A sonoridade da Dogma é centrada no hard rock contemporâneo com fortes influências do metal mais melódico e do AOR dos anos 1980. É uma fórmula que privilegia o impacto direto: riffs carismáticos, produção limpa, linhas vocais grudentas e refrãos que soam feitos sob medida para palcos grandes. O destaque aqui é a capacidade da banda de entregar músicas pesadas e, ainda assim, fáceis de assimilar — uma arma poderosa para conquistar um público amplo sem diluir a proposta.
A faixa de abertura, “Forbidden Zone”, é o cartão de visita ideal: começa atmosférica, com tensão crescente, até explodir em guitarras e um refrão que parece feito para ser entoado por multidões. Já “Made Her Mine”, talvez a música mais controversa e falada do disco, trata da sedução de uma jovem freira, abordando tabus com escárnio e teatralidade — tanto na letra quanto no videoclipe. “Carnal Liberation” é uma das faixas centrais e mais significativas do álbum. Nela, a banda aprofunda seu discurso de emancipação individual através do desejo e do corpo, transformando o erotismo em instrumento de libertação — especialmente contra a repressão moral e religiosa que permeia o conceito do disco. Já “Father I Have Sinned” funciona como uma confissão e ao mesmo tempo como uma afirmação de ruptura. É a trilha sonora de alguém se despindo das amarras da culpa para abraçar sua própria liberdade. A performance de Lilith, vocalista da banda, é um ponto alto: intensa, dramática e convincente. O disco fecha com “The Dark Messiah”, uma faixa densa, cheia de camadas e dramaticidade, que encerra o álbum com tom apocalíptico e reflexivo, abordando falsos salvadores e estruturas de poder.
O impacto visual da Dogma é parte central de sua proposta. As integrantes — Lilith (vocal), Lamia (guitarra), Rusalka (guitarra), Nixe (baixo) e Abrahel (bateria) — surgem como freiras demoníacas, com vestes litúrgicas distorcidas e maquiagem que remete ao corpse paint do black metal. Essa estética faz um contraponto direto com a sonoridade acessível e cria o mesmo tipo de dissonância instigante que tornou o Ghost famoso: o choque visual atrai, mas o que segura o ouvinte é o repertório. Assim como a banda sueca liderada por Tobias Forge, a Dogma sabe manipular a iconografia religiosa para contar suas histórias, provocar reações e vender sua arte como espetáculo. A teatralidade é pensada em todos os detalhes — da escolha dos nomes mitológicos das integrantes ao conteúdo dos vídeos, passando por entrevistas e postagens cuidadosamente estilizadas.
As verdadeiras identidades das integrantes permanecem desconhecidas. O anonimato é uma escolha consciente, segundo a própria banda, para manter o foco na mensagem e no conceito. É um mistério que cria fascínio adicional e contribui para o ar quase ritualístico da experiência proporcionada pela banda.
O álbum de estreia do Dogma é um trabalho muito bem arquitetado, que entrega peso com acessibilidade, teatralidade com inteligência e provocação com propósito. A capacidade da banda de criar canções com riffs carismáticos e refrãos fortes, somada ao forte apelo visual, deve impulsionar seu crescimento e atrair cada vez mais fãs em diversas frentes — dos entusiastas do metal mais acessível até o público mais mainstream do rock.
Se o objetivo era fundar uma nova religião do rock, o primeiro evangelho já foi escrito — e soa como um sermão que vale a pena ouvir.
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