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Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera (Guilherme Petreca e Tiago Minamisawa, 2025, Pipoca & Nanquim)


Lançada pelo selo da editora Pipoca & Nanquim, Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera é uma graphic novel profundamente sensível, poética e necessária. Escrita por Tiago Minamisawa e ilustrada por Guilherme Petreca, a obra costura com delicadeza temas universais como identidade, dor, aceitação e transformação, com um foco especial na vivência de pessoas trans — uma escolha que reverbera com força em um país como o Brasil, que lidera o triste ranking mundial de assassinatos contra essa população.

A narrativa gira em torno de um jovem artista do teatro kabuki — a tradicional arte cênica japonesa — que se reconhece e se afirma como uma mulher trans. A escolha de ambientar a história nesse universo estético e simbólico é mais do que estilística: o kabuki, marcado por suas rígidas convenções e papéis de gênero, torna-se uma poderosa metáfora para os limites impostos socialmente à identidade de gênero e à autoexpressão. O fato de, historicamente, mulheres serem proibidas de atuar nos palcos kabuki, obrigando homens a interpretarem todos os papéis, amplia ainda mais o impacto da história. A protagonista, ao confrontar essas normas, desafia não apenas a tradição teatral, mas também os sistemas opressores que insistem em negar sua existência.


A arte de Guilherme Petreca é um espetáculo à parte. Inspirada pelas técnicas e estéticas das pinturas tradicionais japonesas, suas ilustrações transitam entre o onírico e o concreto, traduzindo de forma comovente o processo de transição da personagem — não apenas física, mas emocional, espiritual, social. Cada estação do título representa uma fase desse caminho: o calor da revelação, o abandono e o julgamento, o frio do isolamento e, por fim, o florescimento de uma identidade plena e aceita. As páginas têm ritmo e respiração próprias, como se fossem composições coreográficas, ecoando o gestual performático do kabuki.

Ao fim, Kabuki: Verão, Outono, Inverno, Primavera é mais do que uma história de descoberta e coragem — é um ato político e artístico de resistência. Em uma sociedade que frequentemente silencia e apaga corpos trans, a existência de uma obra como essa, feita com tanta beleza e humanidade, é um gesto de acolhimento e de denúncia. Ela ilumina com ternura o que tantas vezes é tratado com violência e indiferença. E, ao fazê-lo, nos convida a sermos mais empáticos, atentos e comprometidos com a dignidade de todas as existências.

Uma HQ brasileira que merece ser lida, discutida e amplamente divulgada.

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