Na
segunda edição do projeto Embate do Século, houve quem acusasse a
gravadora Deckdisc de optar pelo jogo ganho ao colocar frente a frente
duas bandas contemporâneas e surgidas rigorosamente dentro da mesma cena
musical. Inspirada em um
projeto da gravadora norte-americana BYO Records, que fez uma série de
discos similares com grandes bandas da década de 90, a ideia é bem
simples: cada banda seleciona sete canções da outra e as regrava como
bem entender, dando o seu toque pessoal e fazendo uma reinterpretação
única. Se no caso de Raimundos x Ultraje a Rigor o resultado ficou
apenas divertido e curioso, no que diz respeito ao embate entre Nação
Zumbi e Mundo Livre S/A, as duas mais emblemáticas bandas do chamado
movimento manguebeat de Recife (PE), a obra final beira o genial –
porque ambas as bandas mergulham de cabeça na missão e se arriscam a
ponto de tornarem algumas das músicas praticamente irreconhecíveis e,
ainda assim, tão deliciosas quanto as originais.
Quem
abre os trabalhos é Fred 04 e a galera do Mundo Livre – cujo cavaquinho
leve e descontraído já dá um tratamento todo diferente para "A Cidade",
faixa inicial da bolacha que ganha ares de sambinha maroto. Num
contexto geral, dá para dizer que Fred se arrisca ao diminuir justamente
a característica mais marcante da Nação, que é o seu poderio sonoro,
sua percussão marcante e suas guitarras envenenadas, adicionando no
lugar uma dose extra de groove e malícia. Sua versão para "Samba
Makossa", por exemplo, segue inevitavelmente pelo lado do samba que o
título da música usa, criando uma roda de samba com pitadas de
eletrônico que, pasmem, em dado momento remete a um certo Jorge Ben. Em "Rios, Pontes e
Overdrives", o sambinha praiano é interrompido apenas no refrão, que
surpreendentemente recebe uma guitarra furiosa, um tanto punk, apenas
para voltar a desembocar no cavaquinho de Fred, como se nada tivesse
acontecido.
O
grande momento do Mundo Livre – e do disco como um todo, sendo
totalmente honesto – no entanto, fica para a interpretação para uma das
canções mais pesadas e avassaladoras da Nação, "Meu Maracatu Pesa uma
Tonelada". Com coragem e talento, Fred 04 dá à canção uma roupagem que
lembra a de uma banda indie inglesa, do tipo que flerta com sonoridades
eletrônicas. E com um coral de vozes botando pra quebrar raivosamente no
refrão, mas sobre uma base quase robótica, eis que a nova versão não
perde em nada no que diz respeito a peso e força para aquela
interpretada por Jorge Du Peixe e seus compadres. O Mundo Livre S/A deve
pensar seriamente em acrescentar esta música em caráter definitivo ao
seu setlist daqui pra frente, aliás.
Era
inevitável que o processo meio que se invertesse quando a Nação
entrasse em cena para dar a sua cara para as faixas originalmente
gravadas pelo Mundo Livre S/A. E quando se ouve "Livre
Iniciativa" ficar mais grave, mais corpulenta, mais cheia de percussão
do que o samba despretensioso de outrora, já dá para ter uma noção da
viagem que se segue. O que dizer então dos tambores que, no pano de
fundo, dão uma vibração étnica absolutamente diferente para a doce e
graciosa "Musa da Ilha Grande"?
Já a veia roqueira original de "Seu
Suor é o Melhor de Você" é transformada pela Nação em uma vibração suja
meio black, forte candidata a integrar a trilha sonora de um dos filmes
do Quentin Tarantino. E enquanto a sensacional "O
Velho James Brown Já Dizia" do Mundo Livre tem um tecladinho que fala
diretamente com a cena do mundo tecnobrega, a Nação pisou no freio e fez
uma espécie de marchinha, que poderia facilmente tocar no efervescente e
tradicional carnaval de rua de Olinda. Neste
segundo ato, sobressai-se ainda "Bolo de Ameixa", tradicional
samba-rock do Mundo Livre que, nas mãos da Nação, recebe uma espécie de
camada sonora extra – o ritmo repleto de suíngue continua, mas Lúcio
Maia faz questão de acrescentar a sua guitarra poderosa, dando-lhe um
teor quase metálico.
Este
novo Embate do Século vai gerar, sem dúvida, mais do que uma turnê
conjunta simplesmente imperdível, mas também um desafio dos mais
complicados para as próximas duas bandas que toparem o duelo, já que a
barra de qualidade agora está elevadíssima. Para elas, muito boa sorte!
:)
Tracklist:
1. A Cidade - Interpretada por Mundo Livre S/A
2. A Praieira - Interpretada por Mundo Livre S/A
3. Etnia - Interpretada por Mundo Livre S/A
4. Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada - Interpretada por Mundo Livre S/A
5. No Olimpo - Interpretada por Mundo Livre S/A
6. Rios, Pontes e Overdrives - Interpretada por Mundo Livre S/A
7. Samba Makossa - Interpretada por Mundo Livre S/A
8. Livre Iniciativa - Interpretada por Nação Zumbi
9. Musa da Ilha Grande - Interpretada por Nação Zumbi
10. Bolo de Ameixa - Interpretada por Nação Zumbi
11. Girando em Torno do Sol - Interpretada por Nação Zumbi
12. Pastilhas Coloridas - Interpretada por Nação Zumbi
13. Seu Suor é o Melhor de Você - Interpretada por Nação Zumbi
14. O Velho James Brown Já Dizia - Interpretada por Nação Zumbi
2. A Praieira - Interpretada por Mundo Livre S/A
3. Etnia - Interpretada por Mundo Livre S/A
4. Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada - Interpretada por Mundo Livre S/A
5. No Olimpo - Interpretada por Mundo Livre S/A
6. Rios, Pontes e Overdrives - Interpretada por Mundo Livre S/A
7. Samba Makossa - Interpretada por Mundo Livre S/A
8. Livre Iniciativa - Interpretada por Nação Zumbi
9. Musa da Ilha Grande - Interpretada por Nação Zumbi
10. Bolo de Ameixa - Interpretada por Nação Zumbi
11. Girando em Torno do Sol - Interpretada por Nação Zumbi
12. Pastilhas Coloridas - Interpretada por Nação Zumbi
13. Seu Suor é o Melhor de Você - Interpretada por Nação Zumbi
14. O Velho James Brown Já Dizia - Interpretada por Nação Zumbi
Por Thiago Cardim
Bela resenha. Adoro as duas bandas. Ainda não ouvi o álbum, mas, pela resenha, deu para ter uma ideia do resultado final.
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirMostra bem o revival dos anos 90 começando.