L.A. Woman (1971): entre a tempestade e o blues, o testamento do The Doors


L.A. Woman
é o sexto e último álbum de estúdio do The Doors com Jim Morrison ainda vivo. Lançado em abril de 1971, três meses antes da morte do vocalista, é, ao mesmo tempo, um testamento da essência crua da banda e um retorno às suas raízes no blues, após incursões mais experimentais nos discos anteriores. Gravado em um período turbulento, com Morrison enfrentando problemas legais, desgaste criativo e uma iminente mudança para Paris (onde morreria no dia 3 de julho daquele mesmo ano), o álbum carrega um senso de urgência e despedida que o torna único e, para muitos fãs e críticos, uma das obras-primas do grupo.

Musicalmente, L.A. Woman marca uma guinada deliberada em direção ao blues-rock, evidenciado pela presença de guitarras mais sujas, grooves arrastados e letras que exalam uma visceralidade quase física. A ausência do produtor Paul A. Rothchild permitiu à banda gravar em seu próprio espaço, com a produção sendo assumida por Bruce Botnick e pelo próprio grupo. Isso resultou em um som mais cru, direto e orgânico, com menos overdubs e uma energia de performance ao vivo. Ray Manzarek (teclados) e Robby Krieger (guitarra) brilham ao longo do disco, oferecendo camadas ricas e emotivas. A adição do baixista Jerry Scheff (da banda de Elvis Presley) e do guitarrista rítmico Marc Benno traz coesão ao som, suprindo a ausência tradicional de um baixista fixo.

"The Changeling" abre o álbum com funk e garra, um manifesto de transformação e fuga, com Morrison praticamente anunciando sua saída: “I’m leaving town on the midnight train”. "Love Her Madly" é uma das faixas mais radiofônicas do disco, com uma melodia contagiante e clima descontraído, contrastando com a densidade emocional das outras canções. "L.A. Woman", a faixa-título, é um épico de quase 8 minutos que funciona como carta de amor e despedida à cidade de Los Angeles. Com sua batida pulsante e versos como “Mr. Mojo Risin’” (anagrama de Jim Morrison), a música se tornou um dos maiores clássicos da banda. E "Riders on the Storm" encerra o álbum em clima sombrio e hipnótico. A chuva ao fundo, o piano elétrico etéreo de Manzarek e a voz quase sussurrada de Morrison criam uma atmosfera cinematográfica, reflexiva, quase fantasmagórica. É também a última gravação vocal conhecida de Morrison com a banda.


As letras de L.A. Woman mesclam niilismo, erotismo e mitologia pessoal. Jim Morrison escreve como um poeta no fim da estrada: cínico, mas ainda buscando transcendência. O álbum não é apenas uma ode à cidade de Los Angeles, mas também à liberdade, ao caos, ao declínio e à redenção — temas que sempre marcaram o trabalho dos Doors, mas aqui aparecem com mais peso existencial.

L.A. Woman é muitas vezes citado como um retorno à forma e, para muitos, um dos melhores álbuns da banda. A produção mais despojada envelheceu bem, e o disco se destaca por sua coerência e energia bruta. Mais do que um epitáfio involuntário de Jim Morrison, L.A. Woman é uma afirmação artística poderosa, feita por uma banda que sabia exatamente quem era — mesmo à beira do fim.


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