Discoteca Básica Bizz #053: Van Morrison - Astral Weeks (1968)



Quando Sting partiu para sua carreira solo em 1985, trocando a formação de trio do Police por uma grande banda composta por músicos de jazz, não estava sendo propriamente original. Na verdade, ele apenas repetia, duas décadas depois, um procedimento utilizado pelo cantor e compositor irlandês Van Morrison no LP Astral Weeks. E mesmo a mistura do folk celta com a energia do rock e soul efetuada por grupos como Dexys Midnight Runners, The Pogues e The Waterboys durante os anos 1980 deve enorme tributo a este seu compatriota, que em 1963 fundou o grupo Them.

Foi através do Them que Morrison exorcizou toda sua rebeldia adolescente, gravando entre 1965 e 1966 clássicos da pré-história do punk como "Gloria", "Here Comes the Night" e "Baby Please Don't Go" (de Big Joe Williams). Mas sua revolta e inconformismo foram exagerados a tal ponto pelos empresários e pela gravadora que o grupo começou a encontrar dificuldades para trabalhar. Eles promoviam o Them com uma imagem de "delinquentes irlandeses", substituíam-nos nas gravações por músicos de estúdio (entre eles, um velho conhecido, Jimmy Page) e ainda diziam que Morrison - ao contrário do que ele desejava - não deveria ser um cantor e compositor "sério".

Van Morrison aguentou esta situação até 1967, quando desfez o Them (que se reagruparia depois com o vocalista Ken McDowell) e partiu para uma carreira solo, que se afirmou definitivamente com este Astral Weeks, editado no ano seguinte.



Morrison havia voltado a morar em Belfast, sua cidade natal, e chegou a pensar em abandonar a carreira artística. Mas retornou logo à cena musical quando o ex-produtor do Them, Bert Berns, convidou-o para ir a Nova York gravar alguns singles pelo seu recém-formado selo, Bang. Nesta época é que foram registradas as faixas do álbum Blowin' Your Mind e da coletânea The Best of ..., ambos de 1967, material posteriormente renegado pelo próprio Morrison. 

No final de 1967 ele já havia atingido os primeiros lugares da parada americana - com o compacto "Brown Eyed Girl", quando subitamente Berns morreu de ataque cardíaco. Morrison ainda continuaria a atuar por conta própria até o início de 1968, assinando em seguida com uma grande gravadora (Warner). Assim, gozando de plena liberdade criativa, foi que, em apenas dois dias despendidos em um estúdio de Nova York, gravou um dos álbuns mais idiossincráticos da história do rock.

Para começar, só se usou eletricidade para a gravação, sendo todos os instrumentos acústicos - cordas, sopros, vibrafone, cravo, violão, bateria e contrabaixo acústico, nas mãos de cobras do jazz como o baterista Connie Kay e o contrabaixista Richard Davis. Este último lembra que Morrison, recluso e perfeccionista, mal conversou com os músicos durante as sessões, enquanto estes mal sabiam quem ele era. Isto, porém, não impediu que, no conjunto, eles soassem como conhecidos de longa data, num clima de autêntica jam session folk.

Assim surgiu o lírico e místico Astral Weeks, um disco impregnado de folclore celta, blues e jazz, num ciclo de oito faixas compostas originariamente como uma ópera. A força criativa de Morrison estava patente no clima plácido de "Cyprus Avenue", no hipnótico compasso 6/8 da faixa-título e no romantismo de "Madame George" (longas faixas que não aparentam ter entre sete e dez minutos), bem como na valsa "Young Lovers Do" e na balada "Slim Slow Slider". Já era o bastante para transformá-lo em um álbum pioneiro em seu estilo absolutamente atemporal.

(Texto escrito por Ayrton Mugnaini Jr, Bizz #053, dezembro de 1989)

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