Batman – Gárgula de Batman 3: um Coringa infantil e um Batman em pedaços (Rafael Grampá, 2025, Panini)


Após dois volumes que estabeleceram um universo sombrio, brutal e visualmente arrebatador, o terceiro volume de Gárgula de Gotham aprofunda de forma decisiva a jornada do Batman de Rafael Grampá. A HQ, que vem sendo lançada de forma irregular desde seu início em setembro de 2023, retorna após um intervalo considerável — e isso tem peso tanto na experiência de leitura quanto na expectativa em torno do desfecho da minissérie.

Nos dois primeiros volumes, Grampá reimaginou Gotham como uma cidade ainda mais tomada pela podridão — uma metrópole quase mitológica onde o crime, o medo e a religião se entrelaçam. A história começa com um Bruce Wayne que decide “matar Bruce” e viver apenas como Batman, abrindo mão de sua identidade civil em nome de uma cruzada mais direta contra o mal.

Esse gesto simbólico prepara o terreno para um confronto com uma seita perversa que transforma a dor e o sofrimento em culto. A investigação de Batman o coloca no encalço de um serial killer com motivações ritualísticas, ao mesmo tempo em que ressurge o fantasma do passado e da infância. A série mergulha no psicológico e no existencial, questionando não apenas o que o Batman combate, mas por que ele combate.

O terceiro volume é o mais intenso até agora. Nele, somos apresentados à versão do Coringa de Grampá – e ele é doentio. A interpretação do brasileiro mostra o Coringa personificado como uma criança sanguinária e psicopata, que assusta pela verossimilhança com casos da vida real. Seu encontro com o outro grande vilão da trama, o peculiar Crytoon, acontece em um cenário aberto que se assemelha ao das grandes highways que atravessam os Estados Unidos, e, além de muito bem ilustrada, é grandiosa e cinematográfica.

Também chama atenção a personagem feminina que aparece em interações com o Inspetor Gordon. Trata-se de uma mulher misteriosa, de visual marcante, envolvida nos desdobramentos da investigação policial. Seu nome não é revelado diretamente — ou, se foi, está sutilmente inserido, de forma a passar despercebido. A narrativa insinua que ela possui informações cruciais sobre a seita presenta na história, e sua relação com Gordon pode se mostrar mais relevante do que parece à primeira vista. A ambiguidade ao redor dela só reforça o clima de paranoia e desorientação da HQ.



Mas o principal ponto deste terceiro volume é o aprofundamento do trauma vivido pelo pequeno Bruce Wayne ao presenciar o assassinato dos seus pais. Esse acontecimento é a razão de o Batman existir, e Grampá consegue inserir elementos novos em uma mitologia explorada à exaustão ao longo dos anos. O desenrolar é muito interessante e conversa diretamente com o título da série, em um sinal de que as pontas estão se amarrando e a conclusão está próxima.

Visualmente, Gárgula de Gotham é uma obra singular no cânone recente do Batman. Grampá mistura traços de quadrinhos europeus com a estética dos filmes de horror dos anos 1970. No terceiro volume, a arte se torna ainda mais orgânica, quase expressionista. Os corpos são tortos, os rostos deformados pela dor, e Gotham parece viva — uma entidade que respira decadência. As cores de Matheus Lopes ajudam a amplificar a opressão visual: tons amarelados, vermelhos sujos e contrastes violentos criam uma sensação de febre constante. As páginas muitas vezes rompem a estrutura tradicional, com composições que misturam caos e controle — refletindo o estado mental do próprio Batman. Grampá aposta em uma narrativa densa, com diálogos carregados de simbolismo e monólogos internos que expõem a transformação psicológica do protagonista.

Com a publicação do volume 3, a série entra em seu momento mais intenso e instigante. No entanto, o impacto narrativo é prejudicado pelo longo intervalo entre as edições. Originalmente anunciada como uma minissérie bimestral, Gárgula de Gotham sofreu atrasos significativos, quebrando a imersão e a continuidade da experiência. Esse hiato também alimenta expectativas desproporcionais — algo que o volume 3, apesar de excelente, carrega como fardo. Ainda assim, Grampá consegue retomar o fio da narrativa com competência, garantindo que o leitor se reconecte ao universo denso e aterrador que vem construindo.

O terceiro volume de Gárgula de Gotham reafirma Rafael Grampá como um autor de visão singular dentro do universo Batman. Sua versão do Cavaleiro das Trevas é brutal, existencialista e cheia de angústia teológica. A arte continua sendo o grande destaque, mas é o aprofundamento da história — com suas metáforas, personagens novos e cenas impactantes — que torna este volume o mais forte da série até agora.

Agora, resta esperar que o quarto e último volume feche com maestria essa jornada ao inferno — e que chegue sem mais atrasos.

 


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