Review: Van Halen – Van Halen III (1998)


Sammy Hagar saiu do Van Halen por diversos motivos. A tensão entre o vocalista e os irmãos Eddie e Alex cresceu ao longo dos anos, culminando na saída de Sammy após a gravação das canções que entraram na trilha sonora do filme Twister (1996). Um dos pontos de discórdia foi justamente “Humans Being”. Eddie ficou insatisfeito com a letra de Hagar, mexeu no título e nas melodias. A outra canção prevista no contrato acabou nem tendo a participação do vocalista, com os irmãos Van Halen gravando sozinhos a instrumental “Respect the Wind”. E daí foi um furacão de desinformação, com Sammy afirmando que havia sido demitido e Eddie dizendo que Hagar tinha pedido para sair.

Na mesma época, a banda trabalhava na compilação Best Of – Volume 1 (1996), e a ideia de Sammy Hagar era que ela saísse em dois volumes, um dedicado ao período com David Lee Roth e outro ao seu. Porém, a opinião de Eddie Van Halen era diferente e isso acabou levando a um rompimento definitivo. No mesmo processo, Eddie entrou em contato com David para discutir quais canções deveriam entrar na coletânea, e os dois se reaproximaram depois de anos distantes. Roth foi ao estúdio de Eddie e juntos gravaram duas canções, “Can’t Get This Stuff No More” e “We Wise Magic”, que entraram no Best Of. A formação original, com David, subiu ao palco junta pela primeira vez em mais de dez anos no MTV Music Awards de 1996, o que atiçou de vez os rumores sobre o retorno de Roth. Porém, a banda ainda estava testando outros vocalistas e novos desentendimentos surgiram entre David e Eddie, motivados pela falta de clareza do guitarrista em definir se queria ou não o retorno do cantor. Então, a relação com Roth azedou mais uma vez.


A banda então anunciou Gary Cherone, do Extreme, como sua nova voz, e lançou em março de 1998 Van Halen III, único disco com o vocalista. O álbum foi produzido por Edward Van Halen e Mike Post, e é o sucessor de Balance (1995), que vendeu mais de 3 milhões de cópias nos Estados Unidos. O trabalho também foi o último com o baixista Michael Anthony, que tocou em apenas três das doze faixas – “Without You”, “One I Want” e “Fire in the Hole” -, com o instrumento sendo executado por Eddie nas demais. O álbum contou com um grande envolvimento de Eddie Van Halen em todos os processos, com o guitarrista assumindo ainda mais o direcionamento musical do que de costume, o que levou Anthony a considerar o disco mais como um trabalho solo do guitarrista do que como um trabalho da banda.

Comercialmente, Van Halen III deu ao grupo um Disco de Ouro nos Estados Unidos alcançando a marca de 500 mil cópias, mas, comparado aos trabalhos anteriores, isso acabou sendo uma decepção, pois todos os quatro álbuns predecessores – 5150 (1986), OU812 (1988), For Unlawful Carnal Knowledge (1991) e Balance (1995) – chegaram ao primeiro lugar nas paradas e tiveram vendas na casa dos milhões de cópias. Crítica e fãs também não receberam bem o disco, estranhando a abordagem menos festiva e mais intrincada e experimental das composições, cheias de andamentos quebrados e não habituais ao Van Halen, além da duração mais longa das faixas. A banda chegou a retornar ao estúdio com Cherone para gravar o sucessor de Van Halen III, e, segundo rumores, mais de vinte novas canções foram escritas, mas a baixa venda de ingressos para a turnê de divulgação do álbum e o balde de água fria vindo da reação do público esfriou a relação entre o vocalista e a banda, e Cherone deixou o Van Halen em novembro de 1999 de forma amigável.


Há em Van Halen III um esforço perceptível por parte de Gary Cherone de soar o mais próximo possível de Sammy Hagar. O timbre é muito semelhante, o que torna o álbum mais próximo do período com Hagar do que com a fase com Roth na trajetória do Van Halen. O fato de Eddie se envolver de forma profunda em todas as etapas que envolveram o disco faz com que Van Halen III, apesar do descontentamento de uma parcela dos fãs, também funcione como uma espécie de testamento do guitarrista, um dos maiores e mais influentes instrumentistas de todos os tempos. Percebe-se uma melancolia onipresente no trabalho, acompanhada por uma abordagem mais pretenciosa que, ainda que tenha desagradado na época, envelheceu muito bem. Traduzindo, Van Halen III é muito melhor do que os reviews de modo geral apontam, um álbum com personalidade própria e que entrega boas canções para quem se permite nele mergulhar, como é o caso de “Without You” e “Fire in the Hole”, dobradinha em que a banda encarna uma espécie de Led Zeppelin dos anos 1990 com toda a grandiosidade e gigantismo que essa comparação envolve. “One I Want” é o VH da fase Sammy Hagar sem pôr nem tirar, enquanto “From Afar” explora caminhos até então inéditos para o grupo. Já “Dirty Water Hog” tem guitarras sensacionais de Eddie. Entre as baladas, “Josephina” é a melhor, ainda que abaixo das que a banda gravou nos álbuns anteriores. “Ballot or the Bullet” traz guitarras pesadíssimas e ótimos vocais de Gary Cherone, enquanto “How Many Say I” fecha o álbum com Eddie nos vocais em uma canção levada ao piano, o que reforça ainda mais a percepção de um trabalho solo e de uma despedida, ainda que involuntária, de um dos maiores músicos de todos os tempos.

Van Halen III é um álbum para ser redescoberto. No mínimo, é daqueles discos que precisam ser ouvidos para se chegar a uma conclusão, e não deixados de lado por causa de uma resenha negativa que você esbarrou pelo caminho. Não é o melhor momento do Van Halen, mas acredito que esse nunca tenha sido o objetivo. Porém, é um álbum com qualidades e com uma carga de emoção inegável, ainda mais após o falecimento de Edward Van Halen em outubro de 2020.

Ouça e forme a sua própria opinião.


Comentários

  1. Finalmente uma crítica realmente imparcial, coesa e que mostra as qualidades do disco.
    Sempre gostei dele e jamais comparei com as outras fases, acho uma pena Gary Cherone não ter mais uma chance com a banda, pois ele canta muito.
    O álbum sempre foi massacrado injustamente na minha opinião, é um disco mais denso mesmo, com ótimos momentos e soava promissor pra mim.
    Faz tempo que não ouço, vou conferir novamente.

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