Reinkaos (2006): a música como magia no testamento ocultista do Dissection


Lançado em 30 de abril de 2006, Reinkaos é o terceiro e último álbum da banda sueca Dissection, liderada pelo vocalista e guitarrista Jon Nödtveidt. O disco marcou o retorno do grupo após quase uma década de silêncio — e também o fim de sua jornada, já que Nödtveidt cometeu suicídio meses após o lançamento. Diferente dos álbuns anteriores, Reinkaos causou estranheza em muitos fãs ao trocar o black/death metal caótico e atmosférico por uma sonoridade mais direta, melódica e ritualística. Mas por trás da mudança sonora, há um conceito forte, ocultista e intencional.

Enquanto The Somberlain (1993) e Storm of the Light’s Bane (1995) abraçavam o som clássico do black metal sueco, Reinkaos soa quase como um híbrido entre o death metal melódico e o metal tradicional. As músicas são mais contidas, com riffs definidos, solos claros e estrutura mais tradicional — algo que se aproxima, em alguns momentos, do metal de bandas como Iron Maiden, Metallica e, principalmente, Arch Enemy. A produção também é mais limpa, seca, destacando os vocais e guitarras. Para muitos fãs da velha guarda, isso soou como um retrocesso. Mas, dentro da proposta do álbum, a clareza e repetição servem a outro propósito: o ritual.

Reinkaos é profundamente influenciado pelo Misanthropic Luciferian Order (MLO), grupo ocultista ao qual Nödtveidt era ligado. O álbum foi concebido como um instrumento mágico, com letras escritas segundo princípios do Liber Azerate, o texto central da filosofia caos-gnóstica do MLO. As músicas não são apenas canções — são encantamentos, fórmulas ritualísticas. Palavras como “chaosophia”, apostasy”, “Maha Kali e “reinkaos remetem à dissolução do ego, à destruição do mundo material e à reintegração com o caos primordial. O termo "reinkaos", por exemplo, representa o oposto da reencarnação: não um retorno ao ciclo de vidas, mas uma reintegração com o caos absoluto — o objetivo supremo do adepto da anti-cosmologia. 

"Nexion 218" abre o disco como uma invocação. É um dos exemplos mais claros do conteúdo esotérico do álbum, referindo-se diretamente ao número sagrado do MLO. "Beyond the Horizon" traz riffs pesados e uma estrutura quase radiofônica, mas com letras profundamente sombrias e ritualísticas. "Maha Kali", lançada como single, é uma invocação direta à deusa hindu da destruição. A escolha da divindade não é acidental: representa o poder feminino do caos. "Starless Aeon" e "Black Dragon" são momentos em que o álbum flerta com o épico, misturando melodia e misticismo em níveis quase litúrgicos.

Reinkaos não é um álbum fácil de digerir — nem pelo som, nem pelo contexto. Foi lançado por uma banda que havia se desfeito após o envolvimento de Nödtveidt em um assassinato (pelo qual cumpriu pena de sete anos), e que voltou com nova formação e uma missão ideológica radicalizada. O próprio fim de Jon Nödtveidt, que se suicidou em um ritual dentro de um círculo mágico com uma arma e velas, selou o álbum como testamento final. Apesar da recepção dividida, Reinkaos é hoje visto como uma obra singular, onde música e ideologia se fundem em um ponto raro no metal extremo. Não é o mais técnico, nem o mais brutal, mas certamente é o trabalho mais intencional do Dissection — cada acorde, cada verso, carrega um peso oculto.

Reinkaos é um grimório em forma de metal. Sua sonoridade, embora criticada por alguns pela simplicidade ou mudança de direção, serve perfeitamente à proposta de ser um ritual movido – e proporcionado – pela música. Jon Nödtveidt não estava apenas tocando — ele estava praticando magia. Goste-se ou não, é uma obra de coragem artística, ideológica e espiritual que continua despertando fascínio e debate.


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