Discoteca Básica Bizz #006: King Crimson - In the Court of the Crimson King (1969)



É noite de 3 de julho de 1969, e o corpo de Brian Jones, o inconformado fundador dos Rolling Stones, é encontrado boiando na piscina da sua mansão. O início do fim de uma era. Dali a dois anos exatos, morreria também Jim Morrison, em sua banheira. E, entre os dois, Jimi e Janis.

De volta a 1969. Cinco de julho, Hyde Park, Londres. Realiza-se um show dos Stones (o primeiro em dois anos), marcado havia tempos, em homenagem a Brian. Seiscentos e cinquenta mil fãs presentes. E, no entanto, quem rouba a cena é uma banda nova, mas nem por isso menos pretensiosa. King Crimson, rei rubro de sangue, o som da nova era. Um som reflexivo, “auto-consciente", na definição do guitarrista, um certo Robert Fripp. Um sujeito que tinha sido cumprimentado pelo próprio Hendrix ("toca aqui com a esquerda, cara, que é a mão mais próxima do meu coração") após uma apresentação.

A Island Records não descuidou dos rapazes. Muito rápido, em 10 de outubro, o LP In the Court of the Crimson King estava gravado e distribuído. Sucesso pleno de crítica e de público. E nem eram tão originais assim - as faixas longas, amarradas por um único tema, os flertes com o jazz e com a música erudita (principalmente com os autores românticos, mas com espaço até para pinceladas de música concreta em "Moonchild") não eram propriamente novidade. Moody Blues (quanto às suítes românticas), Soft Machine (quanto à fusões com o jazz), Pink Floyd (quanto à música esparsa e climática), entre outros, já se lançavam nesses caminhos. De resto, abertos pelos Beatles desde Revolver e Sgt. Pepper's. Tudo bem, In the Court of the Crimson King atirava em todas as direções. E a capa, essa tornou-se uma das imagnes mais marcantes do rock. Mas o fio que costurava aquilo tudo era uma corda de guitarra.


O time era simpático, eficiente e frequentemente inspirado: o jovem baterista de conservatório Michael Giles, o tecladista e soprista Ian McDonald (o mais experiente deles), o garotão Greg Lake (colega de Fripp) no baixo e na voz. E as más letras de Peter Sinfield, de um surrealismo ingênuo e xoxo. Seria a vez do desenchabido rock classe média sucedendo a pauleira proletária?

Não. Havia Fripp, e a guitarra de Fripp alimentava-se de um fluxo subterrâneo, obcecante, capaz de eletrizar mesmo as passagens mais líricas. Confira-se, pela negativa, no LP (anterior) de Giles, Giles & Fripp, onde o monopólio dos irmãos continha o guitarrista. Ou no LP (posterior) de McDonald & Giles, com a dissidência do Crimson. Superficialmente a música se parece, e no entanto é diferente.

O álbum abre às pauladas com "21st Century Schizoid Man", um tema guitarrístico, heavy mesmo. Um, dois versos cantados por uma voz embutida na mixagem, claustrofóbica, e o instrumental rouba a liberdade do jazz, derramando-se por várias passagens sem tirar o pé. Os metais soam como uma big band enlouquecida, em meio à tempestade de texturas providenciada por todos os ancestrais dos sintetizadores. Mais um verso e conclui com uma explosão, retrato sonoro do tal esquizóide, uma prévia do que há hoje entre o hardcore e a no wave. Puff. O resto é belo. Ponto.

Pecam, às vezes, e é pela pompa excessiva da voz de Lake e dos trechos mais melosos. O retrato do que viria a ser o rock progressivo, com todas as virtudes e, já, alguns vícios. Aqui, os inúmeros movimentos ainda formavam um todo orgânico, com crescendos, solos coletivos e finais falsos como alternativa ao formato-canção. Depois, o próprio Crimson se confundiria, fazendo "trilha para anúncio de desodorante íntimo", segundo a Rolling Stone. Mas até se recuperaria: Larks Tongues in Aspic é assunto para outra Discoteca Básica.

(Texto escrito por Alex Antunes, Bizz#006, janeiro de 1986) 


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