Discos Fundamentais: U2 - Under a Blood Red Sky (1983)


Por Ricardo Seelig
Colecionador
Collector´s Room

Fundado em Dublin em 1976, há mais de duas décadas o U2 é uma das maiores bandas do mundo. Entretanto, estranhamente o grupo de Bono ainda não possui em sua discografia o famoso album duplo ao vivo, aquele disco celebração que todo grande grupo de rock lança um dia.

Alguns poderão dizer que
Rattle and Hum, registro do filme homônimo dirigido por Phil Joanou e lançado em 1988, cumpre este papel, mas eu acho que não. Muito mais uma trilha para o documentário de Joanou, o álbum traz diversos registros ao vivo durante a turnê americana de The Joshua Tree e algumas músicas inéditas gravadas em estúdio, e, apesar de ser um ótimo trabalho, não possui a aura mítica que todo grande álbum ao vivo carrega consigo (e que pode ser encontrada, por exemplo, no excelente DVD U2 Go Home - Live From Slane Castle, Ireland, lançado pelo quarteto em 2002 contendo o antológico show realizado pela banda no histórico castelo de Slane Castle, na Irlanda).

Por todas essas razões,
Under a Blood Red Sky, EP gravado durante um show nas históricas montanhas Red Rocks, no estado americano de Colorado, em meados de 1983, ainda permanece imbatível. Documento de uma época em que a ideologia da banda era bem mais inocente e juvenil, apresenta um grupo muito distante da grandiosidade que hoje cerca tudo relativo ao seu nome.

Com um repertório focado em seus três primeiros álbuns (
Boy de 1980, October de 1981 e War de 1983), o EP apresenta apenas oito faixas, mas o número reduzido de músicas é recompensado com uma performance absolutamente empolgante, com destaque, é claro, para Bono Vox e The Edge. Abrindo com “Gloria” (que infelizmente está fora do set list há muito tempo), o CD já começa com tudo, com a banda se entregando de corpo e alma ao público. Bono canta como nunca, enquanto Edge toca a sua guitarra de forma característica (aliás, para mim, ele é um dos guitarristas mais originais e influentes destes últimos vinte anos, mostrando que ainda há muitos caminhos a serem trilhados pelo principal instrumento do rock). O momento em que Bono apresenta os músicos no meio da faixa é inesquecível.

O show segue com “11 O´Clock Tick Tock” e “I Will Follow”, canção emblemática da primeira fase da carreira dos irlandeses, aqui em sua versão definitiva, infinitamente superior aquela presente no álbum
War. É muito legal ouvir a faixa e perceber como Bono, desde o início, sempre teve um talento natural para erguer e reger a platéia, mantendo o público sempre em suas mãos.

Muito antes de “One” (que só conheceríamos em 1991 com o lançamento de
Achtung Baby) o U2 já tinha uma balada matadora, daquelas que fazem um estádio inteiro cantar junto. Simples como somente as boas canções são, “Party Girl” segue o riff da guitarra de Edge e foi executada incessantemente nas rádios em meados dos anos oitenta. Um tesouro perdido no meio das dezenas de hinos compostos pelo grupo, e que infelizmente está esquecida pela banda, mas que vale a pena ser redescoberta.

Entrando em sua segunda metade,
Under a Blood Red Sky traz a versão mais conhecida do hino “Sunday Bloody Sunday”, uma das canções mais politizadas do U2, e que relata o trágico massacre de católicos e protestantes que ficou marcado na história como o domingo sangrento (aliás, vale a pena assistir o filme do mesmo nome, que mostra como esta tragédia acabou acontecendo). A banda se entrega inteiramente durante toda a canção, com destaque para Bono, que parece incorporar todas as almas das vítimas em sua voz, em uma interpretação muito intensa. Não é a toa que, ao lado de “Pride (In the Name Of Love)", “Sunday Bloody Sunday” se transformou na marca registrada da primeira década de carreira do U2.

As três últimas faixas do disco são uma celebração. “The Electric Co” é a união da banda de garagem que o U2 foi um dia com os caminhos que o grupo seguiria na década seguinte. “New Year´s Day”, uma das canções mais fortes da carreira dos irlandeses, ganha contornos épicos neste EP, seja pelo grito de Bono no início da canção, seja pela performance perfeita de The Edge não só nas guitarras, mas também nas belas melodias de teclado. E “40” revela-se a canção perfeita para fechar um show histórico, com seu refrão emocionante sendo cantado em uníssimo pelos milhares de fãs presentes.

A produção, a cargo de Jimmy Iovine, conseguiu captar com rara eficiência a interação entre a banda e a platéia, e o resultado final é que, ao ouvir o disco, você acaba se sentindo como se estivesse no meio do público, a poucos metros de Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr.

Um item obrigatório, registro de uma banda ainda virgem, transbordando tesão, paixão e juventude, em um passado que pavimentou todo o caminho que o grupo seguiu nas décadas seguintes, e que teve um papel muito importante no surgimento de álbuns excelentes como
Achtung Baby e All That You Can´t Leave Behind.

Se você é fã do grupo, provavelmente já tem este álbum. Se você não é, ouça e entenda porque o U2 não é apenas uma das maiores bandas de rock das últimas duas décadas, mas também uma das mais relevantes, originais e influentes do estilo.

Faixas:
A1. Gloria - 4:32
A2. 11 O'Clock Tick Tock - 4:34
A3. I Will Follow - 3:36
A4. Party Girl - 2:52

B1. Sunday Bloody Sunday - 4:55
B2. The Electric Co. - 5:18
B3. New Year's Day - 4:29
B4. "40" - 3:36

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