Rock On, a obra-prima do Humble Pie


Às vezes acontece de as qualidades inerentes de uma determinada banda, por maiores que sejam, não serem capazes de explicar por si só nossa adoração por ela. Veja, a banda em questão, o Humble Pie, não carece de qualidades. É, na verdade, um dos grandes grupos que acabam passando despercebidos por entre o desfile solene do rock clássico. Mas há algo mais. Uma estranha fascinação, um acachapante carisma que exerce e que só pode ser explicado pela afinidade entre o som praticado pela banda e sua personalidade como fã de rock and roll. Mas também, vá lá! O mínimo que se pode dizer sobre a banda é que a única vez em que o mundo viu uma tamanha síntese de rhythm and blues, rock and roll, blues, folk, gospel e boogie-woogie foi nos melhores trabalhos dos Rolling Stones.

Formado em 1969 pelo vocalista e guitarrista rítmico Steve Marriott (na época, recém saído do Small Faces), pelo guitarrista solo e ocasional vocalista Peter Frampton (que já tinha passado pelo The Herd), pelo baixista Greg Ridley (membro fundador de outra grande banda esquecida, o Spooky Tooth) e por fim, o baterista Jerry Shirley (que na época contava 17 aninhos!), o Humble Pie, celebrado como um "super-grupo", se revelou um perfeito fruto de sua época musical. Jerry com a palavra: "Fomos muito influenciados por algumas gravações como Music From the Big Pink da The Band e Gris-Gris do Dr. John. Nos primeiros dias tentamos ser algo entre The Band e Dr. John".

Com este line-up lançaram quatro álbuns de estúdio e um ao vivo, Rock On sendo a quarta das gravações em estúdio e o ponto em que a mistura sonora se encontra mais envenenada que nunca.

À época, Steve Marriott vinha conduzindo a sonoridade do grupo para uma abordagem mais agressiva, para desgosto de Frampton, que se encontrava cada vez mais encantado com as sutilezas do jazz-fusion e do R&B. Steve também vinha agindo como déspota, para o desgosto geral. Foi nesse clima, não dos mais fáceis, no mínimo, em que a banda gravou sua obra-prima. Vindos azeitados da estrada, onde já haviam executado canções aqui registradas e sob a produção do grande Glyn Johns, a banda fez nascer seu melhor trabalho em estúdio.


"Shine On", a faixa de abertura, composição de Frampton e cantada por ele mesmo, é um rockão com vocais de coral gospel de arrepiar no refrão, a cargo das poderosas Soul Sisters Doris Troy, P.P. Arnold e Claudia Lennear. A influência gospel persiste ainda na próxima faixa, "Soul Grain" (Frampton e Marriott), outro rock desconcertante. Fascina a facilidade do grupo em combinar elementos sonoros com espantosa naturalidade. "79th and Sunset" (Marriott) conduz as coisas para um divertido ambiente empoeirado de boteco brejeiro do sul dos Estados Unidos para logo após descambar em "Stone Cold Fever" (creditada a toda a banda), um dos grandes clássicos do hard rock setentista, e "Rolling Stone", poderosa e inebriante versão para o clássico blues do mestre Muddy Waters. As duas canções, aliás, confirmam o que os mais atentos já sabiam: Mr. Peter Frampton é um senhor guitarrista, dono de um estilo refinado e robusto, minucioso e poderoso, detalhista e potente. 

O álbum prossegue com "A Song For Jenny" (Marriott), canção que congrega folk e gospel. "The Light" (Frampton), o segundo e último momento de Frampton nos vocais principais, é uma divertida e competente canção. "Big George", composição de Greg Ridley e seu único momento no álbum como vocalista, é um pujante country-rock, e "Strange Days" guiada pelo piano, flerta com a soul music numa atmosfera bluesy. O trabalho encerra-se com "Red Neck Jump" (Marriott), uma ótima canção onde confluem a estrutura blues-based e um bem sacado flerte com o doo-wop.

Seguiu-se a esse álbum o seminal ao vivo Performance: Rockin' the Fillmore, cujas vendas avassaladoras puxaram Rock On nas paradas, mas nesse ponto Peter Frampton já havia abandonado o barco para se aventurar numa bem sucedida carreira solo. 

Além do legado musical, que fala por si só, a influência do Pie germinou sementes que brotaram como duradouros frutos que se estendem da era clássica do rock até aqui, como a exemplo o Rival Sons, uma das melhores bandas com trabalho realmente relevante no rock and roll moderno e cujo guitarrista e líder, Scott Holiday, é fã confesso.

Por Artur Barros

Comentários

  1. Eu to imerso em humble pie faz pouco tempo e apesar de achar o Rock On sensacional, piro mesmo é com o smokin' álbum posterior de estúdio deles. O thunderbox é defeituoso mas também pode ser considerado bem legal.

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  2. Maravilhoso.

    Rock de qualidade e honesto.

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