Estou de volta da Califórnia, onde acompanhei o primeiro fim de semana do histórico festival Desert Trip, realizado no deserto de Indio, situado no Coachella Valley. Abaixo, conto como foi a experiência.
Sexta-feira, dia 7, 18h50. Com um calor seco beirando os 30 graus, Bob Dylan abre o festival. Sentado ao piano, enfileirou clássicos para um público visivelmente emocionado, ao contrário do cantor americano, que não fez nenhuma saudação aos quase 70 mil presentes. Logo no começo do show mandou "Rainy Day Women #12 & 35", "Don't Think Twice, It's Alright", e "Highway 61 Revisited".
A maioria cantava junto, mesmo que baixinho e aplaudia ao final de cada música, e Dylan sem mencionar nenhum boa noite.
O show continuou impecável, com uma banda afiadíssima. Bob Dylan alternou momentos entre o piano e a guitarra. No imenso telão, que ia de uma extremidade a outra do palco em formato côncavo, passavam imagens do começo da carreira do artista e de prédios e paisagens Nova York nos anos 1960 e 1970.
Após pouco mais de 90 minutos, o cantor encerrou a apresentação com "Masters of War" já no bis e saiu do palco, sem ainda se dirigir ao público, nem mesmo para um obrigado. Apesar da falta de carisma, tradicional nas apresentações do compositor, gênio e agora Prêmio Nobel de Literatura, seu show manteve um altíssimo nível do começo ao fim.
O relógio marcava 21h20 quando as luzes se apagaram e começou nos alto-falantes o batuque tradicional que introduziu o show que começaria a seguir: Ladies and Gentlemen, The Rolling Stones. Os ingleses abrem com "Start Me Up". A arena montada no deserto está absolutamente lotada e vai ao delírio com Jagger, Richards, Watts e Wood.
Na sequência vieram canções da fase anos 1990 como "You Got Me Rockin’" e "Out of Control”, seguida pela primeira surpresa da noite. Jagger fala sobre o disco de releituras de blues que será lançado no dia 2 de dezembro, e a banda manda "Ride 'Em On Down”, cover de Jimmy Reed que estará presente no novo album. O vocalista septuagenário, sempre exibindo um fôlego invejável para a sua avançada idade, anuncia então "Mixed Emotions”, que não era tocada pela banda desde a tour do álbum Steel Wheels (1989).
Em um determinado momento, o vocalista faz uma "gracinha" com a idade das bandas e pergunta se não era melhor chamar o festival de Dinosaur Park.
A segunda surpresa foi quando o grupo fez uma versão para "Come Together”, anunciada como uma canção de um grupo de que talvez vocês conheçam - com um certo tom de ironia, é claro.
Depois o que se viu e ouviu foi uma série de hits da fase 1960 e 1970 da banda, que completou 50 anos de atividade em 2012. Para o bis ficaram "You Can't Always Get What You Want" e "(I Can't Get No) Satisfaction".
No segundo dia de festival, sábado, o calor parecia ainda maior e os pequenos problemas como a fila na hora de pegar táxi ou Uber para deixar as dependências do festival foram todos resolvidos.
Após um atraso de quase 30 minutos, o show de Neil Young começa com o roqueiro canadense sozinho ao piano, em uma versão memorável de "After the Gold Rush". Na sequência, com o seu violão e gaita manda a emocionante "Heart of Gold".
Após algumas músicas sozinho no palco, Young passar a ser acompanhado, naquele que foi um dos shows mais rock and roll do festival, por sua excelente banda de apoio, chamada Promise of the Real. Banda essa liderada pelo filho de Willie Nelson, o guitarrista Lukas Nelson.
Saudando o público algumas vezes durante a apresentação intensa e enérgica que durou pouco mais de 1 hora e 40 minutos, Neil anuncia que tem 40 segundos para tocar "Rockin' in the Free World". Para a imensa alegria de uma plateia hipnotizada, ele não estava falando sério. Showzaço!
Pontualmente no horário previsto, as luzes se apagam. É a vez de Sir Paul McCartney entrar no palco e despejar seus hits, tanto de sua espetacular carreira solo quanto dos Beatles e dos Wings, banda que Paul montou com sua falecida esposa Linda após a dissolução do Fab Four.
Logo na abertura veio "A Hard Day's Night", mas o melhor momento foi quanto McCartney chamou Neil Young para o palco e executaram juntos a dobradinha "A Day in the Life / Give Peace a Chance" e "Why Don't We Do It in the Road", nunca antes tocada ao vivo.
Sempre falante e elegante, Paul lembra que na noite anterior os Stones tocaram "Come Together" e para retribuir ele e sua banda executam "I Wanna Be Your Man”, canção escrita por Lennon e McCartney e gravada pela banda de Mick Jagger no começo da carreira.
Chega o domingo. Terceiro e último dia do primeiro fim de semana do histórico festival, também apelidado de OldChella.
Exatamente no horário marcado para começar o show, surge no telão a mensagem "Keep Calm and Listen The Who”. Era o anúncio do que viria a seguir. Duas horas de um set list roqueiro, passando por quase todos os álbuns da também cinquentona banda inglesa, com destaque para os temas dos discos Tommy, Quadrophenia e Who's Next.
Destaque também para Zak Starkey, filho de Ringo Starr, arrebentando na bateria durante toda a apresentação ovacionado por todos no momento em que Pete Townshend apresentou os músicos.
Chega a hora do representante do Pink Floyd no line-up, que pode ser considerado como o mais clássico de todos os tempos reunido em um só evento.
Em quase 3 horas de show, Roger Waters, assim como fez o The Who, tocou canções de quase todos os álbuns que gravou com a banda que fundou no começo dos anos 1960. Grande destaque para “Fearless”, faixa lançada em 1971 no disco Meddle.
Em uma mega produção, utilizando de aparatos tecnológicos, imagens psicodélicas no mega telão, luzes coloridas refletidas formando o prisma da capa de The Dark Side of the Moon sob a pista, Roger Waters não poupou xingamentos e ofensas ao candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, inclusive em pixações no porco voador que marcou presença nos ares do Desert Trip.
A última canção foi "Comfortably Numb”, com o vocalista e guitarrista fazendo as partes de David Gilmour de cima do palco, como fazia o Floyd na tour de The Wall.
Apesar de os organizadores afirmarem que o festival foi único e não haverá uma segunda edição, já surgem rumores de conversas com Paul Simon, Steely Dan e Bruce Springsteen. Mas essa é uma outra história.
Por Jorge Simões, especial para a Collectors Room
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