Assassinos por Natureza e a descoberta de Leonard Cohen


Natural Born Killers, que no Brasil recebeu o título de Assassinos por Natureza, é o décimo-primeiro filme do diretor norte-americano Oliver Stone, o mesmo cara por trás de obras como Platoon, JFK, The Doors e Nascido em 4 de Julho. A história é uma crítica feroz e extremamente cínica à mídia e ao culto vazio às celebridades, representadas na trama pelo casal de serial killers Mickey e Mallory Knox (respectivamente, Woody Harrelson e Juliette Lewis). Temos ainda Robert Downey Jr. antes do Homem de Ferro, em um papel sensacional como um apresentador de um programa sensacionalista de TV, e Tommy Lee Jones como o diretor linha dura de uma prisão de segurança máxima.

Mas o assunto aqui é a trilha sonora de Natural Born Killers. Desde a primeira vez em que assisti ao filme, e isso deve ter acontecido aí por 1995, um ano e pouco depois de seu lançamento nos cinemas dos Estados Unidos, sempre fiquei fissurado pelas músicas que tocavam enquanto a pancadaria comia solta na tela. Comprei o CD com a trilha, e até hoje tenho o disco em minha coleção. A trilha, inclusive, foi uma das primeiras, ao lado da coleção de canções de Pulp Fiction, a ter diálogos do filme inseridos entre e no meio das faixas. Vale lembrar que o clássico de Quentin Tarantino foi lançado no mesmo ano de 1994, então não dá pra saber quem teve a ideia antes - até porque Assassinos por Natureza vem de uma história de Tarantino, que colaborou no filme de Stone.

Lançada pela Interscope em 23 de agosto de 1994, a trilha de Assassinos por Natureza traz 27 faixas, entre canções e interlúdios com diálogos do filme. E abre com uma versão editada de “Waiting for the Miracle”, de Leonard Cohen. Sim, o mesmo Leonard Cohen que faleceu ontem, 10 de novembro, aos 82 anos, vinte dias após lançar o seu décimo-quarto e último disco, You Want It Darker


Ao colocar os ouvidos em “Waiting for the Miracle” e também em “The Future”, a outra canção de Cohen presente em Natural Born Killers - ambas fazem parte de The Future, álbum lançado pelo compositor em 1992 -, lá na metade dos anos 1990, lembro que tive um choque. Não porque nunca tivesse ouvido algo semelhante, mas sim porque aquela canção era algo tão simultaneamente tocante e profundo, tão bela e sombria, que era impossível passar batido e ouvi-la apenas uma vez. Você dava o play e ouvia a música repetidamente, concentrado enquanto prestava atenção nos instrumentos, no arranjo, nas soluções e na letra. Algo para ouvir de maneira constante, com o ritmo ditando as batidas do coração.

Mas não me aprofundei na obra de Leonard Cohen. Deixei que as coincidências da vida me guiassem por suas criações. O Concrete Blonde, banda norte-americana que foi residente de meus ouvidos durante a segunda metade dos anos 1990 e a primeira dos 2000, gravou uma versão para uma de suas composições, “Everybody Knows”. O cultuado Jeff Buckley esculpiu uma linda e inebriante releitura para “Hallelujah”, talvez a mais conhecida criação de Cohen. 

Live in London, álbum duplo ao vivo (também lançado em DVD) de 2009, foi meu passo a passo na obra de Leonard. Vinte e sete canções registradas durante a passagem do canadense por uma das capitais do mundo. Um disco com sete anos de idade, gravado quando Cohen tinha 75 anos. Um item belíssimo, entrecortado por breves falas do poeta entre as faixas. Nele estão obras como “Dance Me to the End of Love”, “Everybody Knows”, “Suzanne”, “Hallelujah”, “Democracy” e “The Future”, interpretadas com a classe habitual de Leonard Cohen e executadas com elegância por uma banda, no mínimo incrível.

Penso que, nesses momentos em que somos tomados pelo choque da perda de grandes ídolos e artistas, algo proveitoso é retomar suas criações, mergulhar em seus legados. Revisitar canções que já conhecemos, ou, caso nunca tenhamos tomado contato com a obra dos falecidos, procurar entender porque tal sujeito é tão celebrado por um sem número de pessoas mundo afora. Procurar absorver a empatia inerente, a beleza que paira no ar e a poesia que pinga em gotas nos ouvidos a cada nova canção.

Se eu fosse dar uma dica pra você que está lendo esse texto agora, ela seria: entre no YouTube, Spotify ou qualquer outra plataforma de streaming e dê uma conferida nos discos de Leonard Cohen. Garanto que vale a pena.

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