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O som da fantasia: a jornada épica do Rhapsody em Symphony of Enchanted Lands (1998)

No final dos anos 1990, o heavy metal europeu vivia uma nova fase. Enquanto o power metal ressurgia com força nas mãos de bandas como Gamma Ray, Blind Guardian e Stratovarius, um grupo italiano apareceu disposto a transformar o gênero em algo maior, quase cinematográfico. O Rhapsody, liderado pelo guitarrista Luca Turilli e pelo tecladista Alex Staropoli, trouxe uma proposta ousada: unir o metal melódico ao espírito da música clássica e às narrativas de fantasia épica típicas da literatura de Tolkien e das trilhas sonoras de filmes. Symphony of Enchanted Lands , lançado em 1998, foi o segundo álbum da banda — e o disco que consolidou de vez a identidade do Rhapsody. Se o debut Legendary Tales (1997) já havia chamado atenção pela mistura de virtuosismo e grandiosidade, aqui a fórmula alcança sua forma definitiva. Cada faixa parece um capítulo de uma saga medieval, costurada por arranjos orquestrais, corais majestosos e solos de guitarra que mais soam como trilhas de batalhas míticas d...
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Undertaker, o faroeste moderno que honra as raízes do gênero (2024, Pipoca & Nanquim)

Criada por Xavier Dorison (roteiro), Ralph Meyer (arte) e Caroline Delabie (cores), Undertaker é uma das HQs mais aclamadas do faroeste contemporâneo. Publicada originalmente pela Dargaud a partir de 2015, a série francesa resgata a essência do gênero com elegância e brutalidade, mesclando o heroísmo crepuscular de Blueberry com a densidade moral típica dos westerns mais recentes do cinema. O protagonista é Jonas Crow, um coveiro itinerante que carrega um passado sombrio como ex-soldado da Guerra Civil Americana. Acompanhado por uma governanta inglesa e uma senhora chinesa, ele viaja por um Velho Oeste decadente, enterrando corpos e desenterrando verdades — sobre si mesmo e sobre o país que o moldou. Dorison constrói um roteiro que alterna entre a melancolia da redenção e a violência inevitável do faroeste. Cada arco traz um novo dilema moral, e a morte — presença constante — é tratada menos como tragédia e mais como destino. Visualmente, Undertaker é deslumbrante. Meyer desenha...

O despertar sombrio do Dream Theater na genialidade inquieta de Awake (1994)

Quando o Dream Theater lançou Awake , em outubro de 1994, o mundo da música era outro. O grunge ainda dominava as rádios, o metal tradicional vivia tempos difíceis e o progressivo, para muitos, era uma lembrança distante dos anos 1970. Dentro desse cenário, a banda norte-americana parecia fora de tempo — mas foi justamente esse descompasso que fez do terceiro disco do grupo uma obra tão singular. Depois do sucesso inesperado de Images and Words (1992), impulsionado pelo hit “Pull Me Under”, o Dream Theater teve que lidar com a pressão da gravadora por um novo sucesso radiofônico. A resposta veio em forma de resistência artística: Awake é mais sombrio, denso e introspectivo, um mergulho profundo em dilemas existenciais e paisagens mentais turvas. É o álbum em que o Dream Theater troca o brilho neoclássico por uma tensão constante, refletindo o caos emocional de uma banda em transformação. As guitarras de John Petrucci soam mais pesadas e secas, influenciadas por nomes como Metalli...

Edu Falaschi e o renascimento do power metal brasileiro em Vera Cruz Live in São Paulo (2025)

Vera Cruz , lançado em 2021, renovou a carreira de Edu Falaschi ao trazer o ex-vocalista do Angra acompanhado por uma banda irretocável – os guitarristas Roberto Barros e Diogo Mafra, o tecladista Fábio Laguna, o baixista Raphael Dafras e o baterista Aquiles Priester – e apostando em algo que podemos chamar de uma espécie de power metal extremo, com uma sonoridade que elevou as principais características do gênero a níveis ainda mais altos. Isso cativou uma parcela dos fãs e afastou outros, porém, Vera Cruz se mostrou um trabalho excelente e recolocou Falaschi no lugar que ele sempre mereceu estar: o de uma das maiores referências do metal brasileiro. Após Eldorado (2023) e turnês celebrando os legados dos clássicos Rebirth (2001) e Temple of Shadows (2004), gravados durante a sua passagem pelo Angra, Edu Falaschi lançou Vera Cruz Live in São Paulo , ao vivo que ganhou edições em Blu-ray e em CD – essa análise é focada no CD, pois não tive acesso ao material em vídeo. Vou começ...

Quando o Angra renasceu: a força imortal de Rebirth (2001) e a nova edição de um clássico do metal brasileiro

O Angra deixou o passado para trás e literalmente renasceu em Rebirth . Mais que marcar o início de uma nova fase na carreira da banda brasileira, o álbum apresentou uma sonoridade mais rica e madura e deu início àquela que muitos consideram a melhor fase do quinteto, e com a sua melhor formação. Lançado em 2001, o disco chegou após a conturbada saída de Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori, episódio que poderia ter significado o fim do grupo. Mas os guitarristas Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro decidiram continuar, recrutaram Felipe Andreoli (baixo), Aquiles Priester (bateria) e Edu Falaschi (vocais), e construíram uma das formações mais icônicas da história do metal brasileiro – e, porque não, mundial. O Angra havia conquistado respeito internacional com Angels Cry (1993) e Holy Land (1996), além de manter o prestígio com Fireworks (1998). A saída de três membros originais levantou dúvidas sobre a continuidade do grupo. A resposta veio com Rebirth , um trabalho que ...

A fase mais obscura do Iron Maiden tem nome: The X Factor (1995)

Poucos discos na trajetória do Iron Maiden são tão controversos quanto The X Factor . Lançado em outubro de 1995, ele marcou a estreia de Blaze Bayley nos vocais, após a saída de Bruce Dickinson, e veio em um momento turbulento para a banda. O heavy metal vivia à margem da cena musical, com o grunge ainda dominante, o britpop explodindo na Inglaterra e o metal alternativo chamando atenção no mundo. O Iron Maiden, que vinha de discos grandiosos como Seventh Son of a Seventh Son (1988) e Fear of the Dark (1992), escolheu um caminho mais sombrio e introspectivo para seu novo capítulo. Steve Harris foi a mente por trás dessa mudança. Lidando com problemas pessoais sérios — incluindo o divórcio —, o baixista canalizou suas angústias em letras carregadas de melancolia, temas existenciais e climas sufocantes. Isso se reflete não apenas na música, mais arrastada e sombria, mas também na capa assinada por Hugh Syme (conhecido pelos trabalhos com o Rush), que trouxe um Eddie realista, preso ...

Restless and Wild (1982): a obra-prima do Accept que moldou o metal germânico

Em 1982 o Accept já tinha três discos no currículo – Accept (1979), I’m a Rebel (1980) e Breaker (1981) -, mas ainda não havia encontrado a fórmula que o levaria a ser uma das bandas mais importantes da história do heavy metal. Restless and Wild , lançado em outubro daquele ano, é o ponto de virada. Aqui o grupo alemão finalmente cristalizou sua identidade: riffs afiados, vocais rasgados de Udo Dirkschneider e uma sonoridade agressiva que apontava para o futuro. O contexto da época ajuda a entender o impacto. O heavy metal britânico vivia a era de ouro da NWOBHM, com Iron Maiden, Judas Priest e Saxon puxando a cena. A Alemanha tinha uma cena incipiente, ainda tentando se firmar com nomes como Scorpions e Grave Digger. O Accept chegou para preencher essa lacuna, entregando um som que misturava o peso inglês com uma urgência quase punk. A abertura com “Fast as a Shark” é considerada por muitos o primeiro registro do speed metal – aquele ataque inicial, após a introdução com um vinil to...

Thorgal: o clássico que definiu o quadrinho europeu finalmente chega em edição definitiva no Brasil (2025, Pipoca & Nanquim)

Jean Van Hamme e Grzegorz Rosiński são dois nomes que mudaram para sempre o quadrinho europeu. E Thorgal é a prova mais concreta disso. Nascida no final dos anos 1970 nas páginas da revista Tintin , a série sempre chamou atenção por sua mistura única: vikings, mitologia nórdica, fantasia épica e uma boa dose de ficção científica. Um caldeirão ousado que poderia soar estranho no papel, mas que, nas mãos da dupla belga-polonesa virou um clássico incontornável do quadrinho franco-belga. A Pipoca & Nanquim acaba de lançar o primeiro volume da série clássica , reunindo os oito primeiros álbuns: A Feiticeira Traída , A Ilha dos Mares Gelados , Os Três Anciões do Reino de Aran , A Galé Negra , Além das Sombras , A Queda de Brek Zarith , O Filho das Estrelas e Alinoë, publicados originalmente entre 1977 e 1984.  É uma edição de 420 páginas em formato 20,5 x 27,2 cm, capa dura, papel couché colorido e recheado de extras que contextualizam a obra e sua importância. E o que temos aq...

Entre o apocalipse e a filosofia: Finita entrega sua obra mais ousada em Children of the Abyss (2025)

A Finita chega ao segundo álbum dez anos após a estreia, Voices From Sanatorium (2015), com a convicção de quem sabe o que quer. Children of the Abyss é o trabalho mais ambicioso da banda gaúcha até aqui, e coloca de vez seu nome entre os projetos mais interessantes do metal brasileiro contemporâneo. Vale mencionar que, neste intervalo de uma década, a banda soltou também os EPs Lie (2018) e Above Chaos (2022), além do ao vivo Live at Metal Sul Festival (2020). Com quinze anos de estrada, a Finita vem de Santa Maria e construiu sua identidade explorando o lado mais sombrio do metal, mas sem se limitar a um único rótulo. Em Children of the Abyss , essa característica se amplia: o disco é um mergulho conceitual que mistura filosofia, religião e literatura em uma narrativa sobre escuridão, apocalipse e o distanciamento dos deuses. O resultado é um álbum que não se contenta em ser apenas música pesada — é uma obra pensada para funcionar como uma experiência completa. A sonoridade ...

No Prayer for the Dying (1990): a ruptura que dividiu os fãs e marcou o fim da fase clássica do Iron Maiden

Quando No Prayer for the Dying chegou às lojas em 1990, o Iron Maiden já havia consolidado seu status de lenda do heavy metal, com clássicos como The Number of the Beast (1982), Powerslave (1984) e Seventh Son of a Seventh Son (1988). No entanto, este álbum marcou um ponto de inflexão na carreira da banda: era hora de simplificar. Depois das elaboradas produções e do metal gradativamente mais progressivo dos anos 1980, Bruce Dickinson e companhia decidiram voltar a um som mais cru, direto e enérgico. O contexto da época não era simples. O heavy metal tradicional começava a sentir a pressão do hard rock mais comercial e do emergente grunge. No Prayer for the Dying surge como uma tentativa de reafirmar a identidade da banda, resgatando riffs mais secos, solos contidos e estruturas mais concisas, em contraste com os épicos trabalhos anteriores. Um dos fatores que mais influenciou a sonoridade do disco foi a saída de Adrian Smith, guitarrista que ajudou a definir a era mais clássica...