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Show No Mercy (1983): o nascimento selvagem do Slayer

Quando o Slayer lançou Show No Mercy em dezembro de 1983, o thrash metal ainda era um território em construção. Metallica, Exodus e outras bandas da costa oeste davam forma ao gênero, mas nada soava exatamente como o que Kerry King, Jeff Hanneman, Tom Araya e Dave Lombardo colocaram em seu debut. O álbum de estreia do Slayer é puro ímpeto juvenil transformado em música: rápido, agressivo, exagerado e, acima de tudo, fome pura de se fazer ouvir . Gravado de forma quase artesanal e financiado com economias da própria banda, Show No Mercy respira aquela mistura deliciosa de ambição e falta de recursos que marca tantos discos essenciais. A produção é claramente distante do peso que o Slayer alcançaria anos depois, mas é justamente essa crueza que dá ao álbum uma identidade particular: Show No Mercy soa como um registro ao vivo gravado em estúdio, elétrico, apressado, cheio de arestas e absolutamente convincente. Musicalmente, o disco nasce da colisão entre a velocidade do speed met...
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Guns N’ Roses em Live Era ’87–’93 (1999): o retrato de uma banda gigante, contraditória e irresistível

Poucos lançamentos do Guns N’ Roses são tão reveladores quanto Live Era ’87–’93 . O único álbum ao vivo da banda é, na prática, muito mais do que isso: é a tentativa de organizar — e eternizar — um período em que o grupo viveu no limite entre genialidade e autodestruição. Um registro que existe não para contar uma história linear, mas para preservar momentos capturados em meio ao caos. Lançado no final de 1999, quando Slash, Duff e Matt Sorum já não faziam parte do Guns, Live Era tem um peso quase arqueológico. É como abrir uma cápsula do tempo de uma banda que já não existia mais daquela maneira. Isso molda o disco de forma decisiva: não se trata de uma celebração contemporânea, mas sim de um monumento tardio a uma formação que reinou absoluta no hard rock. Ao optar por compilar gravações de diferentes turnês entre 1987 e 1993, o disco rejeita qualquer tentativa de criar a ilusão de um único concerto histórico. Ele não quer ser Made in Japan , Live After Death ou No Sleep ’til H...

Sabbath Bloody Sabbath (1973): quando o Black Sabbath descobriu a sofisticação sem perder o peso

Sabbath Bloody Sabbath (1973) nasceu de um período de exaustão e bloqueio criativo que quase paralisou o Black Sabbath. Depois de anos mergulhado em um ciclo interminável de gravações e turnês, Tony Iommi se viu sem ideias, e o grupo, pela primeira vez, encarou a possibilidade real de não saber para onde ir. A saída foi abandonar a rotina desgastada e buscar inspiração em um novo ambiente: o castelo de Clearwell, na Inglaterra, cuja atmosfera úmida, silenciosa e carregada de histórias estranhas acabou desempenhando um papel fundamental na ressintonização da banda. Foi ali que o riff monumental da faixa-título surgiu, devolvendo a Iommi o impulso criativo que parecia perdido e abrindo caminho para um álbum que, mais do que marcar uma fase, redefiniu o potencial musical do Black Sabbath. O que torna Sabbath Bloody Sabbath tão especial é a maneira como o grupo expande sua estética sem abrir mão da ferocidade que o consagrou. É um disco pesado, mas essa definição isolada é insuficiente...

Fantasia sombria vs. aventura pulp: o duelo de identidades no encontro entre Dragonero e Zagor (2025, Mythos)

Dragonero & Zagor: Aventura em Darkwood é um daqueles encontros improváveis que, no papel, soam como fan service — e talvez até sejam —, mas que surpreendem pela energia, pelo cuidado visual e pelo respeito às tradições de dois universos muito distintos. Reunindo os Speciali Dragonero #2 e #8, a edição da Mythos entrega não apenas o primeiro choque entre os heróis, mas também um desdobramento posterior mais ousado, que amplia a escala e mistura fantasia sombria com aventura pulp. A primeira história, que dá título à edição brasileira , é a mais redonda. Publicada na Itália em 2015, segue o ritual clássico dos crossovers entre personagens de universos distintos: desentendimento inicial, choque de culturas e entendimento forçado pela presença de uma ameaça maior. Aqui, tudo flui com naturalidade. A ação tem ótimo ritmo, a arte trabalha muito bem a exuberância da floresta de Darkwood e a figura imponente de Dragonero, e o contraste entre os personagens funciona sem esforço. É ave...

Tex Gigante 4: entre a lei e o caos, o faroeste intenso de Chumbo Ardente (2025, Mythos Editora)

Chumbo Ardente é daqueles álbuns que lembram por que o Velho Oeste segue sendo um terreno fértil para histórias diretas, tensas e cheias de personalidade. Publicado originalmente em 1991 como o quarto Tex Gigante na Itália, o volume reúne Claudio Nizzi em um momento de absoluta confiança narrativa e Sergio Zaniboni assinando uma de suas melhores participações no universo de Tex. No Brasil, o álbum acabou de ganhar nova vida com a republicação da Mythos Editora em uma edição totalmente renovada, com 244 páginas impressas em papel offset , resgatando a experiência visual que esse formato sempre prometeu. A trama é clássica e eficiente: uma cidade dominada pelo poder local, um clima de medo que se espalha entre os moradores e a chegada dos quatro pards — Tex, Carson, Kit e Jack Tigre — para colocar as coisas nos eixos. Nizzi trabalha com todos os elementos tradicionais do personagem, mas faz isso com pulso firme. Nada aqui é inventivo demais, mas tudo é executado com precisão. Existe ...

O muro que nunca cai: Pink Floyd e a tragédia humana de The Wall (1979)

O impacto de The Wall (1979) só pode ser plenamente compreendido quando lembramos do contexto em que o Pink Floyd se encontrava. Após a apoteose de The Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975) , e o clima tenso de Animals (1977) , a banda já estava fragmentada emocionalmente. Roger Waters assumia o comando criativo de forma quase absoluta, enquanto a relação entre os integrantes se desgastava rapidamente. Paradoxalmente, é justamente desse caos interno que surge um dos discos mais coerentes e bem construídos de toda a história do rock. A estrutura narrativa de The Wall é talvez seu feito mais impressionante. Waters não escreve canções isoladas: ele constrói um arco dramático. Cada música funciona como um capítulo que aprofunda a transformação de Pink, o personagem central da história — da infância traumatizada à ascensão no estrelato, passando pelo colapso mental e pela ruína emocional final. A metáfora do muro não é sutil, mas é poderosa. Waters trabalha essa ima...

Live EP (2025): mais uma prova da força imortal do Led Zeppelin

Live EP (2025) é um lançamento curioso dentro da discografia do Led Zeppelin, e justamente por isso vale um olhar mais atento. Pensado como parte das comemorações dos 50 anos de Physical Graffiti (1975) , o EP funciona menos como um “novo” documento ao vivo e mais como um pequeno recorte histórico, reunindo quatro performances já conhecidas, mas nunca antes disponibilizadas em áudio puro, fora do contexto do DVD autointitulado de 2003. Aqui estão dois Led Zeppelin distintos, separados por quatro anos e por atmosferas bem diferentes. De um lado, gravações capturadas em Earl’s Court 1975, palco da fase mais ambiciosa do grupo. A abertura com “In My Time of Dying” chega com força total: é o Led épico, expansivo, com Jimmy Page explorando nuances e Robert Plant ainda em plena forma. “Trampled Under Foot” , na sequência, é puro groove elétrico, com John Paul Jones dominando tudo e mostrando porque aquela tour é uma das favoritas entre os colecionadores. Do outro lado, Knebworth 1979 ...

O marketing como inimigo: como o Angra meteu os pés pelas mãos na divulgação de suas mudanças

Há exatamente uma semana, no dia 22 de novembro de 2025, a comunidade metal brasileira viveu um daqueles raros momentos de unanimidade. O Angra anunciava um show histórico de reunião no festival Bangers Open Air, trazendo de volta ao palco a formação responsável pela fase Rebirth (2001) : Edu Falaschi, Kiko Loureiro e Aquiles Priester . Era, para uma parcela enorme dos fãs, a concretização de um sonho cultivado por quase duas décadas. E por algumas horas, tudo pareceu possível. Não era apenas um show. Era um gesto simbólico. Uma celebração do legado. Uma reaproximação que muitos jamais imaginaram ver acontecer. Um Angra olhando para sua própria história com orgulho, e convidando o público a participar desse reencontro. O clima era de festa, catarse e verdadeira euforia. Mas bastaram dois dias para que a banda começasse, sem perceber, a desmontar essa onda positiva. No dia 23/11 , veio o segundo anúncio: Fabio Lione estava deixando o Angra . Embora surpreendente, a notícia ain...

Lies (1988): o disco mais imperfeito e revelador do Guns N’ Roses

G N’ R Lies (1988) é um disco estranho na história do Guns N’ Roses, e justamente por isso ele nunca deixou de ser fascinante. Nascido mais como uma solução de prateleira do que como um projeto artístico pensado do zero, o álbum combina o EP Live ?! Like a Suicide com quatro faixas inéditas acústicas. O resultado é um registro de transição que captura a banda em um momento raro: entre o impacto avassalador de Appetite for Destruction (1987) e a grandiosidade operística que viria nos Use Your Illusion (1991). A primeira metade, formada pelas faixas supostamente “ao vivo”, sempre carregou aquela aura de mito urbano. Hoje já se sabe que não há show nenhum ali, e sim gravações de estúdio com plateia adicionada depois — um truque comum nos anos 1980, mas que no caso do Guns funcionou como parte de sua construção de imagem. “ Reckless Life” , “ Nice Boys” (cover da banda australiana Rose Tattoo) e “ Move to the City” são explosões de adrenalina que mostram a banda ainda crua, ráp...

A era Mikkey Dee começa aqui: Bastards (1993), um dos discos mais subestimados do Motörhead

Entre as várias reviravoltas da carreira do Motörhead, Bastards (1993) ocupa um espaço peculiar: não é um dos discos mais lembrados pelo grande público, mas é um daqueles álbuns que, quando revisitados, revelam uma banda energizada, afiada e pronta para iniciar uma nova fase. Lançado pela ZYX — única vez em que Lemmy e companhia trabalharam com o selo — o álbum marca o início da era clássica com Mikkey Dee assumindo sua posição como integrante de fato. E isso faz diferença. A formação aqui — Lemmy, Phil Campbell, Würzel e Dee — parece ter encontrado um ponto de equilíbrio raro. Bastards soa como Motörhead puro, mas também como um Motörhead renovado. As guitarras vêm com mais corte, os andamentos são mais precisos e a banda entrega aquele tipo de ataque frontal que tornou seus shows lendários. É um disco direto, sincero e violento na medida exata, sem qualquer preocupação em acompanhar tendências dos anos 1990. Entre os destaques, “Born to Raise Hell” merece menção imediata. Um d...