Kiss em Revenge (1992): a vingança como renascimento


Lançado em 19 de maio de 1992, Revenge chegou num momento crucial da carreira do Kiss. A banda vinha de uma década marcada por altos e baixos criativos e comerciais durante os anos 1980, especialmente após a retirada das maquiagens em 1983. Após sucessos como Lick It Up (1983) e Animalize (1984), o grupo viu seu impacto diminuir progressivamente na segunda metade da década, afundando em fórmulas cada vez mais genéricas do hard rock oitentista.

A morte do baterista Eric Carr, em novembro de 1991, vítima de um câncer no coração, foi um baque emocional e simbólico para Paul Stanley e Gene Simmons. Carr era querido pelos fãs e havia dado sangue novo à banda desde que entrou, em 1980. Revenge seria o primeiro álbum lançado após sua morte e marcou uma tentativa clara do Kiss de se reconectar com sua essência, mas sob uma estética mais sombria, pesada e moderna. A banda trouxe de volta o produtor Bob Ezrin, o mesmo de Destroyer (1976), para dar peso, coerência e identidade ao projeto. Também marcou a estreia em estúdio do baterista Eric Singer, ex-Black Sabbath e Alice Cooper, que assumiu o posto de forma definitiva. Bruce Kullick completa a formação do quarteto.

Revenge é provavelmente o álbum mais pesado e coeso do Kiss sem maquiagem. Abandonando de vez o glam metal açucarado de discos como Crazy Nights (1987), a banda adota aqui uma abordagem mais densa, com afinações mais graves, timbres mais encorpados e letras que flertam com temas de perda, sexo, violência e redenção. Há também um certo cinismo e raiva contidos, que justificam o título do disco.


"Unholy", a faixa de abertura, já mostra a nova cara do Kiss. Com um riff sombrio e vocal rasgado de Gene Simmons, é quase um hino satânico moderno. Simmons retoma aqui seu personagem Demon com força total. A letra traz uma figura que se autoproclama amaldiçoada e portadora do mal. É a volta de Simmons ao centro da narrativa do Kiss, com presença teatral e musical. A canção se tornou um sucesso inesperado na MTV e marcou o retorno da banda aos holofotes. Já "Take It Off" é uma típica canção de Paul Stanley sobre striptease e desejo, com um groove irresistível e refrão pegajoso. A letra celebra o hedonismo, sem culpa. Apesar de parecer superficial, a música funciona como contraponto à carga dramática do disco e é um respiro bem-vindo. Composta por Gene Simmons, “Domino” tem uma pegada mais funky e bluesy, lembrando algo que o ZZ Top poderia fazer. A letra é cheia de insinuações sexuais, escritas com humor ácido.

"God Gave Rock ‘N’ Roll to You II", o grande hit do álbum, é uma releitura da música da banda Argent, e foi incluída na trilha sonora do filme Bill & Ted: Dois Loucos no Tempo. Foi a última gravação com Eric Carr, que participa dos backing vocals. A letra é uma ode otimista ao poder da música como força de transformação. É a faixa mais emocional do álbum, e funciona quase como um epitáfio para Carr. Muitos pensam que trata-se de uma composição original do Kiss, mas o fato é que a gravação do quarteto não só tornou a canção famosa no mundo todo, como é, de fato, a sua versão definitiva. "Every Time I Look at You" é a tradicional balada de Paul Stanley, com arranjo orquestrado e solo de guitarra de Dick Wagner, colaborador de longa data da banda. É uma canção melancólica, mas intensa, falando sobre amor perdido e vulnerabilidade.

Revenge é frequentemente citado como o último grande disco de estúdio do Kiss. Embora a banda tenha lançado outros álbuns depois, como o controverso Carnival of Souls (1997) e o celebrado Psycho Circus (1998) reunindo a formação clássica, nenhum teve o mesmo impacto. Apesar de não ter sido um sucesso gigantesco em vendas, Revenge conseguiu reposicionar o Kiss como uma banda relevante nos anos 1990, ganhando respeito até da crítica especializada. A turnê que se seguiu consolidou Eric Singer como novo membro e reforçou o vínculo com os fãs mais antigos.

Revenge é um disco de transição, mas também de afirmação. Marca o último grito criativo do Kiss antes de mergulhar na nostalgia. Com produção poderosa, composições afiadas e um senso de identidade renovado, é um álbum que merece respeito e destaque dentro da extensa discografia da banda.

É a vingança não contra um inimigo específico, mas contra a mediocridade criativa que ameaçava o Kiss no fim dos anos 1980. E ela veio com riffs pesados, sangue nos olhos e uma atitude de que ainda havia muita lenha para queimar.

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