26 Bandas para o Matias: B de Black Sabbath

Espumoso é uma pequena cidade localizada no norte do Rio Grande do Sul. Foi lá que eu nasci e vivi toda a minha adolescência. Meus pais e irmã, assim como diversos parentes, continuam residindo na cidade. O principal centro urbano da região, Passo Fundo, fica a aproximadamente 80 km de distância.

Desde que comecei a me interessar por música, fazia visitas frequentes a Passo Fundo para comprar discos. Não havia loja de discos em Espumoso, então precisava me deslocar até onde elas estavam. Encarava 2 horas de viagem em um ônibus “pinga-pinga” (que é como chamávamos as linhas que não eram diretas e faziam diversas paradas ao longo do trajeto) até chegar e sair em busca de novidades para minha coleção.

Foi em uma dessas primeiras incursões que conheci o Black Sabbath. Já havia lido algo sobre a banda em alguma revista cujo título não lembro mais, mas ainda não havia escutado o som. Passando pelo centro da cidade, entrei em uma loja de sapatos que, casualmente, também vendia LPs. Eles deviam ter uns dez discos expostos em uma estante lá no final do corredor, e um deles me chamou a atenção. Era o Paranoid, segundo do Sabbath, estalando de novo, na edição brasileira lançada pela RGE. Comprei na hora.



Voltei para casa com aquela preciosidade embaixo do braço e fui ouvir o LP no meu três em um. O choque foi grande, porém hipnótico. Não conseguia parar de escutar aquela música forte, poderosa, pesada, quase mística. Ouvia o lado A, virava o disco para o lado B, e colocava de novo o lado A. Fazia isso sucessivamente, quase literalmente furando o vinil. Aquela música me fascinou.

Comentei com um amigo, que respondeu: “É, o problema de ouvir Black Sabbath é que a gente não consegue parar de escutar tão cedo”. E sim, era isso mesmo. O primeiro contato com os riffs de Tony Iommi é como um rito de passagem na vida de quem gosta de música. Aquele som muda a sua percepção das coisas de forma definitiva.

Logo depois do Paranoid fui atrás de outros discos, e peguei o primeirão da banda. Na contracapa, o vocalista era apresentado como Ossie Osbourne, ao invés do popular Ozzy que conhecemos. E a música era ainda mais sombria e assustadora. Aquilo era do mal com nada havia sido antes. Pirei em “The Wizard” e, principalmente, em “N.I.B.”, que me soava familiar pela semelhança com o riff de “Cocaine”.



Lembro de ir com toda a família visitar parentes em Farroupilha, cidade da serra gaúcha. Lá moravam alguns tios e primos, e esses primos eram bem mais velhos do que eu. Na discoteca deles encontrei uma coletânea chamada We Sold Our Soul for Rock ‘n’ Roll (1975), e ela me mostrou mais sons que não conhecia. Músicas como “Changes”, “Sweet Leaf”, “Children of the Grave” e “Sabbath Bloody Sabbath” revelaram que a banda era ainda mais fascinante do que eu imaginava. Vendi minha alma para o rock and roll e aquele LP virou a trilha do fim de semana. Fim de semana que também revelou outra descoberta: ouvia o disco nos fones de ouvido e respondia gritando para poder me ouvir, enquanto meus primos riam sem eu entender porque. Lição aprendida, mico jamais repetido.

Ao longo da adolescência fui entrando em contato com outros álbuns do grupo. Master of Reality (1971) e seu peso e carisma cativantes. Never Say Die! (1978) com a belíssima “Air Dance”. Mob Rules (1981) com o metal puro e a voz divina de Ronnie James Dio. Seventh Star (1986) e suas músicas diferentes, mas mesmo assim ótimas, cantadas pela voz incrível de Glenn Hughes. E até mesmo The Eternal Idol (1987), cuja faixa de abertura, “The Shining”, logo se tornou uma das minhas favoritas.

Mas daí chegou uma época em que meio me afastei do Black Sabbath. Eram tantas bandas interessantes chegando e me cercando por todos os lados, que o apetite e curiosidade para degustar tudo aquilo me fez colocar de lado o que eu achava que já conhecia.




Então, cresci. Mais velho, comprei toda a discografia da banda - pelo menos a que importava, leia-se fase Ozzy e fase Dio, e mais alguns discos isolados - e senti o mesmo efeito que havia me fascinado mais de 10 anos antes. Nessa época, entendi discos como Vol. 4 (1972), Sabbath Bloody Sabbath (1973) e Heaven and Hell (1980) que, por algum motivo, tinham passado batido antes. A identificação foi tão forte que Sabbath Bloody Sabbath e Heaven and Hell se tornaram os meus álbuns favoritos da banda.

Hoje, a coleção do Black Sabbath ocupa lugar de destaque em minha estante, como uma espécie de base que não apenas sustenta tudo o que veio depois, mas também serve de refúgio quando estou cansado e quero apenas me sentir confortável em um lugar que conheço muito bem.




O Matias já descobriu o Black Sabbath. Desde pequeno, ele gosta de mexer nos meus discos. Vai lá, fuça aqui e ali, olha as capas e, ao se interessar por algum deles, pede para ouvir. Foi assim que ele chegou até o grupo. Pegou o Master of Reality e pediu para escutar. E adorou, tanto que se esvaiu em uma risada gostosa ao ouvir a tosse de Ozzy abrindo o disco. Daí veio a pergunta: “Pai, como é o nome dessa banda?”. “Black Sabbath, filho”, respondi. E ele: “Ah tá, Black Sabbathca”, e lançou outra gargalhada.

O Black Sabbath também serviu de ponto de partida para que o Matias, do alto dos seus 3 anos, construísse um raciocínio interessante. Ele já conhecia outras bandas, e as dividiu em duas categorias: rock feliz e rock brabo. No rock feliz, nomes como Beatles, Stones e AC/DC. Já no rock brabo, Black Sabbath, Iron Maiden e Kiss. Uma boa definição e que, na inocência e ingenuidade de uma criança, reduz tudo à sua essência.

O resumo disso tudo é que, mesmo passados mais de 40 anos do lançamento do primeiro LP do Black Sabbath, a sua música continua incrível. É tanto riff empolgante que não há como passar pelo som dos caras sem sentir alguma coisa. Tudo que importa no heavy metal, no rock, está ali: um vocalista carismático e que canta com a alma, um guitarrista que despeja riffs compulsivamente, um baixo pesado que reforça tudo e uma bateria quase primal, conduzida não pela técnica, mas pelo feeling puro.

Vai chegar uma hora em que o Matias vai entender o Black Sabbath em sua plenitude. E, quando isso acontecer, ele vai sentir a mesma sensação que eu, você e todo mundo naquela primeira vez: não tem como parar de ouvir. É hipnótico, mágico, uma experiência quase sobrenatural. É o rock em sua essência.

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Aonde está escrito Junior's dance não seria Junior's eyes?

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  2. Eu consigo ouvir até o famigerado "Forbidden", mas o "Never Say Die" eu não consigo. É o único álbum do Sabbath que eu realmente não gosto de nada dele, odeio inclusive a faixa-título alegrinha pra cacete hehe

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  3. O legal disso é que cada um lembre quando escutou essas bandas pela primeira vez. Um momento único realmente. Mais recentemente, quando escutei o Crack the Skye pela primeira vez, senti essa mesma loucura dessas bandas clássicas. A vontade era de ouvir o disco o tempo todo, o dia inteiro e saber de cara, que aquilo me acompanharia o resto da vida.

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  4. Obrigado Ricardo por partilhar isto com os leitores.
    Além de um excelente gosto musical, gosto de ler as suas criticas, embora e como é natural não concorde com todas, mas respeito.
    Esta adoro é precisamente o que eu sinto sobre Sabbath, no entanto o mais importante é o que você está passando para o seu filho e é nisto precisamente que eu quero fazer para o meu com 4 anos.
    valeu obrigado

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