Pular para o conteúdo principal

Postagens

Nem cópia, nem continuação: como A Day at the Races (1976) consolidou o Queen após “Bohemian Rhapsody”

Lançado em 10 de dezembro de 1976, A Day at the Races marcou o momento em que o Queen deixou de ser uma banda em ascensão e passou a operar com a confiança de quem acabara de lançar um dos álbuns mais importantes da década, o monumental A Night at the Opera (1975) . A pressão era inevitável: todo mundo queria saber qual seria o próximo passo depois de “Bohemian Rhapsody”. A resposta veio com um disco que não tenta reinventar a roda, mas a faz girar com classe, precisão e ambição. Gravado entre julho e novembro de 1976, o álbum mantém a estética grandiosa que já era característica do Queen na época. Camadas de vozes, arranjos expansivos, guitarras com a assinatura inconfundível de Brian May e uma produção pensada para soar enorme em qualquer sistema de som. Se por um lado isso levou parte da crítica da época a acusar o quarteto de repetir a fórmula de seu trabalho anterior, o tempo tratou de reposicionar A Day at the Races como um dos discos mais consistentes do catálogo da banda. ...
Postagens recentes

Draw the Line (1977), o álbum que quase derrubou o Aerosmith

Em sua melhor fase, o Aerosmith parecia imparável. Entre Get Your Wings (1974), Toys in the Attic (1975) e Rocks (1976), a banda construiu uma sequência tão sólida que ajudou a definir o hard rock norte-americano dos anos 1970. Draw the Line , lançado em dezembro de 1977, chegou logo após esse auge, e justamente por isso costuma ser lembrado como o álbum em que a engrenagem começou a falhar. Mas, como quase sempre acontece com discos cercados por lendas, a história é um pouco mais complexa. Gravado em meio a excessos, agendas caóticas e um clima interno cada vez mais instável, Draw the Line captura o Aerosmith em modo de sobrevivência. A produção de Jack Douglas, tradicional parceiro da banda, é mais densa e confusa do que nos trabalhos anteriores, e isso gerou críticas pesadas na época. A Rolling Stone, por exemplo, chegou a classificar o disco como horrendo, enquanto outros veículos apontavam que o grupo parecia sem combustível. Ainda assim, o disco alcançou destaque nas parada...

The Original Fleetwood Mac (1971): uma viagem ao blues cru da era Peter Green

The Original Fleetwood Mac , lançado em 1971, é um daqueles discos que revelam muito mais do que parecem à primeira vista. Oficialmente, trata-se apenas de uma compilação de sobras de estúdio registradas entre 1967 e 1968, período em que o Fleetwood Mac ainda era uma banda britânica de blues comandada por Peter Green. Mas, na prática, o álbum funciona como uma peça complementar essencial para quem se interessa por aquela fase inicial, um momento curto, intenso e cheio de nuances que ajudou a moldar parte importante do rock britânico do final dos anos 1960. Aqui não há a concisão de um álbum “pensado” ou a coesão de um material lapidado para ser lançado na época. O que encontramos é justamente o oposto: ensaios, takes alternativos, jams prolongadas e pequenas faíscas de genialidade que não entraram nos discos oficiais. E é isso que faz The Original Fleetwood Mac ser tão interessante. O registro flagra Peter Green, Jeremy Spencer, John McVie e Mick Fleetwood ainda testando ideias, bur...

Entre o glamour e a decadência: a força de Hotel California (1976), o álbum definitivo dos Eagles

Poucos álbuns traduzem tão bem as contradições do rock dos anos 1970 quanto Hotel California (1976) . Os Eagles, já donos de um sucesso gigantesco, enxergavam claramente o abismo que se abria entre o glamour da indústria e a deterioração moral por trás das cortinas. Em vez de fugir, decidiram encarar o tema de frente. O disco surge desse incômodo: elegante por fora, corrosivo por dentro, e justamente por isso tão fascinante. A entrada do guitarrista Joe Walsh funciona como um divisor de águas. Seu estilo elétrico, mais agressivo e intuitivo, abre espaço para um som com musculatura de arena, e isso se reflete em praticamente todo o álbum. Não por acaso, o álbum foi lapidado ao longo de meses, em gravações extensas entre Miami e Los Angeles. O grupo poliu cada arranjo como se buscasse um equilíbrio improvável entre sofisticação pop, técnica e grandiosidade. A faixa-título é um caso à parte. Um épico que já nasceu eterno, carregado de imagens ambíguas e interpretações para todos os g...

Juiz Dredd - Os Casos Completos Vol. 6: a fase mais ácida e afiada de Dredd (2025, Mythos Editora)

Juiz Dredd – Os Casos Completos Vol. 6 , publicado pela Mythos Editora, é mais um capítulo essencial na recuperação da fase clássica do personagem no Brasil. Assim como nos melhores momentos da série, o volume funciona menos como uma simples coletânea e mais como um documento histórico: estamos diante de um Dredd em plena reconstrução de si mesmo e de Mega-City Um, ainda sofrendo as consequências diretas da Guerra do Apocalipse, arco que mudou a história da série. O material reúne histórias publicadas em um período marcado por episódios curtos, ritmo acelerado e aquela mistura inconfundível de humor ácido, crítica social e violência estilizada. John Wagner e Alan Grant, a dupla de roteiristas que melhor entendeu a essência do personagem, estão afiados, usando cada narrativa como uma pequena parábola futurista sobre burocracia, decadência urbana, paranoia estatal e a eterna tensão entre autoridade e caos. Histórias como “A Liga dos Gordos”, “O Caçador Hag” e outras pequenas joias do p...

8 de dezembro: o dia mais triste da história do rock

Existem datas que, por uma combinação cruel do destino, acabam marcadas para sempre na memória do rock. Oito de dezembro é uma delas. Em três momentos distintos ocorridos nos anos de 1980, 1984 e 2004 o mundo perdeu artistas fundamentais para a evolução do gênero: John Lennon, Razzle e Dimebag Darrell. Músicos diferentes, de épocas e estilos distintos, mas unidos por obras transformadoras e partidas abruptas que deixaram cicatrizes profundas na música pesada e na cultura pop. Na noite de 8 de dezembro de 1980, John Lennon retornava ao edifício Dakota, em Nova York, quando foi baleado por Mark Chapman. Socorrido às pressas, Lennon não resistiu. O choque foi imediato e global: não era apenas o assassinato de um músico: era a queda violenta de um dos pilares da música e da contracultura do século XX. A influência de Lennon atravessa décadas. Como cofundador dos Beatles, ele ajudou a redefinir os limites da música pop e do rock, levando o formato do álbum a um novo patamar artístico, a...

Made in Japan (1972): o Deep Purple no auge absoluto

Existem discos ao vivo que você escuta para sentir a energia de um show, e existem aqueles que parecem capturar um momento irrepetível na história do rock. Made in Japan pertence a essa segunda categoria. Lançado em 1972 e registrado no calor da turnê de Machine Head , o álbum mostra o Deep Purple em sua formação clássica tocando com uma confiança absurda, entregando improvisos que desafiam o óbvio e uma comunicação musical que beira o telepático. Gravado em três noites no Japão, entre Osaka e Tóquio, o álbum nasceu da insistência da própria banda. O Deep Purple nunca foi muito fã de overdubs em discos ao vivo, e aqui decidiu abraçar o risco: o que você ouve é essencialmente o que aconteceu no palco. E talvez seja justamente essa falta de polimento que torna Made in Japan tão irresistível. Cada faixa tem vida própria. Cada execução parece fluir para onde a música mandar. A abertura com “Highway Star” já deixa tudo claro: velocidade, precisão e um nível de confiança que só grupos ...

Oklahoma!: um dos maiores épicos de Tex (2025, Mythos Editora)

Há histórias de Tex que funcionam como aventuras tradicionais: rápidas, diretas, cheias de tiroteios, cavalgadas e justiça. Oklahoma! não é uma delas. Aqui, o roteirista Giancarlo Berardi, o mesmo nome por trás da poesia cotidiana de Ken Parker e do refinamento narrativo de Julia , amplia o faroeste bonelliano para algo mais ambicioso. É uma história longa, densa, quase um romance ilustrado, construída em cima de um episódio real da história dos Estados Unidos: a corrida pelos lotes de terra no Oklahoma. Logo nas primeiras páginas fica claro que Berardi não está interessado apenas em mover Tex e Kit Carson de um ponto a outro. Seu foco está nos detalhes humanos: nas famílias que atravessam o país em busca de um pedaço de chão, nos oportunistas que usam a confusão para enriquecer, nos conflitos entre esperança e brutalidade que moldam a fronteira. A narrativa respira, avança com calma, cria expectativas e acompanha personagens que entram e saem de cena como se fossem parte de um gra...

Oceanborn (1998): quando a Nightwish aprendeu a soar como Nightwish

Oceanborn (1998) é o primeiro grande voo do Nightwish. Se a estreia Angels Fall First (1997) ainda soava tímida, dividida entre folk e metal melódico, o segundo álbum transforma essa hesitação em pura ambição. Aqui a banda descobre não apenas como quer soar, mas o tamanho exato de sua própria grandiosidade. E decide abraçá-la sem medo. O disco marca a consolidação do que, anos depois, seria reconhecido como a espinha dorsal do symphonic metal: guitarras rápidas e melodias de power metal, arranjos neoclássicos de teclado e a voz operística de Tarja Turunen ocupando o centro do palco com uma segurança que já anunciava uma carreira única. Tudo é mais veloz, mais dramático e mais cinematográfico do que antes, como se Tuomas Holopainen tivesse encontrado, de repente, a chave do seu mundo interior. “Stargazers” abre o álbum sem pedir licença, uma avalanche power metal que expõe de cara a nova proposta: velocidade, técnica e melodia convivendo com naturalidade. “Gethsemane” e “Sacrament...

O fascínio dos sebos: por que garimpar é um dos grandes prazeres de quem coleciona CDs

Existe um tipo de alegria que só quem coleciona CDs conhece. Não é sobre ter a edição mais luxuosa, nem sobre completar uma discografia com links rápidos de loja online. É sobre garimpar. Sobre entrar em um sebo sem saber o que vai encontrar. Sobre aceitar o caos das prateleiras, o pó que se acumula sobre o plástico antigo e aquela sensação reconfortante de que qualquer coisa pode acontecer. Garimpar é um ato de fé. Você nunca sabe se vai sair de mãos abanando ou com um tesouro que, até então, parecia existir apenas em um sonho distante. Às vezes é só mais do mesmo: edições comuns, preços altos, pilhas desorganizadas. Mas basta um único achado como um item fora de catálogo, uma prensagem nacional esquecida ou aquele item importado impossível de ser encontrado de outra forma e em outro lugar, para transformar a visita em uma pequena vitória pessoal. E é justamente essa imprevisibilidade que mantém o ritual vivo. Os sebos são lugares onde o tempo se dobra. Ali, álbuns que marcaram ge...