Na
sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970, uma pequena banda de Birmingham, na
Inglaterra, lançou seu disco homônimo de estreia, Black Sabbath. Pouco tempo
depois da chegada do álbum aos Estados Unidos, um crítico musical em ascensão,
chamado Lester Bangs, sentou-se diante da máquina de escrever e foi batucando
as teclas madrugada adentro, até ter diante de si cinco parágrafos a respeito
do disco que seriam publicados na revista Rolling Stone. Das 575 palavras entregues
por Bangs, nenhuma delas era positiva, e o texto era paulada do início ao fim.
O frontman Ozzy Osbourne não leu a crítica. Todos os músicos dizem não ler as
críticas, mas Osbourne, um disléxico, talvez seja o único a dizer isso de
maneira verdadeira. Mas seus companheiros de banda certamente lhe contaram
sobre o texto, citando expressões seletas como “baboseira”, “oco” e “burlesco”.
“Bangs
morreu doze anos depois, com apenas 33 anos, e ouvi gente dizendo que ele era
um gênio com as palavras”, Osbourne escreveria mais tarde, na autobiografia de
2010, Eu Sou Ozzy. “Mas no que dizia respeito a nós, ele era só mais um babaca
pretensioso”.
Bangs não
foi o único a nutrir ódio pelo Black Sabbath. O álbum recebeu críticas
violentas de todos os lados. Robert Christgau, escrevendo para o The Village
Voice, caracterizou o disco como “necromancia pra boi dormir”. A resenha de um
crítico da banda irritou de tal modo o guitarrista Tony Iommi que, ao se
encontrar cara a cara com ele em um hotel de Glasgow, de acordo com Osbourne,
Iommi “tomou impulso para dar um soco e quase acabou mandando o sujeito para o
hospital”.
O tempo, é
claro, mostrou que Bangs e seus pares estavam errados. O álbum de estreia do
Black Sabbath desafiou o consenso crítico e chegou a vender milhões de cópias,
e muitas vezes se atribui a ele o nascimento do heavy metal. A Rolling Stone
até mesmo se penitenciou pelo erro anos depois, dando-lhe a 238ª posição na
lista dos 500 Melhores Discos de Todos os Tempos.
Então por
que as críticas negativas incomodaram o Black Sabbath ao ponto de Iommi
nocautear um crítico com um soco na cara, e das palavras não terem sido
esquecidas por Osbourne, mesmo quarenta anos depois? É simples. Em 1970 — uma
época em que ainda não existia internet, MTV, e rádio via satélite — as
resenhas eram uma fonte valiosa de informações para os fãs de música. As
resenhas tinham o poder de formar opiniões. As resenhas tinham o poder de
vender discos.
Bangs,
porém, minimizaria o poder de que ele desfrutava enquanto crítico, dizendo em
sua última entrevista: “Sejamos sinceros: se você pode ouvir uma música nas
rádios, isso vai influenciar você a comprar o disco muito mais do que qualquer
coisa que tenha lido. Ainda mais considerando o fato de que a maioria das
pessoas já nem lê mais”. Ele estava na pista certa — o maior adversário de um
crítico de música sempre foi a droga dos ouvidos das pessoas. Então por que
confiar na palavra de algum esnobe seboso escondido atrás da própria reputação,
quando seu cérebro é perfeitamente capaz de lhe informar se uma música tem ou
não alguma qualidade? O que Bangs não sabia era que, décadas depois de sua
morte, os ouvintes teriam acesso a todas as músicas, todos os discos e todas as
notas musicais jamais gravadas, disponíveis ao clique de um botão.
Estamos
vivendo em uma época que Bangs nunca pôde testemunhar. Há tantos serviços
competindo para nos oferecer streaming de música — Spotify, Pandora, YouTube,
Apple Music, Tidal, Google Play, Amazon Prime, Rhapsody, 8tracks, Soundcloud e
Bandcamp, para mencionar apenas alguns (e isso deixando de fora o mercado de
downloads ilegais) — que para ouvir tudo seriam precisos centenas de milhares
de anos. Então, com cada novo disco disponível ao clique de um mouse de maneira
totalmente gratuita no mesmo instante em que ele é lançado, para que você mesmo
forme uma opinião sobre o álbum, é preciso fazer a pergunta: nós ainda
precisamos das críticas?
“As
críticas de discos eram uma peça essencial do quebra-cabeça na época em que a
mídia impressa reinava — parte de se conseguir chamar atenção para um artista,
junto com o boca a boca, ser tocado no rádio e aparecer em vídeo”, me diz Pam
Nashel Leto, relações públicas da Girlie Action. Leto vem trabalhando como
relações públicas no ramo da música desde 1998 e já promoveu artistas como
Elliott Smith, Spiritualized e The White Stripes. “Antigamente, as críticas de
discos tinham muito peso. Uma crítica positiva em publicações como SPIN,
Rolling Stone, The Source, Magnet ou The New York Times bastava para deixar os
leitores curiosos, o suficiente para eles irem comprar o álbum em uma loja de
discos de verdade ou ver o artista ao vivo, às vezes sem nunca ter ouvido uma
única faixa do disco”.
Nos anos
que transcorreram desde que a mídia impressa perdeu seu lugar de destaque,
relações públicas como Leto foram buscar cobertura de música em outros cantos,
ou seja, na internet. Embora a ascensão da internet talvez tenha praticamente
assassinado a crítica impressa — ou, no mínimo, relegado a crítica à última
página das poucas publicações impressas que ainda restam — ela também
proporcionou o nascimento de um novo tipo de crítico: o blogueiro.
Durante os
primeiros anos da década de 2000, na medida em que os jornais e revistas
relutantemente passavam para versões online de si mesmos, as resenhas e a
cobertura de música ainda operavam seguindo um modelo bastante web 1.0. Os
sites existiam como objetos estáticos, o poder ainda era centralizado, e ainda
existiam os guardiões, aqueles que tinham acesso aos discos e aos press
releases antes do grande público. Em geral, os leitores não produziam discurso,
a menos que quisessem mergulhar na lixeira das seções de comentários.
Gradualmente,
com o crescimento da popularidade dos blogs, as pessoas normais aproveitaram a
oportunidade de tomar para si o poder da crítica, outrora exercido
exclusivamente por publicações tradicionais. Webzines como Pitchfork e
Buddyhead, ambas criadas por indivíduos em suas próprias casas no final dos
anos 1990, ganharam prestígio por conta de suas análises críticas subjetivas,
inexperientes e sem filtros das músicas, arrebanhando públicos que rivalizavam
com os de veículos financiados por corporações, como Rolling Stone e SPIN. Eles
eram os novos substitutos do velho mundo do jornalismo de música, que requeria
editores, copidesques e escritórios de tijolo e argamassa. Ao contrário dos
zines impressos de circulação limitada, esses sites tinham o potencial de
alcançar o mundo inteiro. Agora tudo estava em condições de igualdade, e a
crítica musical, de repente, podia ser feita por qualquer blogueiro enfurnado
em qualquer quarto que tivesse uma conexão com a internet.
Alguns
desses blogs se oficializaram no decorrer da década seguinte — o caso mais
notável sendo o da Pitchfork, que foi adquirida no ano passado pela gigante
Condé Nast. Mas até mesmo a Pitchfork, que por uma década deteve o padrão de
ouro das críticas de discos, agora está perdendo terreno para opiniões em tempo
real emitidas pelas massas por meio de serviços de mídia social como o Twitter.
“O
paradigma crítico da Pitchfork, em que você é colocado na categoria Best New
Music e de repente a sua carreira toma impulso, acho que agora está meio que
morto”, diz Ian Cohen, que vem escrevendo críticas de discos para a Pitchfork
desde 2007. Cohen cita bandas do boom do indie rock de meados da década de
2000, que se beneficiaram do toque de midas que equivalia a ter uma crítica
entusiástica na Pitchfork. Nomes como Broken Social Scene, Arcade Fire e Clap
Your Hands Say Yeah, todas foram agraciadas com o cobiçado selo de Best New
Music do site entre 2004 e 2005 e viram o tamanho de seus públicos e a
quantidade das vendas de discos crescerem logo depois, um sucesso que talvez
possa ser atribuído diretamente à avaliação da Pitchfork. Havia uma relação de
benefícios mútuos entre o site e os artistas. A Pitchfork dava destaque a um
grupo seleto de artistas, que adentravam em carreiras sólidas e, em
compensação, a Pitchfork aparentava ser sábia e estar por dentro das coisas, e
podia reinar como criadora dos gostos na música cool. Mas, com as conversas culturais
sobre música agora acontecendo online, a uma velocidade cada vez mais
arrasadora, essa dinâmica está mudando.
“Ouvi
dizerem recentemente que a nova Pitchfork é gente jovem conversando no
Twitter”, diz Cohen. “Se houvesse um novo Arcade Fire, se houvesse um novo
Broken Social Scene, se houvesse um novo Clap Your Hands Say Yeah, eles seriam
reconhecidos antes que a Pitchfork tivesse tempo de escrever alguma coisa sobre
o assunto”. Não é mais possível atribuir a uma resenha na Pitchfork ou em
qualquer outro site a condição de paciente zero do sucesso de um artista.
Meaghan
Garvey, que também resenhou discos para a Pitchfork enquanto fazia parte da
redação, concorda. “Por mais que seja brega o termo ‘criador de gostos’, não
acho que sejam os críticos ou escritores os criadores de gostos hoje em dia. As
pessoas no Twitter e no Instagram é que estão fazendo isso”, diz ela. “Você
pode ouvir um terço de um disco no mesmo tempo que leva para ler uma resenha
sobre ele. E nem é que os escritores têm insights grandiosos ou um pensamento
de vanguarda, ou capacidades que ultrapassam fronteiras. Eles provavelmente
estão correndo atrás de alguém no Twitter que tem 18 anos e um zilhão de
seguidores, e que é mais cool do que eles”.
Aqueles que
procuram se destacar como “criadores de gostos” tiveram de adotar novas
estratégias para se fazer ouvir. Anthony Fantano avançou muito pouco durante os
dois anos em que comandou um blog de música e um podcast afiliado da National
Public Radio (NPR), por exemplo. Ele estava tendo dificuldades em chamar
atenção, perdido no monte interminável de aspirantes a críticos. Pouco antes de
passar a régua na própria carreira no jornalismo musical, ele tentou uma última
coisa. Armou uma câmera digital na sala de estar, a posicionou extraordinariamente
perto do próprio rosto, e começou a resenhar discos na forma de vídeos, dizendo
as opiniões que lhe ocorriam na hora. Agora, com mais de 1,8 milhões de
assinantes em seu canal do YouTube, The Needle Drop, ele é uma das vozes mais
influentes da crítica musical moderna.
“A internet
essencialmente democratizou a indústria da música em termos do que é popular e
democratizou a indústria do jornalismo de música também”, diz Fantano.
“Qualquer pessoa pode publicar o que achou de um disco para o mundo. Acho que o
mundo de resenhas e opiniões hoje em dia é em grande parte uma meritocracia”.
Embora a
crítica musical talvez tenha se tornado mais uma operação individualizada, a
desvantagem é que, com tantas vozes gritando loucamente por atenção, ela se
tornou um verdadeiro lixão de opiniões amadoras e discurso tóxico. A chegada de
uma nova geração de clickjockeys, que trabalham por nada ou muito pouco,
geradores de revoltas e cagando opinião online correndo uns contra os outros
para chegar primeiro com uma tirada fumegante, é por muitos vista como um fator
que contribuiu para a morte do crítico profissional, e que reduziu o feedback
coletivo da arte para um consenso do tipo passou/bombou, clássico ou lixo.
“A sensação
é de que a atual função das resenhas está embrulhada nesse ciclo de conteúdo”,
diz Garvey, “onde as pessoas que mais respondem às críticas de música são
outros críticos, para ou puxar o saco do escritor ou ser condescendente com
ele, ou para tagarelar mesmo, porque estão no Twitter e entediados. Vira uma
coisa super circular em que você tem uma resenha de disco, e um artigo de
opinião sobre a resenha de disco, e aí um período de 48 horas no Twitter das
pessoas falando no assunto. A sensação é de que a coisa não chega às pessoas
certas”.
Para um
exemplo recente de como o buraco negro do jornalismo de música se tornou
enlouquecedoramente alienado, veja a história da banda Wet, do Brooklyn, em
Nova York. A Pitchfork publicou uma resenha da estreia do Wet por uma grande
gravadora, Don't You, em 2016. A resenha foi cruel, dando ao disco uma pobre
nota de 4.0, e tirou sarro da noção de que a banda seja uma criação de
laboratório da indústria, alimentada por shows, playlists na BBC 1 e vídeos no
perfil de Instagram da Khloe Kardashian. Logo depois da publicação do texto,
dois editores do site Genius publicaram uma resenha da resenha da Pitchfork na
forma de notas, desafiando os argumentos da resenha original e discutindo em
nome do Wet, não fazendo muito para combater a teoria conspiratória de que o Wet
é, na verdade, uma planta criada em laboratório pela indústria. Espere, não
acabou ainda. Aí, depois que saiu a resenha da resenha, e os escritores
especializados em música começaram a debater no Twitter, como manda o figurino,
a Jezebel soltou um post recapitulando o drama que a situação criara. É difícil
acreditar que alguém que simplesmente ouve música por gosto e só quer ficar
sabendo das bandas novas se interessaria por essa conversa a ponto de segui-la
até o fim, especialmente depois de o assunto deixar de ser sobre o som do
disco. Mas espere! Antes de fazermos o caminho de volta por todas as camadas
desse inception do jornalismo de internet, é preciso mencionar que a história
toda está sendo recapitulada nesse artigo que você está lendo neste momento sobre
crítica de música. E talvez alguém escreva uma resposta a esse artigo também. O
ciclo de vida do conteúdo.
Não
surpreende que a crítica negativa que fizeram ao Wet tenha jogado a internet
numa espiral descendente até o ponto da guerra com pedaços de cocô. Críticas
abertamente negativas a discos estão se tornando casos cada vez mais raros. O
Metacritic, um site que agrega as muitas críticas recebidas por discos, filmes
e jogos, classifica o feedback geral da imprensa numa escala de cores. Verde =
resenhas na sua maioria positivas, com um placar cumulativo de 61% ou mais.
Amarelo = medíocre, com 41% ou mais. E vermelho = ruim, com menos de 40%. Entre
os anos de 2013 e 2015, nem um único disco chegou a entrar no vermelho. Todos
os discos lançados naquele período de três anos chegaram a uma média boa ou
mista de reação dos críticos. Seria preciso voltar a 2012 para encontrar o
único disco que ficou na zona vermelha: Fortune, do Chris Brown, cuja avaliação
negativa baseou-se não tanto no calibre da música, e mais no fato de as
resenhas criticarem a pessoa de Brown por seu passado criminoso e por agredir
sua ex-namorada, Rihanna. Para recapitular, a menos que um músico esteja se
dedicando ativamente a agredir outro músico, ele com certeza receberá críticas
pelo menos mornas.
Em
comparação, no mundo dos filmes, um meio no qual as datas de lançamento ainda
têm um forte elo com as vendas — do tipo que exige que as pessoas saiam de suas
casas e abram suas carteiras – os padrões do exame crítico ainda são muito mais
exigentes. No mesmo período entre 2012 e 2015 em que nenhum disco passou da
zona intermediária para a vermelha no Metacritic, 17,75% dos filmes ficaram no
vermelho, num total de 436 filmes (um dos quais sendo A Batalha do Ano, um
filme de breakdance estrelado por Chris Brown).
Então: por
que as críticas de discos passaram a pegar tão leve? Um argumento é o de que,
no estado atual do jornalismo de música, que precisa chamar os cliques do mouse
e depende dos anúncios, as publicações online estão demasiado endividadas com
os artistas. Um compartilhamento de um artigo sobre Five Seconds of Summer na
página oficial do grupo no Facebook, que ostenta mais de dez milhões de fãs,
por exemplo, pode trazer uma quantidade gigantesca de tráfego para um site. Não
importa se a qualidade da escrita é nula ou insípida (e, putz, a coisa às vezes
não é bonita), um compartilhamento ou um retuíte da banda vai mandar seus fãs
enlouquecidos aos milhares para o site, incrementando o tráfego mensal, coisa
que interessa aos anunciantes. Então é do interesse do site tender para o
positivo em sua cobertura, em especial quando se trata dos artistas mais
famosos.
Isso, em
parte, foi responsável pelo ressurgimento do poptimismo — os críticos fazendo
trenzinho atrás dos vencedores da música, em vez de colocarem o deles na reta,
defendendo os obscuros de qualidade da música. Assim, artistas como Katy Perry
e Taylor Swift dominam o ciclo diário de conteúdo sobre música, desde extensos
artigos de opinião sobre seu impacto cultural até artigos-listas sobre os gatos
que aparecem em seus respectivos Instagrams, e queridinhos das adolescentes
como Justin Bieber conseguem o primeiro lugar em listas de melhores músicas do
ano de importantes sites de música. Quaisquer vozes dissidentes que se
expressem a respeito desses artistas intocáveis são vaiadas na internet, sendo
classificadas de trolagem, apelação pra ganhar cliques, ou simples babaquice.
Saul Austerlitz demoliu de maneira bastante épica o efeito do poptimismo sobre
a cultura da internet, escrevendo no New York Times que “o poptimismo adota
aquilo que é familiar, para assim manter a relevância da crítica musical. A
cultura dos cliques fáceis cria um sistema fechado no qual os artistas mais
populares recebem mais cobertura, deste modo se tornando mais populares, deste
modo recebendo ainda mais cobertura da imprensa. Mas a crítica, idealmente,
deve ocasionalmente desafiar os leitores, e não se restringir a fornecer selos
de 'aprovado'”.
Para além
das recompensas do tráfego online, contudo, os sites têm outros motivos para
manter suas relações com os artistas em termos amigáveis. Os sites e as
empresas suas soberanas sempre necessitarão de favores — de artistas que se
apresentem em seus eventos no SXSW, ou que apresentem suas cerimônias de
premiação, ou de selos que comprem anúncios pop-up, ou de agentes que ajudem a
concretizar aquela grande entrevista exclusiva depois que o artista
inevitavelmente chega ao fundo do poço após ser flagrado dirigindo bêbado em um
drive-thru pelo TMZ. A separação entre igreja e estado muitas vezes perde a
nitidez nesses acordos de bastidores.
Muitos
sites se afastaram de vez das resenhas. Quando Ben Westhoff virou o editor de
música do LA Weekly em 2011, uma de suas primeiras providências foi cancelar em
grande medida a publicação de resenhas de discos. “Praticamente ninguém estava
lendo”, diz Westhoff. “A outra questão é que é muito difícil descrever música
em palavras. Eu poderia gastar parágrafos inteiros descrevendo um som, e isso
nem se compararia a passar ainda que fossem uns poucos momentos ouvindo a
música propriamente dita”.
As estreias
então passaram a dominar a cobertura dos novos lançamentos. Nas semanas que
antecedem o lançamento de um disco, o artista promove o álbum aos poucos, na
forma de estreias das primeiras faixas, segundas faixas, clipes, vídeos com as
letras, terceiras faixas, revelação da arte de carpa, quartas faixas, e assim
por diante. As estreias não contam com a profundidade crítica das resenhas, contudo.
A maioria delas se foca mais na biografia do artista e, dependendo do site,
conta com um texto de não mais que duas frases, onde se enfia uma citação do
artista fornecida pelo agente, e manda os leitores para um link de pré-venda.
Há um certo
comércio que vem junto com as estreias. O agente do artista concorda em mandar
o público desse artista para um site e, em troca, há um acordo implícito de que
o texto do site tenderá para o lado positivo. Para se ter uma ideia geral de
quantas estreias são propostas aos grandes sites todos os dias, acabei de
buscar a palavra “estreia” na minha caixa de entrada e meu computador entrou em
combustão espontânea, e aí recebi um novo e-mail, perguntando se eu não topava
fazer a estreia de um GIF da combustão.
Os artistas
consagrados que contam com públicos fiéis estão, porém, tomando consciência do
fato de que eles detêm o poder no comércio das estreias, e que esse talvez não
continue a ser um modelo sustentável por muito tempo. Artistas de calibre mega
como Beyoncé podem tranquilamente soltar um disco surpresa às três horas da
madrugada da noite de Natal, e ainda assim todos os blogueiros de música vão
sair atropelando os próprios gatos (no plural mesmo) para conseguir comentar a
notícia primeiro. Mas até mesmo as bandas de médio porte estão conseguindo
sucesso sendo porta-vozes de si mesmas. A banda Say Anything, por exemplo,
lançou um disco surpresa, I Don't Think It Is, da noite para o dia, o
anunciando e disponibilizando para streaming no próprio site para evitar o seu
desmantelamento faixa por faixa. “Em termos de som, é esquisito, e funciona
melhor como um todo”, me diz o frontman Max Bemis sobre o álbum. “Ouvi-lo em
pedaços ferra com as expectativas que as pessoas têm em relação ao próprio
disco. Algumas pessoas podem rejeitar um trabalho se não gostam da primeira
faixa”.
A crítica
de música talvez esteja pendendo mais para o lado positivo não só para aplacar
os artistas, mas para evitar a sua ira. Com os artistas se tornando mais
pessoalmente ativos nas mídias sociais, alguns se tornaram propensos a usá-las
para combater o que sai de ruim sobre eles na imprensa. Como Cohen, Garvey,
Fantano ou qualquer escritor que ainda dê valor à honestidade em suas análises
críticas pode confirmar, não é tão incomum que um artista desdenhado por uma
crítica negativa vá ao Twitter ou ao Facebook para exprimir seu desagrado, e às
vezes chegando até a mencionar o nome do crítico. E sim, os artistas, com
certeza, lêem as resenhas.
“Acho que
os artistas talvez sejam os únicos que lêem as críticas”, brinca Brian Fallon,
frontman da banda The Gaslight Anthem. “Os artistas e seus companheiros nas
gravadoras e agentes e empresários, eles lêem as resenhas. A coisa está
mudando. Nas turnês, eu costumava topar com garotos que vinham com revistas nas
mãos, pedindo autógrafos. Faz anos que já não vejo isso”.
O disco
mais recente de Fallon, Get Hurt, foi destruído por Ian Cohen na Pitchfork, e
embora Fallon tenha preferido não expressar seu ressentimento, ele certamente
se sentiu incomodado com a resposta negativa, como acontece com muitos
artistas, e chega perto de conseguir citar textualmente a resenha, de cor. “Não
lembro de nada das críticas positivas. Acho que essa é simplesmente a tendência
das pessoas que têm tendências artísticas e que também são quase doentiamente
cientes da própria imagem”, diz Fallon. “Você pode ter uma sala inteira cheia
de gente feliz, e a única pessoa que manda um “você é horrível, cara!”, essa é a
pessoa que você vai ouvir.”
Nem todos
os artistas, porém, ficam de bico calado como Fallon. Andrew Falkous, frontman
da banda Future of the Left, por exemplo, também foi malhado por Cohen na
Pitchfork, pelo seu lançamento, em 2012, The Plot Against Common Sense, e
escreveu um texto respondendo à crítica linha por linha em seu blog, que foi …
bom, digamos apenas que a expressão “imbecil escroto” foi utilizada. “O fato é
que aquela resenha saiu sete ou oito dias antes de qualquer outra resenha do
disco”, Falkous explicou certa vez em uma entrevista que concedeu a mim. “E
mesmo pessoas intelectualmente livres ainda se deixam influenciar facilmente
por críticas e por unanimidades. Há uma narrativa que muitas vezes se constrói
e às vezes aquelas primeiras palavras podem acabar influenciando a opinião das
pessoas. Então achei que seria importante entrar em campo e mandar um 'foda-se'
rápido e desdenhoso”.
A coisa não
se restringe ao rock. Rappers também entraram em conflito com os críticos. Wale
chegou a telefonar para a Complex fazendo ameaças depois que seu lançamento The
Gifted não foi incluído na lista de 50 Melhores Discos de 2013 da publicação e,
no ano passado, Talib Kweli criticou a crítica que a Pitchfork fez de seu
disco, Indie 500,no Medium (a nota dele foi 3,6).
“Alguns artistas
acham que quando reagem à Pitchfork ou à SPIN ou seja lá quem for, que saíram
vencedores só porque fizeram isso, que eles estão no controle daquela
conversa”, diz Cohen. Mas embora o artista possa achar que está vencendo quando
toma para si, em público, a última palavra em relação aos críticos, também se
poderia argumentar que eles estão diluindo a própria arte. Ao criar um
escândalo em torno do próprio disco, algo que é clicável e tem chance de
viralizar, eles estão tirando o foco da conversa de cima da qualidade de seus
discos. Daqui a cinco anos, quando os fãs de rap pensarem no disco de Wale,
qual é a chance de se lembrarem da música e não das piadas e dos memes criados
sobre o telefonema em que ele fez ameaças?
Não é
preciso blogar um texto de 1.600 palavras para realizar uma refutação
eficiente, contudo. Com o simples uso de uma @ em um tuíte, um artista pode
foder toda uma semana da vida do crítico, transformando seus milhares de fãs em
armas que atacarão o agressor. Às vezes é algo inócuo e inofensivo, e pode até
mesmo estimular um diálogo público. Quando isso é direcionado a resenhistas
mulheres, a coisa pode ficar especialmente feia. Depois que a escritora Lynn
Hirschberg escreveu sobre M.I.A. na The New York Times Magazine em 2010, a artista
inglesa reagiu tuitando o número de telefone de Hirschberg, estimulando os fãs
a ligar para ela e deixar mensagens, um ato que Hirschberg mais tarde
classificou como “exasperante, mas não surpreendente”.
Então
talvez o motivo das resenhas de música terem se tornado menos negativas seja
que os críticos simplesmente não querem passar uma tarde gostosa sendo
intimidados na internet por um bando de avatares de ovo por apontar quando um
artista solta um disco merda. Garvey menciona um exemplo em que sua crítica
morna do disco de Future Brown gerou respostas no Twitter e no Facebook. “Eles
estavam desencavando paradas sobre a minha vida pessoal, e a coisa ficou bem
mesquinha e infantil”. Mas também, observa ela, “talvez seja legal que os
críticos de vez em quando tomem um choque para serem lembrados do equilíbrio de
poderes”.
Enquanto
artistas e críticos brincam nesse jogo de toma lá dá cá na internet, sujando a
integridade da crítica musical honesta por meio de táticas mesquinhas de
intimidação, os ouvintes de música — que deveriam ser o público-alvo das
resenhas — muitas vezes são pegos no meio do tiroteio, como filhos de pais
divorciados. Resenhas de discos certamente ainda importam para os artistas,
escritores e agentes, já que são eles que lidam com esses textos todos os dias,
mas será que o ouvinte médio ainda está prestando atenção? De acordo com Andy
Larsen, gerente de marketing da loja de discos Rough Trade, em Nova York, a
resposta é: sim e não.
“Do ponto
de vista da loja, é verdade que vemos as vendas de um disco subir quando ele é
classificado como Best New Music ou recebe nota alta no Pitchfork”, diz ela.
“Os clientes com certeza procuram e perguntam à loja pelos discos que receberam
críticas positivas”. Mas, por outro lado, algumas vendas são à prova de
críticas. “Alguns artistas estão além das resenhas. Não importa se eles recebem
uma crítica positiva ou negativa em um blog ou numa revista. Se eles têm um
público fiel, a pior das críticas não consegue afetá-los”.
Então a
palavra escrita talvez ainda retenha algum poder de venda, e talvez seja
prematuro declarar a morte da crítica de discos. Mas ela está certamente
pendendo diante de uma cova cheia de disquetes do AOL, carteirinhas da
Blockbuster e CDs do Hot Hot Heat. A resenha, muito como a própria música,
corre o risco de se tornar uma forma de arte diluída pelas descaradas
concessões da internet ao seu mínimo denominador comum.
Mas talvez
as pessoas nunca tenham esperado outra coisa da crítica — e queiram
simplesmente ouvir o que já sabem, obter uma confirmação de opiniões que elas
já têm há muito tempo, e ler palavras positivas sobre coisas de que elas
gostam, concordando alegremente com a cabeça, sem serem desafiadas. Sempre
haverá música boa por aí, mas graças a essa democratização (e diluição) da
crítica tradicional de música e de seu velho e empenado cavalo de guerra - a
resenha de discos -, você, o ouvinte, está por sua própria conta, abandonado à
mercê das suas próprias opiniões. Afinal, se o Lester Bangs podia, você também
pode.
Engraçado esse texto porque me fez lembrar das revistas de guitarra, cujo maior expoente nacional, assinei por anos. Falando especificamente sobre os testes de equipamentos. Havia um lançamento de um pedal, guitarra (mas poderia ser um amp, uma guitarra, etc), o que quer que fosse e meses após seu lançamento no mercado, vinha um teste. Muitas vezes eram matérias da revista americana e o produto nem havia chegado ou jamais chegaria ao Brasil. O teste era feito por um dos colunistas que, obviamente, tinha seu viés como pessoa, seus gostoso por determinados estilos, equipamentos, etc. Daí já começavam as distorções do tal teste. Comparações com inúmeros equipamentos clássicos (o que já dava a primeira "balizada" no equipamento teste), citava heróis ou expoentes da guitarra que o usavam e nisso iam deixando de falar sobre a sonoridade do tal pedal, guitarra, amp ou o que quer que fosse. Daí veio a popularização do YouTube, o que matou de vez os tais testes. Músicos profissionais (coisas bem tocadas no vídeos), ótima sonoridade, equipamentos de ponta, cenários muito legais... Hoje você vê o equipamento, ouve seu som, ouve em diversas situações, com diferentes combinações de setup... Simplesmente incrível! Isso quando não é seu herói da guitarra tocando o equipamento!!! Hoje você pode decidir com muito mais lucidez sobre o que comprar e, principalmente, se determinado equipamento serve ao que alguém procura. Uma crítica no local errado: os fabricantes nacionais ainda não entenderam nada sobre qualidade de músicos, imagem, cenários, enfim, fazer reviews com qualidade. Os vídeos são primitivos nos testes nacionais e são amadores perto dos gringos.
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