Discos Fundamentais: Crosby, Stills, Nash & Young – 4 Way Street (1971)



Por Ben Ami Scopinho


Parece ser um consenso o fato de a década de 1970 ter gerado os mais marcantes registros ao vivo desde os primórdios do rock. E nesta considerável e ilustre lista também figura 4 Way Street, o primeiro registro 'live' do Crosby, Stills, Nash & Young, lançado há quatro décadas. Considerando o passado de cada um de seus integrantes – David Crosby veio do The Byrds, Stephen Stills e Neil Young passaram pelo quixotesco Buffalo Springfield e Graham Nash foi do pop britânico The Hollies – nada mais natural que este seja considerado como o primeiro supergrupo de folk rock da história.


A realidade é que tudo começou com um trio debutando com o auto-intitulado Crosby, Stills & Nash em 1969, pela Atlantic Records, e que vingou os hits "Marrakesh Express" e "Suite: Judy Blue Eyes", fazendo com que o disco atingisse a marca de quatro milhões de cópias vendidas e empurrasse a banda ao estrelato. Mas, para que uma turnê realmente desse certo, eles precisavam de mais um músico, e é aí que entra o temperamental Neil Young, que aceitou participar do grupo se este não entrasse em conflito com sua carreira solo, que já contava com a simpatia de muitos na ocasião.


Assim, com quatro guitarristas que também eram cantores (ou vice-versa?), o agora rebatizado Crosby, Stills, Nash & Young lançou Déjà Vu em 1970. E, diante do talento e energia criativa do quarteto, emplacaram canções do porte de "Our House", "Teach Your Children" e "Woodstock" (cover de Joni Mitchell), fazendo com que o disco vendesse 7 milhões de cópias e saltasse para o topo das paradas de sucesso, onde permaneceu por vários anos.


Com toda essa repercussão positiva, foi natural que a Atlantic organizasse uma turnê para atender ao desejo do público em ver estas feras tocando pelos EUA. E foi desta série de apresentações que surgiu o álbum 4 Way Street, cujas canções foram captadas dos shows que aconteceram entre os meses junho e julho de 1970 no Fillmore East (Nova York), Chicago Auditorium (Chicago) e The Forum (Los Angeles).






Chegando às lojas em 1971 no formato vinil duplo, 4 Way Street apresentava como novidade o fato de um disco ser acústico e o outro, elétrico. Todo o espaço interno do projeto gráfico foi preenchido com uma foto preto e branco, gigantesca, onde Crosby, Stills, Nash e Young aparecem sentados em um vestiário, e dois deles curiosamente emoldurados por um cabide de arame. As tradicionais informações foram banidas da contracapa, concentrando-se nos encartes internos que embalavam os discos, inclusive com as letras das canções, algo relativamente raro em se tratando de discos ao vivo.


O repertório, como era de se esperar, não trazia apenas as músicas dos já citados dois álbuns de estúdio. Mais da metade do material veio das bandas anteriores ou dos trabalhos solo do quarteto, e incluíram também composições até então inéditas como “Chicago” e "Right Between the Eyes", de Graham Nash, além de “The Lee Shore” e a polêmica "Triad", composta em 1967 por David Crosby e destinada ao The Byrds, que a recusou pela temática hedonista e claramente hippie: ‘ménage à trois’ – quem a acabou gravando o Jefferson Airplane no disco Crown of Creation, de 1968.


Apesar da decisão em mutilar tão grotescamente a abertura “Suite: Judy Blue Eyes”, deduzindo-a a meros 30 segundos (o argumento foi que a banda não queria outra versão deste single invadindo novamente as rádios dos EUA), a audição flui de forma maravilhosa. Não há como não ser atraído para as versões de “Southern Man" e "Carry On", com Neil Young e Stephen Stills alimentando-se um do outro e proporcionando longos devaneios que se estendem por até treze minutos, uma prática comum na época.


E, quer admitam ou não, tudo é executado de forma um tanto quanto áspera e, porque não dizer, quase desleixada, características mais evidentes no disco dois, o elétrico. Mas, por outro lado, é exatamente essa carência de artifícios de estúdio que permite a apreciação dos vários erros que aparecem regularmente. Ou seja, um real disco ao vivo, como tem que ser.




Já em um contexto histórico um pouco mais profundo, vale lembrar que este trabalho surgiu na conturbada esteira do final da década de 60 e início da 70, em meio aos tumultos raciais que assolavam alguns estados norte-americanos, os famosos distúrbios em inúmeras universidades, Guerra do Vietnã e outras agruras em que os EUA estavam atolados. Parte da geração hippie, que tanto ansiava por uma real filosofia voltada à paz e amor no cotidiano dos povos, simplesmente renegou este disco, pois, com exceção de algumas faixas como “Chicago”, “America's Children” e “Ohio”, o fato é que não há grande interesse por temas políticos por aqui.


De qualquer forma, esses fissurados pela Era de Aquário eram a minoria entre o público. Tanto que, além da abrangência dos temas, é inegável que foi a inspiração e, principalmente, todo o alto astral e empatia entre banda e público presentes neste registro que ajudaram a elevar os nomes Crosby, Stills, Nash e Young ao status de ícones, permanecendo na memória não só dos norte-americanos, mas também dos amantes do gênero em inúmeras outras nações. Um exemplo? Atentem para o comecinho de “Right Between the Eyes”, onde a brincadeira faz com que a plateia gargalhe entusiasmadamente e contagie até mesmo quem está escutando o disco.


Infelizmente, por trás de toda a genialidade residia uma insistente tensão, em especial entre Stephen Stills e Neil Young, a tal ponto de os músicos perderem toda a compostura e saírem no braço por vários dos vestiários em que iam parando. Esses atritos já começaram antes mesmo da excursão e somente aumentaram com o passar dos meses; os egos que não cediam espaço acumulavam cada vez mais atritos e a alternativa mais saudável foi a dissolução do Crosby, Stills, Nash & Young logo após 4 Way Street ter sido lançado.


Ainda que cada um desses músicos tivesse mantido uma trajetória relevante pelos anos seguintes, uma nova reunião envolvendo Crosby, Stills e Nash aconteceu em 1977, onde liberaram CSN – mas o recluso Neil Young optou por não fazer parte desta segunda tentativa de tocar com os ex-companheiros. Mas essas são histórias para outra ocasião.


Como complemento, 4 Way Street ganhou uma nova versão em meados de 1992, onde cada músico acrescentou outra faixa de sua autoria ao repertório. Nash revisitou o The Hollies com o single "King Midas in Reverse", de 1967; Crosby ofereceu "Laughing"; Stills veio com "Black Queen" e Young destilou um medley de “The Loner”, “Cinnamon Girl” e “Down by the River". Mas nada de a tal “Suite: Judy Blue Eyes” aparecer na íntegra ...


E, para finalizar estas linhas, vale mencionar que 4 Way Street também chegou ao primeiro posto das paradas de sucesso norte-americanas, vendendo nada menos do que meras quatro milhões de cópias. Multiplatinado! Permanece firme e forte após quarenta anos de seu lançamento e é uma essencial declaração musical aos colecionadores, independente das subdivisões em que o rock and roll se espalhou nas últimas décadas.




Formação:
David Crosby - voz e guitarra
Stephen Stills - voz, guitarra e teclado
Graham Nash - voz, guitarra e teclado
Neil Young - voz, guitarra, harmônica e teclado
Calvin ‘Fuzzy’ Samuels - baixo
Johnny Barbata - bateria


Crosby, Stills, Nash & Young - 4 Way Street
(1971 / Atlantic Records)


Side 1 (acústico)
1. Suite: Judy Blue Eyes (Stephen Stills)
2. On The Way Home (Neil Young)
3. Teach Your Children (Graham Nash)
4. Triad (David Crosby)
5. The Lee Shore (Crosby)
6. Chicago (Nash)


Side 2 (acústico)
7. Right Between The Eyes (Nash)
8. Cowgirl In The Sand (Young)
9. Don't Let It Bring You Down (Young)
10. 49 Bye-Byes / For What It's Worth / America's Children (Stills)
11. Love The One You're With (Stills)


Side 3 (elétrico)
12. Pre-Road Downs (Nash)
13. Long Time Gone (Crosby)
14. Southern Man (Young)


Side 4 (elétrico)
15. Ohio (Young)
16. Carry On (Stills)
17. Find The Cost Of Freedom (Stills)

Comentários

  1. Acho este disco maravilhoso...inclusive nunca liguei e acho que nem percebi os erros nas performances... durante os anos 60 e 70 não havia muita preocupação em se seguir exatamente os arranjos originais das músicas... isto junto com as improvisações talvez leve muita gente a pensar que os músicos estão errando...

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  2. Os anos 70 eram o tempo do exagero - tudo era assim pra caralho, era o sangue nas faixas msm - de avassaladoras e emotivas baladas folk a improvisações conduzidas pelo senso do absurdo e da despreocupação com a duração, eletricidade a mil e nervos a flor da pele. Esse disco é um dos muitos (e dos melhores) retratos disso, dessa intensidade dessa época.
    Sonzeira demais!
    Abraço!
    Ronaldo

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  3. Ricardo, você não vai voltar com esta série mais não?
    Era muito boa, sempre grandes discos.
    Abraço
    Fabiano

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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