Felizmente, os anos 1990 serviram para rachar os muros
preconceituosos que a década de 1980 carinhosamente erigiu. E foi entre julho e
agosto de 1988 que uma banda nova-iorquina iniciou o terremoto capaz de
chacoalhar os alicerces da música pop, convergindo rap, pop inglês e rock
underground americano para um mesmo objetivo (em 1991, Nevermind, do
Nirvana, selaria o fenômeno). Depois que o Sonic Youth derrubou todas as
barreiras entre as diversas vertentes do rock, usando a microfonia como aríete,
ele nunca mais foi o mesmo.
Antes, o Sonic Youth era apenas um dos principais
representantes da cena pós-punk nova-iorquina, uma geração com mais de um
rótulo - pigfuck, noise, no wave - que primava pelo barulho
fora de controle como principal idioma. Ao lado do Big Black, Minutemen, Pussy
Galore e Butthole Surfers, o Sonic Youth tinha uma grande reputação entre os
seguidores daquela geração. Mas foi a partir da entrada do baterista Steve
Shelley, que completou para sempre o trio formado pelo casal Thurston Moore e Kim
Gordon, mais o guitarrista Lee Ranaldo, que o grupo começou a desequilibrar.
Discos como EVOL (1986) e Sister (1987) antecipavam um grande abalo
sísmico capaz de destruir todas as noções atuais dos limites da guitarra -
sempre um tabu na história do rock.
Com o duplo Daydream Nation o quarteto
nova-iorquino atingiu o rock como uma bomba atômica subterrânea sob os pilares
do que conhecíamos por rock. Os três vocalistas cuspiam letras como palavras de
ordem, misturando literatura marginal e rock and roll primitivo, preocupados mais
em atingir seu alvo do que com a sujeira que o tiro poderia causar. Mas o
centro do álbum são as guitarras: um enxame de microfonia que consegue soar
caótico, melódico, bucólico, aterrador e brutal - muitas vezes em poucos
minutos, como na introdução de "Cross the Breeze" e no meio de
"The Wonder".
Propulsionado por um dos mais subestimados bateristas do
pós-punk, o trio central do grupo (que se identificava com símbolos no rótulo
do disco, a la Led Zeppelin) atravessava terrenos tão diferentes quanto
hardcore, vanguarda, heavy metal, folk, pós-punk inglês, progressivo,
psicodelia e punk rock, com suas guitarras e baixo citando referências sonoras
como se contassem a sua versão da história do rock, abrangendo todos os gêneros
como frutos do mesmo som.
Um ruído incômodo, que incomoda ao mesmo tempo que
provoca, e que está no centro do melhor rock, seja de que tipo for.
Texto escrito por Alexandre Matias e publicado na Bizz #178,
de maio de 2000
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