Para que serve a crítica, no final das contas? Não sei porque, mas sinto que no momento da leitura deste texto, parcela considerável de meus nobres interlocutores estará a bradar um sonoro "PARA NADA!!!". Bom, certo é que haverão os mais moderados que calmamente opinarão "para separar o bom do ruim".
Bem, eu não discordo, mas ouvi dia desses que a crítica existe para separar o bom do ótimo, e tal definição fez mais sentido aos meus ouvidos. A pergunta do milhão é: quanto de ótimo existe por aí? Ora, o bacana, o razoável, o legalzinho abunda, mas quanto do que se tem por aí salta aos ouvidos, impressiona, se mostra diferente?
Outra questão não menos importante: estará a crítica cumprindo tal função de separar o realmente notável do meramente "aceitável"? Ou ainda mais: quando você, Artur, vai parar com esse falatório e começar a resenha? Opa, vamos a ela.
Angel Olsen foi uma das melhores surpresas que tive este ano. Lançou no mês de setembro seu terceiro álbum de estúdio, My Woman, arrancando elogios de veículos como o New York Times. Enquanto seus dois outros discos, também com boa cotação crítica, são calcados numa zona musical folk/indie rock, em seu novo álbum, produzido por ela mesma e Justin Raisen (que já trabalhou com Sky Ferreira e Charli XCX, dois dos melhores nomes do indie pop), Angel explora ambiciosa e despudoradamente uma amálgama sonora que vai do (bom) pop contemporâneo ao country rock ensolarado do sul da Califórnia.
Sua voz, um caso a parte, que se assemelha em timbre e extensão à da musa gótica Siouxsie do Siouxsie and The Banshees, só que menos grave, impõe um clima peculiar a cada uma das canções, conduzindo-as sempre por refrescantes e encantadores caminhos melódicos.
Para o público não familiarizado e até mesmo para os céticos e escarnecedores da cena indie, este disco poderá se revelar uma excelente oportunidade para uma mudança de conceitos. "Intern" dá início ao álbum de forma climática, usando com muito bom gosto sintetizadores oitentistas, o que já deixa claro desde o começo as aspirações de ruptura com o seu som costumeiro, visando a expansão de caminhos musicais. "Never Be Mine" traz as coisas para um campo mais próximo ao habitual da americana. Um ótimo folk rock adornado das mais carismáticas nuances pop. Nuances sob as quais ela tem espantoso domínio e que envolvem "Shut Up Kiss Me", um indie rock que se mescla com influências californianas soft rock.
"Give It Up" e "Not Gonna Kill You" confluem irresistíveis trunfos country rock e pop em duas canções que reúnem o melhor de dois mundos: áspero e melódico, retrô e moderno. "Heart Shaped Face" traz as coisas para dentro, com ecos psicodélicos e letra pungente. Inclusive, as letras são todas muito boas e tratam, segundo a própria compositora, da "bagunça que é ser mulher". O sensível, arguto e astuto olhar feminino discorrendo sobre o temas gastos como o amor e seus amantes e fazendo-os soar interessantes outra vez. Oh, céus!
"Sister" é, talvez, o mais bem acabado exemplo da habilidade de Ms. Olsen de convergir a tradição do passado numa perspectiva "para frente" em canções nunca pretensiosas e que sempre acrescentam ao estilo. "Those Were the Days" segue em semelhante toada introspectiva e "Woman", atmosférica e sustentada por sintetizadores e órgão, dá prosseguimento.
A despeito de explorar campos deliberadamente retrô, tudo soa fresco. O que encanta é a naturalidade com que ora alterna, ora converge atmosferas sonoras.
"Pops", a mais escancaradamente vintage do trabalho, por fim, encerra o conjunto da obra que é - rufem os tambores - ÓTIMO. Assim mesmo, em letras graúdas.
Acho que a crítica cumpriu sua tarefa aqui, até uma próxima!
Por Artur Barros
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.