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AC/DC esgota três shows no Brasil e mostra que o rock não morreu — mas também que não é para todos

Depois de 16 anos longe do país, o AC/DC anunciou três apresentações em São Paulo como parte da Power Up Tour , marcadas para 24 e 28 de fevereiro e 4 de março de 2026, no MorumBIS. Em poucas horas, os ingressos evaporaram. A notícia percorreu o mundo e trouxe de volta uma velha discussão: afinal, o rock morreu? Se depender da resposta dos fãs, definitivamente não. Mesmo com preços que variavam de R$ 675 (meia de pista) a R$ 1.590 (inteira nos setores mais próximos), sem contar taxas, transporte e hospedagem, os ingressos sumiram rapidamente — muitos para as mãos de cambistas e revendedores, que, como sempre fazem, devem passar a pedir valores muito acima do original nos próximos dias. O que deveria ser uma celebração do retorno ao Brasil de uma das maiores bandas de todos os tempos acabou evidenciando o lado perverso do novo mercado de shows: a música ainda emociona, mas o acesso se tornou privilégio. O Brasil é potência — mas o rock virou luxo Segundo o relatório PwC/Live Entertainme...
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Como 90125 (1983) salvou o Yes e levou o progressivo às paradas de sucesso

Quando o Yes lançou 90125 em novembro de 1983, o mundo do rock progressivo já era outro. As paisagens sonoras elaboradas dos anos 1970 haviam perdido espaço para a objetividade das rádios FM e para a estética visual da MTV. Bandas antes sinônimo de virtuosismo precisavam se reinventar para sobreviver — e poucas fizeram isso com tanta ousadia e sucesso quanto o Yes. O álbum nasceu de uma ideia que, ironicamente, não era originalmente do Yes. Após o fim da banda no início da década, o guitarrista Trevor Rabin planejava um novo projeto chamado Cinema, ao lado do baterista Alan White e do baixista Chris Squire. A  entrada de Tony Kaye e, posteriormente, do vocalista Jon Anderson, acabou transformando o grupo em uma nova encarnação do Yes. A mudança de nome foi uma decisão estratégica da gravadora: usar o peso da marca para alavancar o lançamento. Mas o som, esse sim, era radicalmente diferente. Produzido por Trevor Horn (ex-Buggles e responsável pelo subestimado Drama de 1980, em...

Tiktaalika em Gods of Pangaea (2025): Charlie Griffiths reafirma sua força criativa fora do Haken

Charlie Griffiths já havia deixado claro, no primeiro álbum de seu projeto Tiktaalika, que sua intenção era escrever uma carta de amor ao metal clássico filtrada pela visão de um guitarrista habituado às complexidades progressivas do Haken. Em Gods of Pangaea (2025) , essa carta ganha nova tinta: mais direta, mais agressiva e, ao mesmo tempo, mais coesa. O disco consolida o Tiktaalika como algo muito além de um simples projeto paralelo. É um espaço em que Griffiths revisita as raízes do metal e as reconstrói com a precisão e o bom gosto de quem conhece profundamente o ofício. O álbum surge num momento interessante da carreira do guitarrista e da própria cena progressiva. Depois de anos imersos em experimentações e técnica, músicos como Griffiths parecem dispostos a retomar o contato com a essência — riffs fortes, refrães marcantes e estruturas que, mesmo sofisticadas, não perdem o senso de impacto. Gods of Pangaea abraça esse espírito: é um disco que privilegia o riff e o gancho, se...

Diary of a Madman (1981): o testamento sonoro de Ozzy Osbourne e Randy Rhoads

Diary of a Madman (1981) é um dos pilares não apenas da carreira solo de Ozzy Osbourne, mas de todo o heavy metal dos anos 1980. O disco sucedeu o sucesso explosivo de Blizzard of Ozz (1980) e consolidou a nova fase do vocalista após sua conturbada saída do Black Sabbath. Se o álbum anterior provava que Ozzy podia caminhar sozinho, Diary of a Madman mostrou que ele podia voar — e o fez em meio a demônios internos, tragédias e genialidade. Gravado com a mesma formação do disco de estreia — Ozzy nos vocais, Randy Rhoads nas guitarras, Bob Daisley no baixo e Lee Kerslake na bateria — o álbum foi registrado em um momento de transição. O sucesso repentino havia transformado Ozzy em uma figura novamente relevante, mas os bastidores eram instáveis. Daisley e Kerslake deixaram a banda logo após as gravações, substituídos por Rudy Sarzo e Tommy Aldridge antes da turnê, e os créditos originais foram alterados, gerando polêmicas que só seriam resolvidas décadas depois. O som do disco é a f...

Entre o fim da Guerra Fria e o auge do hard rock: Crazy World (1990), o último grande clássico do Scorpions

Crazy World (1990) marcou uma nova fase na trajetória do Scorpions. Depois da sonoridade polida de Savage Amusement (1988), a banda alemã retornou ao básico com riffs diretos, refrães fortes e uma produção mais orgânica. Foi também o primeiro disco sem o produtor Dieter Dierks desde meados dos anos 1970, com a produção agora assinada por Keith Olsen (Ozzy Osbourne, Fleetwood Mac, Whitesnake) e o próprio Scorpions. Essa mudança trouxe um ar renovado ao grupo, que parecia buscar reconectar-se à energia que o tornara gigante no hard rock dos anos 1980. O Muro de Berlim havia caído em 1989, e o mundo vivia o fim da Guerra Fria. Essa atmosfera de esperança e transformação atravessa o disco de ponta a ponta, especialmente na icônica “Wind of Change”. Escrita por Klaus Meine após uma visita a Moscou, a balada tornou-se um dos maiores hinos do período, vendendo milhões de cópias e se tornando uma das canções mais emblemáticas do rock mundial. A linha melódica e o tom de reconciliação captu...

Passengers: Original Soundtracks 1 (1995): o álbum esquecido do U2 que previu o futuro da música eletrônica

Lançado em novembro de 1995, Passengers: Original Soundtracks 1 é um dos projetos mais estranhos, desafiadores e ao mesmo tempo fascinantes da carreira do U2. O disco nasceu durante as sessões de Zooropa (1993) e foi registrado com Brian Eno, colaborador de longa data da banda e responsável por expandir seus horizontes desde The Unforgettable Fire (1984). O resultado não é um álbum convencional do U2, mas sim uma viagem experimental que rompe fronteiras entre o pop, o ambient e a música eletrônica. A ideia era simples e excêntrica: criar trilhas sonoras para filmes inexistentes. O conceito nasceu de improvisos e colagens, com Eno conduzindo o processo como um cientista sonoro e o U2 atuando como sua banda de laboratório. O material foi creditado não ao U2, mas ao Passengers, uma identidade paralela criada para marcar a ruptura com o formato tradicional de canções. O próprio título, Original Soundtracks 1 , sugeria a existência de uma continuação que nunca veio. Musicalmente, o d...

Fé e fúria: o thrash espiritual do No More Death em The Death Is Dead (2025)

O thrash metal brasileiro sempre foi um terreno fértil para bandas que enxergam o gênero não apenas como catarse, mas como veículo de mensagem. É dessa linhagem que surge o No More Death , projeto idealizado por Tiago Torres (fundador, vocalista e guitarrista do Mad Dragzter), e que estreia com o sólido The Death Is Dead . O disco é um manifesto de fé, técnica e fúria — uma declaração sonora que une convicção espiritual e brutalidade musical. Lançado em julho de 2025, o álbum traz oito faixas em pouco menos de quarenta minutos, tempo suficiente para apresentar um som preciso e direto, que dialoga com o thrash da Bay Area sem perder o DNA brasileiro. A produção, assinada em parceria com Demis Kohler , valoriza a nitidez dos riffs sem diluir o peso das guitarras. Há um equilíbrio entre a crueza e a clareza que deixa tudo soar atual, mas sem trair a escola clássica que molda o gênero. A faixa-título abre o disco com um riff cortante e uma bateria implacável, estabelecendo o clima apo...

Mob Rules (1981): o segundo ato de Dio no Black Sabbath

Quando Mob Rules chegou às lojas em novembro de 1981, o Black Sabbath vivia um dos períodos mais conturbados e, ao mesmo tempo, criativos de sua história. Após o sucesso de Heaven and Hell (1980), álbum que reposicionou a banda e apresentou Ronnie James Dio como novo vocalista, a banda se viu pressionada a repetir o feito. O resultado foi um disco mais sombrio, pesado e direto — uma síntese da energia renovada que o Sabbath encontrou com Dio, mas também um prenúncio das tensões que logo viriam a explodir. A formação seguia lendária: Tony Iommi, Geezer Butler, Dio e, agora, o baterista Vinny Appice, que substituiu Bill Ward durante as gravações. Essa troca trouxe uma diferença marcante. Appice, com pegada mais sólida e moderna, ajudou a consolidar o som do Black Sabbath dos anos 1980, menos arrastado e mais agressivo, sem perder o peso característico. A produção de Martin Birch, então famoso por seu trabalho com Deep Purple e Rainbow, deu um acabamento metálico e robusto ao álbum, a...

O amor como prisão: Tom King desconstrói o romance em Amor Eterno Vol. 1 (2025, Taverna do Rei)

Há algo de profundamente inquietante em Amor Eterno Vol. 1 . E é justamente esse desconforto que a torna uma das HQs mais instigantes publicadas no Brasil em 2025. Sob a aparência de uma homenagem aos quadrinhos românticos dos anos 1950 e 1960, o roteirista Tom King e a artista Elsa Charretier constroem uma fábula sobre aprisionamento, repetição e identidade — um drama metafísico disfarçado de história de amor. A série nasce de uma provocação ousada: o que acontece quando os clichês de um gênero construído para confortar se tornam um ciclo de tortura? King, conhecido por obras como Senhor Incrível , Visão e sua aclamada fase em Batman , transporta para o universo do romance suas obsessões centrais: trauma, memória e o peso dos papéis que desempenhamos. Aqui, o amor não é refúgio, mas uma prisão emocional e narrativa. A protagonista, Joan Peterson, está condenada a viver infinitas variações do mesmo enredo: ela se apaixona, sofre, morre ou desperta — e então tudo recomeça, em outro...

Supergrupo, conceito e peso: Ready to Be Hated aposta alto e acerta em cheio em The Game of Us (2025)

O nome provocativo do grupo sugere choque. O disco, porém, faz o caminho oposto: é difícil odiar o Ready To Be Hated. The Game of Us (2025) é um álbum de estreia que reúne músicos veteranos do metal nacional e entrega, com técnica e ambição, uma experiência sonora que tanto reverencia referências clássicas quanto busca uma linguagem contemporânea. A receita é claramente de supergrupo: Thiago Bianchi, Fernando Quesada, Luis Mariutti e Rodrigo Oliveira reunidos em um trabalho com estética conceitual com direito a um encarte pensado como um “tabuleiro de jogo” — imagem que funciona como metáfora para as travessias emocionais que o disco explora. Essa ambição aparece na construção das faixas e na produção, assinada por Bianchi e por Hugo Mariutti. O ponto de partida é o power e o prog metal, mas a banda vai além em cada uma das canções. Em certos momentos, Thiago Bianchi alcança um timbre e uma colocação que lembram Andre Matos como nunca antes: não é cópia, mas há passagens em que a ...