Tom Zé na Jornada e os Mutantes no exterior


Por Maurício Rigotto
Colecionador e Escritor

O último dia 30 de outubro foi emocionante para mim. Finalmente assisti ao vivo ao show de um dos maiores artistas vivos do planeta, o baiano Tom Zé. Uma bela iniciativa dos organizadores da
Jornada de Literatura, embora o show tenha sido pouco divulgado na mídia, certamente ofuscado pelas dezenas de grandes atrações que o evento trouxe a Passo Fundo.

Fui para o Centro de Eventos da UPF com meu raríssimo disco de vinil de Tom Zé, Todos os Olhos, embaixo do braço, aquele disco que ficou notório por ludibriar a censura em 1973 ao colocar um orifício anal com uma bolita na capa. O local se encontrava lotado, tanto que tive uma certa dificuldade em encontrar uma cadeira vaga nas primeiras filas.


Tom Zé subiu ao palco com sua banda e logo algo me impressionou: o artista está com 73 anos, mas sua aparência é de um homem na faixa dos cinquenta, e quando saltitava a fazia macaquices em sua performance aparentava ser um homem com não mais de trinta e poucos anos. As primeiras fileiras, pelo que pude observar, contavam com as poucas pessoas que conheciam um pouco da obra do artista, pois vibravam a cada canção ou intervenção irônica de Tom Zé. O resto do público olhava estupefato, como se estivesse sem nada entender, e logo começou a esvaziar as dependências do local. Lá pela metade do show, menos de 50% do público continuava lá, e creio que perto do final havia apenas uns vinte por cento do público original.

O show foi magnífico. Lavei minha alma ao presenciar esse grande artista apresentar suas canções de uma maneira tão espontânea e despojada, além de destilar a sua verborragia ferina. No final, tive o privilégio de apertar a sua mão e ganhar um autógrafo na capa do disco (que falta faz uma máquina de tirar retratos nesses momentos).

Uma das figuras mais geniais e originais da música popular, Tom Zé se fez notar pela primeira vez ao participar de uma trupe que lançou no final dos anos sessenta o disco manifesto
Tropicália ou Panis at Circenses, ao lado de Caetano, Gil, Gal, Mutantes, Rogério Duprat e outros. No disco ele contribui com a ótima "Parque Industrial". Compôs para os Mutantes as canções "Qualquer Bobagem" e "2001", clássicos da melhor banda que o Brasil já teve.

Tom Zé cursou a Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, onde teve aulas com o dodecafonista Hans Joachim Koellreutter, estudos esses que até hoje se refletem em sua obra. Em 1968 venceu o IV Festival de Música Popular da TV Record com "São Paulo, Meu Amor". A partir dos anos setenta, ao contrário dos seus colegas de Tropicália, caiu no ostracismo e seus álbuns de pop experimental hermético foram vítimas de um grande descaso pelo público. Talvez a genialidade do artista fosse demais para ser compreendida por sua época contemporânea. Nos anos oitenta, Tom Zé chegou a trabalhar em um posto de gasolina para se sustentar.

Tudo mudou quando o ex-líder do Talking Heads, David Byrne, em visita ao Rio de Janeiro, comprou discos de música brasileira e ficou assombrado com a qualidade de um álbum de Tom Zé. Ao tentar se informar mais sobre o artista, percebeu, chocado, que ninguém conhecia Tom Zé em seu país. Byrne citou em várias entrevistas: "
Como pode o Brasil ter um artista dessa magnitude e ninguém conhecer?". David Byrne lançou a obra de Tom Zé em toda a Europa e hoje ele é sucesso no mundo todo, menos no Brasil! Vários discos de Tom Zé que estão fora de catálogo por aqui podem ser encontrados com facilidade em qualquer loja de discos européia.


Fato semelhante acontece com os Mutantes, que em 2006 voltaram à ativa, mesmo sem Rita Lee, e fizeram uma bem sucedida turnê, lançando um CD e DVD gravados ao vivo em Londres. Este ano, após Arnaldo Baptista deixar mais uma vez a banda, o grupo lançou o álbum Hail or Amortecedor, o primeiro com faixas inéditas em trinta e cinco anos (curiosamente, metade das músicas do álbum foi composta por Sérgio Dias em parceria com Tom Zé). O disco é um sucesso e os Mutantes estão com a agenda cheia, fazendo shows lotados. Detalhe: shows lotados na Europa e Estados Unidos. Aqui no Brasil, nenhuma gravadora se interessou em lançar o disco, e até agora não há um único show marcado por aqui.

Vai entender ...

Comentários

  1. O Tom Zé é um repelente da ignorância. Por isso mesmo, gente que é acostumada com aquela MPB sem graça e nada mais, não suporta ficar muito tempo em um show assim.

    Mas isso me irrita profundamente. Já briguei com um ex-amigo meu por causa do Tom Zé. E brigo com qualquer outro. Você pode até não gostar da música dele, mas não tem o direito de subestimá-la, só porque não a compreendeu.

    Com relação ao trabalho no posto de gasolina, o Tom Zé não chegou a trabalhar nisso. Ele ia sim voltar à Bahia e aceitar esse emprego, mas o David Burne o salvou antes.

    Já essa questão entre os Mutantes e as gravadoras daqui, reforça a urgência de que todas essas gravadoras quebrem de uma vez. E que levem junto pro buraco toda essa gente que não gosta do Tom Zé, ou dos Mutantes.

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  2. Letti, ótimo o seu comentário, assim como o texto do Maurício.

    Enquanto as gravadoras brasileiras investem baldes de dinheiro em coisas como Fresno e NX Zero, ignorando nomes como Tom Zé e Mutantes, o Brasil apenas ratifica a sua total ignorância, nulidade e indiferença com quem ousa fazer um trabalho cultural - e que faz pensar - de qualidade em nosso país.

    Abraço.

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  3. O Tom Zé é O cara, um verdadeiro artista que não se acomoda no próprio status, sempre inventando. Gosto da sua música e principalmente de sua postura, que é jovem e de vanguarda, questionadora, dá show em muito garotinho que fica pulando com sua guitarra. Quanto ao texto, existe sim um show dos Mutantes marcado para o Brasil, será no Festival Psicodália, em SC, na virada do ano (basta ver postagem minha neste blog a respeito). Agora, o que eu acho sacanagem é esse pessoal que vive de nome (no caso dos Mutantes, depois de tantos anos parado) cobrar cachês exorbitantes e posar de "rock star" como foi nessa negociação para tocarem no Psicodália, como me informaram. Parece que esse pessoal quer elitizar seu público, cobra ingresso de 200, 300 reais...Desse jeito vai tocar só na Europa msm. O público pro rock e correlatos aqui no Brasil já é minguado, com esse preço então...
    Abraço!
    Ronaldo

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  4. realmente, o ingresso para o show dos mutantes, q nao ocorreu ano passado aquiem poa por qo serginho teve problemas de saude, era 100 reais. salgado para uma banda nacional. Otimo texto e parabens pelo autografo na capa do todos os olhos. Agora vale muito mais

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