Tattooed Millionaire (1990): o ponto de partida da carreira solo de Bruce Dickinson


Lançado em 8 de maio de 1990, Tattooed Millionaire marcou a estreia de Bruce Dickinson em carreira solo. O álbum surpreendeu muitos fãs ao apresentar uma sonoridade mais direta, calcada no hard rock clássico e acessível, bastante diferente do heavy metal épico e complexo do Iron Maiden. Mais do que um simples desvio, Tattooed Millionaire representa uma válvula de escape criativa e uma afirmação da identidade musical de Bruce fora da sombra de Steve Harris e companhia.

O embrião do projeto surgiu em 1989, quando Bruce foi convidado a gravar uma música para a trilha sonora do filme A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy. A faixa em questão, “Bring Your Daughter... to the Slaughter”, foi composta por ele em parceria com o guitarrista Janick Gers, então conhecido por seu trabalho com Ian Gillan. O resultado agradou tanto a Bruce que ele decidiu expandir a experiência para um álbum completo.

Importante notar que Tattooed Millionaire não foi concebido como uma ruptura com o Iron Maiden. Pelo contrário: Bruce Dickinson deixou claro que se tratava de uma exploração pessoal de outros estilos musicais que ele amava, especialmente o hard rock setentista de bandas como Aerosmith e AC/DC. O Maiden era uma entidade muito bem definida, e Bruce queria experimentar outras possibilidades fora daquela fórmula.

O disco foi gravado com uma formação enxuta e eficiente: Bruce Dickinson nos vocais, Janick Gers nas guitarras, Andy Carr no baixo e Fabio Del Rio na bateria. Gers, que se tornaria integrante fixo do Iron Maiden logo na sequência, é peça-chave aqui: seu estilo espontâneo e energético deu ao álbum uma pegada mais crua e orgânica, bastante diferente da precisão quase cirúrgica de Dave Murray e Adrian Smith. A química entre Bruce e Janick foi fundamental para o espírito descontraído do disco.

Ao contrário das composições progressivas, líricas e conceituais do Iron Maiden, Tattooed Millionaire aposta em estruturas mais simples, riffs diretos e refrões pegajosos. É um disco mais “pé no chão”, sem as camadas épicas e as temáticas históricas. O clima geral é de diversão, ironia e crítica aos excessos do rock e da fama.


“Son of a Gun” abre o álbum de forma pesada, com clima sombrio e letra reflexiva sobre os danos da guerra e da violência. É uma das poucas faixas que poderiam, com ajustes, se encaixar no repertório do Maiden. A faixa-título é um deboche escancarado ao estilo de vida hedonista dos astros do glam rock americano. Bruce atira para todos os lados, inclusive para colegas da cena. Uma música divertida, com refrão chiclete e crítica ácida. 

A linda “Born in ’58” é uma canção autobiográfica e faz referência ao nascimento de Bruce e seu crescimento em uma Inglaterra ainda marcada pelo pós-guerra. Uma das mais emocionais do álbum, com bela melodia e ótima performance vocal. “Gypsy Road” tem um ar de balada hard rock, com uma pegada mais sentimental. Mostra o lado mais melódico de Bruce Dickinson, mas sem exageros.

“Dive! Dive! Dive!” é uma metáfora sexual sobre submarinos (sim, isso mesmo), com letra cheia de trocadilhos e tom provocativo. É a faixa mais “rock de motel” do álbum — exagerada, divertida e descompromissada. A versão para a clássica “All the Young Dudes” é uma bela homenagem ao glam rock britânico dos anos 1970. Bruce respeita a gravação original, mas imprime sua própria identidade. É também uma pista clara sobre suas influências. E “No Lies” fecha o disco com tom político e crítico, mirando as mentiras do poder. É uma música mais séria, com estrutura mais próxima do Maiden, embora ainda com a estética do hard rock.

Tattooed Millionaire não é um disco revolucionário, mas é sincero, bem tocado e cheio de personalidade. Foi uma chance para Bruce Dickinson mostrar que era mais do que o "vocalista do Iron Maiden". Ele queria se divertir, experimentar, e dizer algumas verdades – sobre a indústria, sobre si mesmo, sobre o rock. Ao mesmo tempo, o álbum pavimentou o caminho para projetos futuros mais ambiciosos em sua carreira solo, como o denso e melódico Accident of Birth (1997) e o pesadíssimo The Chemical Wedding (1998), esses sim mais alinhados ao metal e à complexidade lírica que os fãs do Maiden tanto amam.

Mas tudo começou aqui: com riffs diretos, letras sarcásticas e Bruce gritando contra o status quo dos milionários tatuados.


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