Nerdcore: o hip hop do universo geek se aproxima das duas décadas e ganha adeptos brasileiros


As interseções históricas entre o hip hop e a ficção científica são longas e variadas – do funk interplanetário de Afrika Bambaataa à nostalgia retro-futurista dos Beastie Boys de “Hello Nasty”, passando pelo freakshow dos Ultramagnetic MCs e a paranoia alien do Company Flow – mas é possível que nem o mais nerd dos rappers, digamos, o GZA aka The Genius do Wu-Tang Clan e suas variadas referências ao xadrez ou seus discos conceituais sobre astrofísica, imaginaria a existência de um subgênero totalmente dedicado à interseção entre cultura geek e hip hop. Mas há quase 20 anos o chamado nerdcore tem se estabelecido como uma das novas forças do hip hop underground, criando uma verdadeira plataforma de criação de uma legítima cultura hacker.

Nascido do espaço nerd por excelência, a internet, o nerdcore se destaca de seus predecessores espirituais acima listados ao escolher deliberadamente apelar para a cultura nerd como sua principal fonte de inspiração lírica. Para além das referências aos quadrinhos e ficção científica, o nerdcore também se embrenha em aspectos mais mundanos e ao mesmo tempo esotéricos do cotidiano do hacker médio, detalhando testes de segurança e usando com desenvoltura o vocabulário de códigos de programação, ao ponto de criar o sub-subgênero do geeksta rap – um “gangsta” que não se gaba de ter os maiores carros e as armas mais letais, e sim de ter uma maior habilidade de invadir redes fechadas e quebrar códigos, quase numa celebração do hacker enquanto fora-da-lei.

O termo “nerdcore” foi forjado pelo rapper norte-americano MC Frontalot na faixa “Nerdcore Hiphop”, em 2000. Naquele momento o nerdcore já existia enquanto subcultura ainda em desenvolvimento, mas não tinha ainda encontrado um nome para chamar de seu. Apadrinhado pela dupla de quadrinistas responsáveis pela webcomic Penny Arcade, Frontalot acabou se tornando sinônimo de nerdcore, junto com seu visual característico – camisa, gravata, óculos de aro grosso –, com seis álbuns oficiais no currículo e como principal estrela do documentário Nerdcore Rising.


Junto com Frontalot, inúmeros nomes começaram a pipocar, especialmente na nerdosfera norte-americana, quase sempre seguindo a receita de começar a carreira com gravações caseiras de paródias geek de sucessos do hip hop, antes de começarem a criar suas canções próprias – o fato de muitos nerds também serem entusiastas de música eletrônica e de beatmaking ajuda bastante. Nomes como MC Chris, Beefy e MC Router foram retratados no documentário Nerdcore for Life, junto com grupos como Optimus Rhyme.

Muita gente da primeira grande onda do nerdcore veio da interseção entre a comédia musical – um gênero bastante popular nos EUA – e a nascente cultura geek. Weird “Al” Yankovic, um dos nomes mais famosos do universo das paródias nos EUA, é frequentemente citado como uma grande influência, por exemplo. Mas isso não quer dizer que o subgênero seja feito apenas de nerds “espirituais”, aqueles que amam a cultura geek mas nunca compilaram um kernel – o MC YTCarcker, por exemplo, tem uma longa carreira como “defacer”, e inclusive já foi processado e condenado por isso nos anos 1990. E indo além do hip hop tradicional, nomes como MC Lars dobram a aposta geracional e se aproximam da própria nostalgia ao samplear artistas de hardcore e da terceira geração do emo, de Fugazi a Brand New.


Com tanta fanfarra e história, mesmo que dentro de um espaço underground, chega a ser estranho que o nerdcore tenha demorado tanto tempo para desembarcar no Brasil, um país onde a cultura nerd tem sua própria história, é antiga e enraizada – sem contar a fama internacional da nossa zoeira sem limites, que renderia histórias épicas nas mãos de um bom MC. É por isso que a vinda da dupla bi-nacional Dual Core – o MC americano Int Eighty e o DJ britânico C64 – ganha os corações dos geeks brasileiros. O duo se apresenta no Roadsec, o maior festival hacker da América Latina, nesta sexta (18/11). Eighty, o MC da dupla, é um poeta do hacking, daqueles que rimam como se falassem uma mistura bilíngue de inglês e C++. 

O Roadsec mostra também que o nerdcore está começando a criar seus filhotes brasileiros. O curitibano MC Hackudão, também convidado para a edição de 2016 do evento, começou fazendo paródias hackers de funk e agora rima com segurança em sons como “Hacker dos Hackers” – em um atestado de como o nerdcore pode absorver as práticas colaborativas do mundo hacker, muitas vezes Hackudão conta com a ajuda online de fãs para compor suas novas faixas. Quem sabe agora o leetspeack brasileiro tenha um nerd para chamar de seu?

Por Amauri Gonzo, do Vice
Release enviado pela FlipSide

Roadsec SP16
Shows: Os Paralamas do Sucesso, Dead Fish, Dual Core e Mc Hackudão
Quando: 18 de Novembro
Horário: Começa às 19h e vai até às 00h.
Onde: AUDIO CLUB
Av. Francisco Matarazzo, 694, Barra Funda – São Paulo
Saiba mais: www.roadsec.com.br/saopaulo2016

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