Discoteca Básica Bizz #030: Grace Jones - Nightclubbing (1981)


Grace Jones é um buraco negro no universo pop. Os mais variados projetos artísticos sucumbem à imensa força sedutora dessa mulher mais que fatal. Já estamos em outra dimensão: aqui só interessam as aparências, todas as atitudes são simuladas e a jogada de marketing tem mil vezes mais importância que qualquer vestígio de autenticidade. Grace Jones é um produto perfeito (ela canta: "Eu não sou perfeita, mas sou perfeita para você"), um personagem que usa e abusa da mídia para a felicidade geral de seus consumidores. Seus discos são absolutamente descartáveis e, por isso mesmo, geniais.

O mérito da música pop não é a ousadia ou o experimentalismo, mas sim a busca de um lugar-comum ideal. Portanto, a discoteca foi o paraíso: repetição ad infinitum de uma mesma fórmula musical, levando ao delírio massas dançantes de todo o planeta. Nesse momento, Grace Jones saiu das passarelas de moda parisienses (também um território governado pelo efêmero) para competir com Donna Summer pelo título de Godiva Disco. Como todo bom modismo, o reinado das discotecas teve vida curta. Jones "The Rhythm", sem querer deixar o palco, juntou a seu redor um outro time de músicos e artistas plásticos, produzindo uma nova fase de seu personagem e, pelo menos, mais dois discos perfeitos: Warm Leatherette e Nightclubbing.

A capa de Nightclubbing é o máximo em termos de hiper-realidade. O corpo de Grace Jones é uma escultura de Jean-Paul Goude, que inventou seu novo estilo de cabelo e maquiagem, fotografando o resultado. Tudo é artificial, até mesmo a cor da pele, muito mais negra do que realmente é.


Quem cuida da produção musical e da contratação dos instrumentistas é o dono da Island Records, Chris Blackwell, ajudado por Alex Sadkin, também produtor de Bob Marley. Grace Jones volta a seu país de origem, a Jamaica, utilizando o reggae como alternativa pós-disco. Mas não confundir com uma procura de raízes: em Nightclubbing o reggae deixa de ser "autêntico" para assumir sua forma mais comercial e cosmopolita. Nada a ver com Jah.

O time de músicos é um capítulo à parte. A banda é comandada pela "melhor cozinha rítmica do mundo", o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare (que já tocaram com Bob Dylan, Manu Dibango e Black Uhuru, entre outros), e pelos teclados econômicos mas certeiros do africano Wally Badarou (o produtor dos Talking Heads). O trabalho de estúdio ainda é insuperável, dando uma sofisticação inédita ao dub, imitada em vários outros discos, influenciando até o reggae de raiz - se é que isso existe. A voz "chique" de Grace Jones não podia estar em melhor companhia.

O glamour é fundamental. Cada faixa é escolhida com enorme cuidado, não exatamente por suas qualidades melódicas ou harmônicas, mas para criar clima. "Nightclubbing" é uma composição de David Bowie e Iggy Pop, a celebração do mistério da vida noturna nos grandes centros urbanos. "Demolition Man" foi um presente - de grego, só salvo pela performance de Grace e banda - de Sting. "Libertango", de Astor Piazzolla, ganhou uma letra em francês e inglês. "Pull Up to the Bumper" é considerada pelo próprio Sly Dunbar como a sua mais irretocável atuação na bateria. "Walking in the Rain" é o retrato da cantora enquanto total narcisista. "Use Me", o hit de Bill Withers, deixou de ser mais uma ironia amorosa e passou a significar isto mesmo: use-me. Grace Jones sabe que sua ordem será obedecida. Não temos escolha.

Quem escuta Nightclubbing se transforma imediatamente em mais um escravo do ritmo, do ritmo de Grace Jones. Para que resistir? Somos apenas pobres mortais.

(Texto escrito por Marcel Plasse, Bizz #030, janeiro de 1988)

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