Os melhores discos de 2014 na opinião de Rodrigo Carvalho

O Rodrigo tem um dos ouvidos mais inquietos do jornalismo musical brasileiro. Curioso, desafiador, aventureiro, está sempre em busca de sons surpreendentes, que fujam do óbvio e apresentem algo novo. Colaborador de longa data da Collectors, Rodrigo Carvalho revela na lista abaixo quais foram os melhores álbuns de 2014, na sua opinião.


Para ouvir os títulos, basta clicar nos links.

Bem diferente de 2013, 2014 foi um ano quase parado. Claro, a quantidade de lançamentos permaneceu em ritmo praticamente impossível de ser acompanhado. Mas comparando com o anterior, aparentemente não tivemos nenhum tipo de unanimidade ou presença garantida nas listas de fim de ano. Se isso é ruim? Claro que não. Há mais espaço para bandas que em outra situação ficariam injustamente de fora por conta do hype em cima de outras. E descobrir sons novos ou algo que ficou para trás é, sempre foi, e sempre será o mais interessante quando lemos este tipo de compilação.

Opeth – Pale Communion

Pale Communion é como um livro. Daqueles de linguagem rebuscada, capítulos longos e tramas complexas. Ao mesmo tempo em que a história intriga, é praticamente impossível deixá-la de lado ou deixar de pensar sobre o que vai acontecer assim que se fecham as páginas. E o álbum consegue despertar a mesma sensação de ser surpreendido a cada segundo, uma personificação das inspirações mais obscuras da banda, que mantém a exploração musical de suas raízes e identidade intactas. Não importa qual a ambição ou o foco do Opeth a cada trabalho, mas sim que, assim como uma história imemorial, contada ao longo de gerações, ele vem se tornando cada vez mais interessante com o passar do tempo.

Sólstafir – Ótta

Uma compilação de poemas sobre a Islândia em si, cada nota e cada verso de Ótta representam de forma contemplativa a sua própria ancestralidade, com o folclore e a história enveredados por entre as negras terras vulcânicas e os vales de gelo, levando a uma experiência meditativa que consegue unir a comunhão de si mesmo com todo o ambiente ao seu redor. Basta fechar os olhos. Entre a beleza e o caos, está a mais profunda viagem musical do ano.

Wolves Like Us – Black Soul Choir

Certos álbuns, quando ouvidos a primeira vez, podem se mostrar passageiros, ignoráveis e fadados a caírem no esquecimento, como uma pequena brasa que insistentemente permanece ardendo. Porém, devidamente cuidada, com o tempo é possível que essa centelha se torne um incêndio fora de controle e deixe severas sequelas em quem for atingido. Black Soul Choir é exatamente como essa brasa: na simplicidade de seus arranjos que mesclam hardcore, sludge e rock alternativo se esconde uma variedade de detalhes que funcionam como o combustível necessário para que as chamas se alastrem pela sua mente, e ali permaneçam queimando por muito tempo. 

Anaal Nathrakh – Desideratum

Uma besta biomecânica em rota de colisão com o universo, de proporções tão animalescas que é praticamente impossível mensurá-la com a mediocridade de nossas tecnologias. Como um instrumento do apocalipse, V.I.T.R.I.O.L. e Irrumator compõe a consciência deformada, o híbrido entre o que há de mais putridamente brutal no grindcore e no black metal e o incompreensível catalisado pelos efeitos eletrônicos e ambientações. O Anaal Nathrakh guia em direção ao iminente fim de uma forma que apenas as mais doentias mentes poderiam conceber.

Silver Snakes – Year of the Snake

Longe das praias, do centro comercial e dos estúdios de cinema em Los Angeles, há aquele subúrbio afastado, onde pessoas vivem de forma mais simples e com dramas bem diferentes da megalomaníaca extravagância que a cidade exporta para o mundo. Year of the Snake é quase uma trilha sonora para o entardecer de domingo destas regiões, uma variedade que vai do post-hardcore e do punk ao sludge e ao blues, que apenas a inspiração na própria realidade poderia proporcionar.

The Atlas Moth – The Old Believer

A reconstrução do The Atlas Moth nos últimos anos está muito além do nível musical. A sua jornada através de lugares assombrados, nublados e enevoados é resultado de uma overdose psicodélica que toca os mais frágeis pontos de uma mente já fragilizada. A equação é invertida em The Old Believer, e a atmosfera sobrepõe-se ao rastejar agonizante do composto de sludge, doom e black metal, mas ainda assim permanece perdida por sombras indecifráveis e em busca de uma luz em meio aos escombros que cobrem sua própria cabeça. 

Evergrey – Hymns for the Broken

Poucas bandas são capazes de transmitir sentimentos de forma tão sincera e angustiante quanto o Evergrey, principalmente em uma época em que as pessoas parecem estar cheias de dúvidas ou certezas questionáveis. Se a sua mais sombria fórmula progressiva permanece em plena ascensão a favor da interpretação, o transbordar de questões subjetivas e perturbações humanas parece mais fora de controle do que nunca. E é exatamente com essa libertação que os suecos reerguem-se para reivindicar o trono ao qual sempre tiveram direito.

Destrage – Are You Kidding Me? No.

Imagine que você tenha uma massa de pizza vazia e a simples missão de colocar nela tudo aquilo que mais gosta. Doce, salgado, amargo, azedo ou qualquer outra coisa, não importa. É basicamente o que o Destrage faz aqui, mas da forma mais bagunçada possível, com os ingredientes esparramando-se um sobre os outros e tornando-se algo que pode não ser bonito, mas inexplicavelmente tem um sabor bizarramente único e dos mais agradáveis

Soen – Tellurian

O mundo crepuscular ao qual o Soen é capaz de inserir se mostrava ainda um lugar cru, desolado e inexplorado em seu início. Mas Tellurian é como a ambientação natural da visão em relação a iminente escuridão: uma ferramenta capaz de lentamente enxergar a paisagem rica que se abre a sua frente com o passar do tempo, vasta e de impressionantes detalhes ocultos – a herança rítmica latina, a atmosfera opressora e as hipnotizantes vozes – que passariam despercebidos sob outra iluminação.


Encarar a morte de frente em um processo lento e agonizante possivelmente é a experiência mais perturbadora que um ser vivo pode passar. Ou você definha até o último suspiro ou vence e reergue-se com mais força do que nunca. The Satanist é a proclamação final dos poloneses, um urro direcionado ao mais profundo abismo e ao mais iluminado céu na forma de uma das mais dinâmicas e belíssimas obras de arte extrema. Uma obra que intriga e incomoda, mas com uma mensagem bem simples: o Behemoth escolheu viver. 

Comentários

  1. Ótima lista! Descobri mais bandas novas (assim como outras tantas que já ouvi por aqui como crobot que estou ouvindo agora, por exemplo).

    Agradeço por ter voltado com o site, com certeza a melhor fonte de conteúdo musical do brasil!

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