo de sete minutos de ruídos, violência, negativismo, e uma impressionante cíclica ideia sobre recomeços, que encerra o álbum.

Black Soul Choir representa um passo de proporções praticamente inconcebíveis ao Wolves Like Us. Se o seu disco de estreia, Late Love, ainda trazia algo mais próximo do post-hardcore em uma personificação amigável com stoner e sludge em certos momentos, em alguns anos os noruegueses tornaram o seu trabalho algo mais identificável, trabalhando com diversas personalidades e uma gama de influências muito maior. Não apenas isso, a interpretação da banda em cada uma das faixas facilmente faz com que essa combinação um tanto quanto disforme (nesse caso é positivo, sim) se assemelhe a uma cria gerada entre o Hot Water Music do Exister e o Baroness do Yellow & Green, um gênio descontrolado que uma vez liberto dificilmente será parado.

Tudo isso faz com que seu segundo álbum não soe apenas como um apanhado de canções reunidas, mas praticamente como a construção de sua própria entidade, uma jornada dinâmica de efeitos irreparáveis e impactantes (tanto para o Wolves Like Us, quanto para o ouvinte que entrar no mesmo nível da experiência). Simples na primeira impressão, mas que adquire outra proporção ao ser analisada nos mínimos detalhes e em cada verso.

Mais um entre os grandes álbuns de 2014, até o momento.

Nota 9,5

Faixas:
1. Days of Ignorance
2. Three Poisons
3. I Don’t Need to Be Forgiven
4. A Wish of Fools
5. When Will We Ever Sleep
6. Your Word is Law
7. Dig With Your Hands
8. Lovescared
9. Under
10. We Were Blood
11. Thanatos Wins Again


Por Rodrigo Carvalho

Comentários

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.