Discoteca Básica Bizz #178: Sonic Youth - Daydream Nation (1988)



Felizmente, os anos 1990 serviram para rachar os muros preconceituosos que a década de 1980 carinhosamente erigiu. E foi entre julho e agosto de 1988 que uma banda nova-iorquina iniciou o terremoto capaz de chacoalhar os alicerces da música pop, convergindo rap, pop inglês e rock underground americano para um mesmo objetivo (em 1991, Nevermind, do Nirvana, selaria o fenômeno). Depois que o Sonic Youth derrubou todas as barreiras entre as diversas vertentes do rock, usando a microfonia como aríete, ele nunca mais foi o mesmo.

Antes, o Sonic Youth era apenas um dos principais representantes da cena pós-punk nova-iorquina, uma geração com mais de um rótulo - pigfuck, noise, no wave - que primava pelo barulho fora de controle como principal idioma. Ao lado do Big Black, Minutemen, Pussy Galore e Butthole Surfers, o Sonic Youth tinha uma grande reputação entre os seguidores daquela geração. Mas foi a partir da entrada do baterista Steve Shelley, que completou para sempre o trio formado pelo casal Thurston Moore e Kim Gordon, mais o guitarrista Lee Ranaldo, que o grupo começou a desequilibrar. Discos como EVOL (1986) e Sister (1987) antecipavam um grande abalo sísmico capaz de destruir todas as noções atuais dos limites da guitarra - sempre um tabu na história do rock.


Com o duplo Daydream Nation o quarteto nova-iorquino atingiu o rock como uma bomba atômica subterrânea sob os pilares do que conhecíamos por rock. Os três vocalistas cuspiam letras como palavras de ordem, misturando literatura marginal e rock and roll primitivo, preocupados mais em atingir seu alvo do que com a sujeira que o tiro poderia causar. Mas o centro do álbum são as guitarras: um enxame de microfonia que consegue soar caótico, melódico, bucólico, aterrador e brutal - muitas vezes em poucos minutos, como na introdução de "Cross the Breeze" e no meio de "The Wonder".

Propulsionado por um dos mais subestimados bateristas do pós-punk, o trio central do grupo (que se identificava com símbolos no rótulo do disco, a la Led Zeppelin) atravessava terrenos tão diferentes quanto hardcore, vanguarda, heavy metal, folk, pós-punk inglês, progressivo, psicodelia e punk rock, com suas guitarras e baixo citando referências sonoras como se contassem a sua versão da história do rock, abrangendo todos os gêneros como frutos do mesmo som.

Um ruído incômodo, que incomoda ao mesmo tempo que provoca, e que está no centro do melhor rock, seja de que tipo for.

Texto escrito por Alexandre Matias e publicado na Bizz #178, de maio de 2000

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