A crítica de discos morreu?



Na sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970, uma pequena banda de Birmingham, na Inglaterra, lançou seu disco homônimo de estreia, Black Sabbath. Pouco tempo depois da chegada do álbum aos Estados Unidos, um crítico musical em ascensão, chamado Lester Bangs, sentou-se diante da máquina de escrever e foi batucando as teclas madrugada adentro, até ter diante de si cinco parágrafos a respeito do disco que seriam publicados na revista Rolling Stone. Das 575 palavras entregues por Bangs, nenhuma delas era positiva, e o texto era paulada do início ao fim. O frontman Ozzy Osbourne não leu a crítica. Todos os músicos dizem não ler as críticas, mas Osbourne, um disléxico, talvez seja o único a dizer isso de maneira verdadeira. Mas seus companheiros de banda certamente lhe contaram sobre o texto, citando expressões seletas como “baboseira”, “oco” e “burlesco”.

Bangs morreu doze anos depois, com apenas 33 anos, e ouvi gente dizendo que ele era um gênio com as palavras”, Osbourne escreveria mais tarde, na autobiografia de 2010, Eu Sou Ozzy. “Mas no que dizia respeito a nós, ele era só mais um babaca pretensioso”.

Bangs não foi o único a nutrir ódio pelo Black Sabbath. O álbum recebeu críticas violentas de todos os lados. Robert Christgau, escrevendo para o The Village Voice, caracterizou o disco como “necromancia pra boi dormir”. A resenha de um crítico da banda irritou de tal modo o guitarrista Tony Iommi que, ao se encontrar cara a cara com ele em um hotel de Glasgow, de acordo com Osbourne, Iommi “tomou impulso para dar um soco e quase acabou mandando o sujeito para o hospital”.

O tempo, é claro, mostrou que Bangs e seus pares estavam errados. O álbum de estreia do Black Sabbath desafiou o consenso crítico e chegou a vender milhões de cópias, e muitas vezes se atribui a ele o nascimento do heavy metal. A Rolling Stone até mesmo se penitenciou pelo erro anos depois, dando-lhe a 238ª posição na lista dos 500 Melhores Discos de Todos os Tempos.

Então por que as críticas negativas incomodaram o Black Sabbath ao ponto de Iommi nocautear um crítico com um soco na cara, e das palavras não terem sido esquecidas por Osbourne, mesmo quarenta anos depois? É simples. Em 1970 — uma época em que ainda não existia internet, MTV, e rádio via satélite — as resenhas eram uma fonte valiosa de informações para os fãs de música. As resenhas tinham o poder de formar opiniões. As resenhas tinham o poder de vender discos.

Bangs, porém, minimizaria o poder de que ele desfrutava enquanto crítico, dizendo em sua última entrevista: “Sejamos sinceros: se você pode ouvir uma música nas rádios, isso vai influenciar você a comprar o disco muito mais do que qualquer coisa que tenha lido. Ainda mais considerando o fato de que a maioria das pessoas já nem lê mais”. Ele estava na pista certa — o maior adversário de um crítico de música sempre foi a droga dos ouvidos das pessoas. Então por que confiar na palavra de algum esnobe seboso escondido atrás da própria reputação, quando seu cérebro é perfeitamente capaz de lhe informar se uma música tem ou não alguma qualidade? O que Bangs não sabia era que, décadas depois de sua morte, os ouvintes teriam acesso a todas as músicas, todos os discos e todas as notas musicais jamais gravadas, disponíveis ao clique de um botão.


Estamos vivendo em uma época que Bangs nunca pôde testemunhar. Há tantos serviços competindo para nos oferecer streaming de música — Spotify, Pandora, YouTube, Apple Music, Tidal, Google Play, Amazon Prime, Rhapsody, 8tracks, Soundcloud e Bandcamp, para mencionar apenas alguns (e isso deixando de fora o mercado de downloads ilegais) — que para ouvir tudo seriam precisos centenas de milhares de anos. Então, com cada novo disco disponível ao clique de um mouse de maneira totalmente gratuita no mesmo instante em que ele é lançado, para que você mesmo forme uma opinião sobre o álbum, é preciso fazer a pergunta: nós ainda precisamos das críticas?

As críticas de discos eram uma peça essencial do quebra-cabeça na época em que a mídia impressa reinava — parte de se conseguir chamar atenção para um artista, junto com o boca a boca, ser tocado no rádio e aparecer em vídeo”, me diz Pam Nashel Leto, relações públicas da Girlie Action. Leto vem trabalhando como relações públicas no ramo da música desde 1998 e já promoveu artistas como Elliott Smith, Spiritualized e The White Stripes. “Antigamente, as críticas de discos tinham muito peso. Uma crítica positiva em publicações como SPIN, Rolling Stone, The Source, Magnet ou The New York Times bastava para deixar os leitores curiosos, o suficiente para eles irem comprar o álbum em uma loja de discos de verdade ou ver o artista ao vivo, às vezes sem nunca ter ouvido uma única faixa do disco”.

Nos anos que transcorreram desde que a mídia impressa perdeu seu lugar de destaque, relações públicas como Leto foram buscar cobertura de música em outros cantos, ou seja, na internet. Embora a ascensão da internet talvez tenha praticamente assassinado a crítica impressa — ou, no mínimo, relegado a crítica à última página das poucas publicações impressas que ainda restam — ela também proporcionou o nascimento de um novo tipo de crítico: o blogueiro.

Durante os primeiros anos da década de 2000, na medida em que os jornais e revistas relutantemente passavam para versões online de si mesmos, as resenhas e a cobertura de música ainda operavam seguindo um modelo bastante web 1.0. Os sites existiam como objetos estáticos, o poder ainda era centralizado, e ainda existiam os guardiões, aqueles que tinham acesso aos discos e aos press releases antes do grande público. Em geral, os leitores não produziam discurso, a menos que quisessem mergulhar na lixeira das seções de comentários.

Gradualmente, com o crescimento da popularidade dos blogs, as pessoas normais aproveitaram a oportunidade de tomar para si o poder da crítica, outrora exercido exclusivamente por publicações tradicionais. Webzines como Pitchfork e Buddyhead, ambas criadas por indivíduos em suas próprias casas no final dos anos 1990, ganharam prestígio por conta de suas análises críticas subjetivas, inexperientes e sem filtros das músicas, arrebanhando públicos que rivalizavam com os de veículos financiados por corporações, como Rolling Stone e SPIN. Eles eram os novos substitutos do velho mundo do jornalismo de música, que requeria editores, copidesques e escritórios de tijolo e argamassa. Ao contrário dos zines impressos de circulação limitada, esses sites tinham o potencial de alcançar o mundo inteiro. Agora tudo estava em condições de igualdade, e a crítica musical, de repente, podia ser feita por qualquer blogueiro enfurnado em qualquer quarto que tivesse uma conexão com a internet.


Alguns desses blogs se oficializaram no decorrer da década seguinte — o caso mais notável sendo o da Pitchfork, que foi adquirida no ano passado pela gigante Condé Nast. Mas até mesmo a Pitchfork, que por uma década deteve o padrão de ouro das críticas de discos, agora está perdendo terreno para opiniões em tempo real emitidas pelas massas por meio de serviços de mídia social como o Twitter.

O paradigma crítico da Pitchfork, em que você é colocado na categoria Best New Music e de repente a sua carreira toma impulso, acho que agora está meio que morto”, diz Ian Cohen, que vem escrevendo críticas de discos para a Pitchfork desde 2007. Cohen cita bandas do boom do indie rock de meados da década de 2000, que se beneficiaram do toque de midas que equivalia a ter uma crítica entusiástica na Pitchfork. Nomes como Broken Social Scene, Arcade Fire e Clap Your Hands Say Yeah, todas foram agraciadas com o cobiçado selo de Best New Music do site entre 2004 e 2005 e viram o tamanho de seus públicos e a quantidade das vendas de discos crescerem logo depois, um sucesso que talvez possa ser atribuído diretamente à avaliação da Pitchfork. Havia uma relação de benefícios mútuos entre o site e os artistas. A Pitchfork dava destaque a um grupo seleto de artistas, que adentravam em carreiras sólidas e, em compensação, a Pitchfork aparentava ser sábia e estar por dentro das coisas, e podia reinar como criadora dos gostos na música cool. Mas, com as conversas culturais sobre música agora acontecendo online, a uma velocidade cada vez mais arrasadora, essa dinâmica está mudando.

Ouvi dizerem recentemente que a nova Pitchfork é gente jovem conversando no Twitter”, diz Cohen. “Se houvesse um novo Arcade Fire, se houvesse um novo Broken Social Scene, se houvesse um novo Clap Your Hands Say Yeah, eles seriam reconhecidos antes que a Pitchfork tivesse tempo de escrever alguma coisa sobre o assunto”. Não é mais possível atribuir a uma resenha na Pitchfork ou em qualquer outro site a condição de paciente zero do sucesso de um artista.

Meaghan Garvey, que também resenhou discos para a Pitchfork enquanto fazia parte da redação, concorda. “Por mais que seja brega o termo ‘criador de gostos’, não acho que sejam os críticos ou escritores os criadores de gostos hoje em dia. As pessoas no Twitter e no Instagram é que estão fazendo isso”, diz ela. “Você pode ouvir um terço de um disco no mesmo tempo que leva para ler uma resenha sobre ele. E nem é que os escritores têm insights grandiosos ou um pensamento de vanguarda, ou capacidades que ultrapassam fronteiras. Eles provavelmente estão correndo atrás de alguém no Twitter que tem 18 anos e um zilhão de seguidores, e que é mais cool do que eles”.


Aqueles que procuram se destacar como “criadores de gostos” tiveram de adotar novas estratégias para se fazer ouvir. Anthony Fantano avançou muito pouco durante os dois anos em que comandou um blog de música e um podcast afiliado da National Public Radio (NPR), por exemplo. Ele estava tendo dificuldades em chamar atenção, perdido no monte interminável de aspirantes a críticos. Pouco antes de passar a régua na própria carreira no jornalismo musical, ele tentou uma última coisa. Armou uma câmera digital na sala de estar, a posicionou extraordinariamente perto do próprio rosto, e começou a resenhar discos na forma de vídeos, dizendo as opiniões que lhe ocorriam na hora. Agora, com mais de 1,8 milhões de assinantes em seu canal do YouTube, The Needle Drop, ele é uma das vozes mais influentes da crítica musical moderna.

A internet essencialmente democratizou a indústria da música em termos do que é popular e democratizou a indústria do jornalismo de música também”, diz Fantano. “Qualquer pessoa pode publicar o que achou de um disco para o mundo. Acho que o mundo de resenhas e opiniões hoje em dia é em grande parte uma meritocracia”.

Embora a crítica musical talvez tenha se tornado mais uma operação individualizada, a desvantagem é que, com tantas vozes gritando loucamente por atenção, ela se tornou um verdadeiro lixão de opiniões amadoras e discurso tóxico. A chegada de uma nova geração de clickjockeys, que trabalham por nada ou muito pouco, geradores de revoltas e cagando opinião online correndo uns contra os outros para chegar primeiro com uma tirada fumegante, é por muitos vista como um fator que contribuiu para a morte do crítico profissional, e que reduziu o feedback coletivo da arte para um consenso do tipo passou/bombou, clássico ou lixo.

A sensação é de que a atual função das resenhas está embrulhada nesse ciclo de conteúdo”, diz Garvey, “onde as pessoas que mais respondem às críticas de música são outros críticos, para ou puxar o saco do escritor ou ser condescendente com ele, ou para tagarelar mesmo, porque estão no Twitter e entediados. Vira uma coisa super circular em que você tem uma resenha de disco, e um artigo de opinião sobre a resenha de disco, e aí um período de 48 horas no Twitter das pessoas falando no assunto. A sensação é de que a coisa não chega às pessoas certas”.


Para um exemplo recente de como o buraco negro do jornalismo de música se tornou enlouquecedoramente alienado, veja a história da banda Wet, do Brooklyn, em Nova York. A Pitchfork publicou uma resenha da estreia do Wet por uma grande gravadora, Don't You, em 2016. A resenha foi cruel, dando ao disco uma pobre nota de 4.0, e tirou sarro da noção de que a banda seja uma criação de laboratório da indústria, alimentada por shows, playlists na BBC 1 e vídeos no perfil de Instagram da Khloe Kardashian. Logo depois da publicação do texto, dois editores do site Genius publicaram uma resenha da resenha da Pitchfork na forma de notas, desafiando os argumentos da resenha original e discutindo em nome do Wet, não fazendo muito para combater a teoria conspiratória de que o Wet é, na verdade, uma planta criada em laboratório pela indústria. Espere, não acabou ainda. Aí, depois que saiu a resenha da resenha, e os escritores especializados em música começaram a debater no Twitter, como manda o figurino, a Jezebel soltou um post recapitulando o drama que a situação criara. É difícil acreditar que alguém que simplesmente ouve música por gosto e só quer ficar sabendo das bandas novas se interessaria por essa conversa a ponto de segui-la até o fim, especialmente depois de o assunto deixar de ser sobre o som do disco. Mas espere! Antes de fazermos o caminho de volta por todas as camadas desse inception do jornalismo de internet, é preciso mencionar que a história toda está sendo recapitulada nesse artigo que você está lendo neste momento sobre crítica de música. E talvez alguém escreva uma resposta a esse artigo também. O ciclo de vida do conteúdo.

Não surpreende que a crítica negativa que fizeram ao Wet tenha jogado a internet numa espiral descendente até o ponto da guerra com pedaços de cocô. Críticas abertamente negativas a discos estão se tornando casos cada vez mais raros. O Metacritic, um site que agrega as muitas críticas recebidas por discos, filmes e jogos, classifica o feedback geral da imprensa numa escala de cores. Verde = resenhas na sua maioria positivas, com um placar cumulativo de 61% ou mais. Amarelo = medíocre, com 41% ou mais. E vermelho = ruim, com menos de 40%. Entre os anos de 2013 e 2015, nem um único disco chegou a entrar no vermelho. Todos os discos lançados naquele período de três anos chegaram a uma média boa ou mista de reação dos críticos. Seria preciso voltar a 2012 para encontrar o único disco que ficou na zona vermelha: Fortune, do Chris Brown, cuja avaliação negativa baseou-se não tanto no calibre da música, e mais no fato de as resenhas criticarem a pessoa de Brown por seu passado criminoso e por agredir sua ex-namorada, Rihanna. Para recapitular, a menos que um músico esteja se dedicando ativamente a agredir outro músico, ele com certeza receberá críticas pelo menos mornas.

Em comparação, no mundo dos filmes, um meio no qual as datas de lançamento ainda têm um forte elo com as vendas — do tipo que exige que as pessoas saiam de suas casas e abram suas carteiras – os padrões do exame crítico ainda são muito mais exigentes. No mesmo período entre 2012 e 2015 em que nenhum disco passou da zona intermediária para a vermelha no Metacritic, 17,75% dos filmes ficaram no vermelho, num total de 436 filmes (um dos quais sendo A Batalha do Ano, um filme de breakdance estrelado por Chris Brown).

Então: por que as críticas de discos passaram a pegar tão leve? Um argumento é o de que, no estado atual do jornalismo de música, que precisa chamar os cliques do mouse e depende dos anúncios, as publicações online estão demasiado endividadas com os artistas. Um compartilhamento de um artigo sobre Five Seconds of Summer na página oficial do grupo no Facebook, que ostenta mais de dez milhões de fãs, por exemplo, pode trazer uma quantidade gigantesca de tráfego para um site. Não importa se a qualidade da escrita é nula ou insípida (e, putz, a coisa às vezes não é bonita), um compartilhamento ou um retuíte da banda vai mandar seus fãs enlouquecidos aos milhares para o site, incrementando o tráfego mensal, coisa que interessa aos anunciantes. Então é do interesse do site tender para o positivo em sua cobertura, em especial quando se trata dos artistas mais famosos.

Isso, em parte, foi responsável pelo ressurgimento do poptimismo — os críticos fazendo trenzinho atrás dos vencedores da música, em vez de colocarem o deles na reta, defendendo os obscuros de qualidade da música. Assim, artistas como Katy Perry e Taylor Swift dominam o ciclo diário de conteúdo sobre música, desde extensos artigos de opinião sobre seu impacto cultural até artigos-listas sobre os gatos que aparecem em seus respectivos Instagrams, e queridinhos das adolescentes como Justin Bieber conseguem o primeiro lugar em listas de melhores músicas do ano de importantes sites de música. Quaisquer vozes dissidentes que se expressem a respeito desses artistas intocáveis são vaiadas na internet, sendo classificadas de trolagem, apelação pra ganhar cliques, ou simples babaquice. Saul Austerlitz demoliu de maneira bastante épica o efeito do poptimismo sobre a cultura da internet, escrevendo no New York Times que “o poptimismo adota aquilo que é familiar, para assim manter a relevância da crítica musical. A cultura dos cliques fáceis cria um sistema fechado no qual os artistas mais populares recebem mais cobertura, deste modo se tornando mais populares, deste modo recebendo ainda mais cobertura da imprensa. Mas a crítica, idealmente, deve ocasionalmente desafiar os leitores, e não se restringir a fornecer selos de 'aprovado'”.

Para além das recompensas do tráfego online, contudo, os sites têm outros motivos para manter suas relações com os artistas em termos amigáveis. Os sites e as empresas suas soberanas sempre necessitarão de favores — de artistas que se apresentem em seus eventos no SXSW, ou que apresentem suas cerimônias de premiação, ou de selos que comprem anúncios pop-up, ou de agentes que ajudem a concretizar aquela grande entrevista exclusiva depois que o artista inevitavelmente chega ao fundo do poço após ser flagrado dirigindo bêbado em um drive-thru pelo TMZ. A separação entre igreja e estado muitas vezes perde a nitidez nesses acordos de bastidores.

Muitos sites se afastaram de vez das resenhas. Quando Ben Westhoff virou o editor de música do LA Weekly em 2011, uma de suas primeiras providências foi cancelar em grande medida a publicação de resenhas de discos. “Praticamente ninguém estava lendo”, diz Westhoff. “A outra questão é que é muito difícil descrever música em palavras. Eu poderia gastar parágrafos inteiros descrevendo um som, e isso nem se compararia a passar ainda que fossem uns poucos momentos ouvindo a música propriamente dita”.


As estreias então passaram a dominar a cobertura dos novos lançamentos. Nas semanas que antecedem o lançamento de um disco, o artista promove o álbum aos poucos, na forma de estreias das primeiras faixas, segundas faixas, clipes, vídeos com as letras, terceiras faixas, revelação da arte de carpa, quartas faixas, e assim por diante. As estreias não contam com a profundidade crítica das resenhas, contudo. A maioria delas se foca mais na biografia do artista e, dependendo do site, conta com um texto de não mais que duas frases, onde se enfia uma citação do artista fornecida pelo agente, e manda os leitores para um link de pré-venda.

Há um certo comércio que vem junto com as estreias. O agente do artista concorda em mandar o público desse artista para um site e, em troca, há um acordo implícito de que o texto do site tenderá para o lado positivo. Para se ter uma ideia geral de quantas estreias são propostas aos grandes sites todos os dias, acabei de buscar a palavra “estreia” na minha caixa de entrada e meu computador entrou em combustão espontânea, e aí recebi um novo e-mail, perguntando se eu não topava fazer a estreia de um GIF da combustão.

Os artistas consagrados que contam com públicos fiéis estão, porém, tomando consciência do fato de que eles detêm o poder no comércio das estreias, e que esse talvez não continue a ser um modelo sustentável por muito tempo. Artistas de calibre mega como Beyoncé podem tranquilamente soltar um disco surpresa às três horas da madrugada da noite de Natal, e ainda assim todos os blogueiros de música vão sair atropelando os próprios gatos (no plural mesmo) para conseguir comentar a notícia primeiro. Mas até mesmo as bandas de médio porte estão conseguindo sucesso sendo porta-vozes de si mesmas. A banda Say Anything, por exemplo, lançou um disco surpresa, I Don't Think It Is, da noite para o dia, o anunciando e disponibilizando para streaming no próprio site para evitar o seu desmantelamento faixa por faixa. “Em termos de som, é esquisito, e funciona melhor como um todo”, me diz o frontman Max Bemis sobre o álbum. “Ouvi-lo em pedaços ferra com as expectativas que as pessoas têm em relação ao próprio disco. Algumas pessoas podem rejeitar um trabalho se não gostam da primeira faixa”.

A crítica de música talvez esteja pendendo mais para o lado positivo não só para aplacar os artistas, mas para evitar a sua ira. Com os artistas se tornando mais pessoalmente ativos nas mídias sociais, alguns se tornaram propensos a usá-las para combater o que sai de ruim sobre eles na imprensa. Como Cohen, Garvey, Fantano ou qualquer escritor que ainda dê valor à honestidade em suas análises críticas pode confirmar, não é tão incomum que um artista desdenhado por uma crítica negativa vá ao Twitter ou ao Facebook para exprimir seu desagrado, e às vezes chegando até a mencionar o nome do crítico. E sim, os artistas, com certeza, lêem as resenhas.

Acho que os artistas talvez sejam os únicos que lêem as críticas”, brinca Brian Fallon, frontman da banda The Gaslight Anthem. “Os artistas e seus companheiros nas gravadoras e agentes e empresários, eles lêem as resenhas. A coisa está mudando. Nas turnês, eu costumava topar com garotos que vinham com revistas nas mãos, pedindo autógrafos. Faz anos que já não vejo isso”.

O disco mais recente de Fallon, Get Hurt, foi destruído por Ian Cohen na Pitchfork, e embora Fallon tenha preferido não expressar seu ressentimento, ele certamente se sentiu incomodado com a resposta negativa, como acontece com muitos artistas, e chega perto de conseguir citar textualmente a resenha, de cor. “Não lembro de nada das críticas positivas. Acho que essa é simplesmente a tendência das pessoas que têm tendências artísticas e que também são quase doentiamente cientes da própria imagem”, diz Fallon. “Você pode ter uma sala inteira cheia de gente feliz, e a única pessoa que manda um “você é horrível, cara!”, essa é a pessoa que você vai ouvir.

Nem todos os artistas, porém, ficam de bico calado como Fallon. Andrew Falkous, frontman da banda Future of the Left, por exemplo, também foi malhado por Cohen na Pitchfork, pelo seu lançamento, em 2012, The Plot Against Common Sense, e escreveu um texto respondendo à crítica linha por linha em seu blog, que foi … bom, digamos apenas que a expressão “imbecil escroto” foi utilizada. “O fato é que aquela resenha saiu sete ou oito dias antes de qualquer outra resenha do disco”, Falkous explicou certa vez em uma entrevista que concedeu a mim. “E mesmo pessoas intelectualmente livres ainda se deixam influenciar facilmente por críticas e por unanimidades. Há uma narrativa que muitas vezes se constrói e às vezes aquelas primeiras palavras podem acabar influenciando a opinião das pessoas. Então achei que seria importante entrar em campo e mandar um 'foda-se' rápido e desdenhoso”.


A coisa não se restringe ao rock. Rappers também entraram em conflito com os críticos. Wale chegou a telefonar para a Complex fazendo ameaças depois que seu lançamento The Gifted não foi incluído na lista de 50 Melhores Discos de 2013 da publicação e, no ano passado, Talib Kweli criticou a crítica que a Pitchfork fez de seu disco, Indie 500,no Medium (a nota dele foi 3,6).

Alguns artistas acham que quando reagem à Pitchfork ou à SPIN ou seja lá quem for, que saíram vencedores só porque fizeram isso, que eles estão no controle daquela conversa”, diz Cohen. Mas embora o artista possa achar que está vencendo quando toma para si, em público, a última palavra em relação aos críticos, também se poderia argumentar que eles estão diluindo a própria arte. Ao criar um escândalo em torno do próprio disco, algo que é clicável e tem chance de viralizar, eles estão tirando o foco da conversa de cima da qualidade de seus discos. Daqui a cinco anos, quando os fãs de rap pensarem no disco de Wale, qual é a chance de se lembrarem da música e não das piadas e dos memes criados sobre o telefonema em que ele fez ameaças?

Não é preciso blogar um texto de 1.600 palavras para realizar uma refutação eficiente, contudo. Com o simples uso de uma @ em um tuíte, um artista pode foder toda uma semana da vida do crítico, transformando seus milhares de fãs em armas que atacarão o agressor. Às vezes é algo inócuo e inofensivo, e pode até mesmo estimular um diálogo público. Quando isso é direcionado a resenhistas mulheres, a coisa pode ficar especialmente feia. Depois que a escritora Lynn Hirschberg escreveu sobre M.I.A. na The New York Times Magazine em 2010, a artista inglesa reagiu tuitando o número de telefone de Hirschberg, estimulando os fãs a ligar para ela e deixar mensagens, um ato que Hirschberg mais tarde classificou como “exasperante, mas não surpreendente”.

Então talvez o motivo das resenhas de música terem se tornado menos negativas seja que os críticos simplesmente não querem passar uma tarde gostosa sendo intimidados na internet por um bando de avatares de ovo por apontar quando um artista solta um disco merda. Garvey menciona um exemplo em que sua crítica morna do disco de Future Brown gerou respostas no Twitter e no Facebook. “Eles estavam desencavando paradas sobre a minha vida pessoal, e a coisa ficou bem mesquinha e infantil”. Mas também, observa ela, “talvez seja legal que os críticos de vez em quando tomem um choque para serem lembrados do equilíbrio de poderes”.

Enquanto artistas e críticos brincam nesse jogo de toma lá dá cá na internet, sujando a integridade da crítica musical honesta por meio de táticas mesquinhas de intimidação, os ouvintes de música — que deveriam ser o público-alvo das resenhas — muitas vezes são pegos no meio do tiroteio, como filhos de pais divorciados. Resenhas de discos certamente ainda importam para os artistas, escritores e agentes, já que são eles que lidam com esses textos todos os dias, mas será que o ouvinte médio ainda está prestando atenção? De acordo com Andy Larsen, gerente de marketing da loja de discos Rough Trade, em Nova York, a resposta é: sim e não.

Do ponto de vista da loja, é verdade que vemos as vendas de um disco subir quando ele é classificado como Best New Music ou recebe nota alta no Pitchfork”, diz ela. “Os clientes com certeza procuram e perguntam à loja pelos discos que receberam críticas positivas”. Mas, por outro lado, algumas vendas são à prova de críticas. “Alguns artistas estão além das resenhas. Não importa se eles recebem uma crítica positiva ou negativa em um blog ou numa revista. Se eles têm um público fiel, a pior das críticas não consegue afetá-los”.

Então a palavra escrita talvez ainda retenha algum poder de venda, e talvez seja prematuro declarar a morte da crítica de discos. Mas ela está certamente pendendo diante de uma cova cheia de disquetes do AOL, carteirinhas da Blockbuster e CDs do Hot Hot Heat. A resenha, muito como a própria música, corre o risco de se tornar uma forma de arte diluída pelas descaradas concessões da internet ao seu mínimo denominador comum.

Mas talvez as pessoas nunca tenham esperado outra coisa da crítica — e queiram simplesmente ouvir o que já sabem, obter uma confirmação de opiniões que elas já têm há muito tempo, e ler palavras positivas sobre coisas de que elas gostam, concordando alegremente com a cabeça, sem serem desafiadas. Sempre haverá música boa por aí, mas graças a essa democratização (e diluição) da crítica tradicional de música e de seu velho e empenado cavalo de guerra - a resenha de discos -, você, o ouvinte, está por sua própria conta, abandonado à mercê das suas próprias opiniões. Afinal, se o Lester Bangs podia, você também pode.



Comentários

  1. Engraçado esse texto porque me fez lembrar das revistas de guitarra, cujo maior expoente nacional, assinei por anos. Falando especificamente sobre os testes de equipamentos. Havia um lançamento de um pedal, guitarra (mas poderia ser um amp, uma guitarra, etc), o que quer que fosse e meses após seu lançamento no mercado, vinha um teste. Muitas vezes eram matérias da revista americana e o produto nem havia chegado ou jamais chegaria ao Brasil. O teste era feito por um dos colunistas que, obviamente, tinha seu viés como pessoa, seus gostoso por determinados estilos, equipamentos, etc. Daí já começavam as distorções do tal teste. Comparações com inúmeros equipamentos clássicos (o que já dava a primeira "balizada" no equipamento teste), citava heróis ou expoentes da guitarra que o usavam e nisso iam deixando de falar sobre a sonoridade do tal pedal, guitarra, amp ou o que quer que fosse. Daí veio a popularização do YouTube, o que matou de vez os tais testes. Músicos profissionais (coisas bem tocadas no vídeos), ótima sonoridade, equipamentos de ponta, cenários muito legais... Hoje você vê o equipamento, ouve seu som, ouve em diversas situações, com diferentes combinações de setup... Simplesmente incrível! Isso quando não é seu herói da guitarra tocando o equipamento!!! Hoje você pode decidir com muito mais lucidez sobre o que comprar e, principalmente, se determinado equipamento serve ao que alguém procura. Uma crítica no local errado: os fabricantes nacionais ainda não entenderam nada sobre qualidade de músicos, imagem, cenários, enfim, fazer reviews com qualidade. Os vídeos são primitivos nos testes nacionais e são amadores perto dos gringos.

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