O redentor sem alma do Judas Priest

4 de janeiro de 1984. Pouco mais de 30 anos atrás. Eu tinha apenas 11 anos na época, e passados 12 meses me apaixonaria perdidamente por uma das razões da minha vida: a música, o rock, o heavy metal. Nesse dia do início de 1984, a banda inglesa Judas Priest lançou o seu nono álbum de estúdio, Defenders of the Faith. Um ótimo trabalho, com canções excelentes como “Freewheel Burning”, “Jawbreaker”, “Rock Hard Ride Free”, “The Sentinel”, “Love Bites”, “Eat Me Alive”, “Some Heads Are Gonna Roll”... enfim, praticamente todo o tracklist é digno de elogios rasgados até hoje.

Passaram-se então dois anos, e em 14 de abril de 1986 desembarcou nas lojas o polêmico Turbo, que chocou os fãs por trazer um som menos pesado e repleto de teclados e guitarras sintetizadas. Lembro que gostei na época. Hoje, no entanto, apenas “Turbo Lover” passou no teste do tempo, e com nota bem mediana.

En 17 de maio de 1988 minha vida era recheada de guitarras pesadas e baterias aceleradas, e o Judas veio com Ram It Down, um trabalho que ouvi e não me chamou a atenção, e que sigo considerando um dos pontos mais baixos de sua discografia. Então, respondendo às críticas e querendo provar que ainda era relevante, a banda soltou em 3 de setembro de 1990 o aclamado (por vocês) Painkiller. Nessa época, faltavam exatos dois meses para eu completar 18 anos. Achei o disco ruim. Ainda acho. 24 anos depois, Painkiller segue soando aos meus ouvidos como uma tentativa desesperada de autoafirmação, com faixas embaladas em uma suposta agressividade e modernidade mas que não passam de canções, quando muito, apenas medianas. A música título, adorada pelos fãs, é o maior exemplo disso.

Então tudo veio abaixo e a banda se desintegrou. Rob Halford saiu do armário, montou o Fight e foi ver como o mundo estava. O quarteto restante ficou em estado de choque por um longo período e apenas colocou a cabeça para fora em 16 de outubro de 1997 com Jugulator. Com 25 anos na época, achei o disco uma M bem grande. E fiquei surpreso ao ver uma banda como o Judas Priest, uma lenda do heavy metal e um dos nomes mais importantes e influentes do gênero, se agarrar em um vocalista de uma banda cover como a salvação da lavoura. Ripper Owens é simpático e coisa e tal, mas como vocalista não passa de um gritador bombado e histérico.

Mais quatro anos, e em 16 de julho de 2001 o grupo soltou o segundo trabalho com Owens, Demolition. Exatamente neste mesmo período, saí de vez do Rio Grande do Sul e me mudei em definitivo para Santa Catarina, onde a minha vida deu um giro de 180 graus rumo ao infinito, e além. Mas o Judas continuou na mesma, com outra trabalho beirando a linha entre o ruim e o constrangedor. Então, agora sim para salvar a lavoura de vez, já que tanto a carreira da banda como a de seu ex-vocalista não andava bem das perna$, Rob Halford retornou ao grupo e juntos lançaram Angel of Retribution em 23 de fevereiro de 2005. Retribuindo não sei quem e sendo o anjo de raríssimos indivíduos, o disco foi coerente e manteve a baixa qualidade que o Judas Priest apresentou nos anos anteriores, derramendo litros de água fria e quilos de gelo sobre a cabeça dos fãs.

E provando que poderia descer ainda mais a ladeira, em 13 de junho de 2008 a banda inglesa colocou nas lojas o seu pior trabalho, o constrangedor e repleto de pretensão Nostradamus. Eu havia acabado de ser pai, o Matias tinha quase três meses, e tanto eu quanto ele passamos longe, e cada vez mais longe, das profecias equivocadas dos supostos metal gods.

Então o mundo parou. Por seis anos, tudo ficou em stand by para o Judas. Silêncio esse que foi quebrado em 11 de julho passado com o lançamento de Redeemer of Souls, o décimo-sétimo álbum de estúdio do grupo. E eu, que já não tenho 11 e sim 41 anos, fui ouvir o que essa banda que não lança nada digno de nota há três décadas tinha para os meus ouvidos. Com os dois pés atrás, coloquei o disco para rodar. E, para minha surpresa, ele não era nada daquilo que eu havia lido em vários reviews espalhados pelo mundo. Não há um retorno às origens em Redeemer of Souls. Ao invés disso, há um quinteto que soa como uma banda cover, pegando clichês e macetes do que melhor eles mesmos fizeram em uma passado muito distante e reapresentando ao público.

Trata-se de um álbum que é até difícil dar uma avaliação. É arrastado, sem energia. Um bando de músicos que já foram lendas mas que hoje soam preguiçosos e, com o perdão da palavra, totalmente ultrapassados e fora de contexto. Não há razão para Redeemer of Souls existir, a não ser preencher um vazio no coração de fãs que, assim como a banda, também ficaram parados no tempo. Se você, por ventura, comprar o CD, poderá usá-lo como porta-copos, porque como item musical ele não tem serventia.

E dá-lhe auto-chupação consciente em faixas como “Dragonaut”, o discurso de realidade paralela “Halls of Valhalla” (nem o Manowar teria tanta cara de pau para lançar uma música tão ruim quanto essa) e outras aberrações. Claro, alguém virá aos comentários e dirá que eu tenho que respeitar a banda pelo seu passado. Eu concordo com isso, mas só teria essa atitude se ela mesmo respeitasse a sua história, fato que não faz há pelos menos 30 anos. O papel da Collectors Room não é, nunca foi e jamais será o de passar a mão na cabeça, de esconder os fatos e ser condescendente com qualquer artistas só porque ele “tem uma história”. Eu também tenho, e ela andou pra frente nas últimas três décadas, ao contrário da banda inglesa. O que é “Hell & Back”? Sério que ninguém, um amigo próximo ou um produtor sincero, teve coragem de dizer que aquilo é contrangedor? E “Cold Blooded” então? Jesus ...

Se “Painkiller”, a música, já era questionável, “Metalizer” é pra jogar a toalha e morrer de vergonha alheia. Timbres de guitarra saturados em todo o disco, Halford usando a bengala não apenas para se apoiar, mas também para cantar. E a dupla de guitarristas não sendo cover de si mesma apenas porque um deles saiu fora e foi substituído por um clone de Zakk Wylde.

Não dá pra entender o motivo de Redeemer of Souls ter sido lançado, a não ser o de encher os bolsos com o dinheiro de fãs fanáticos. Mas até nisso ele não fará sentido, já que o mundo é diferente hoje do que era em 1984. Alguém, por favor, avise Halford e companhia que as pessoas não compram mais discos, portanto nem para esse objetivo o novo trabalho servirá.

Talvez eu tenha ficado mais velho e alguns aspectos do heavy metal tenham perdido o sentido para mim. Talvez eu esteja sendo exigente demais com uma banda que redefiniu o estilo. Talvez eu esteja errado e você, que gostou do disco, é que é o certo. Ou talvez eu seja apenas um chato encontrando cabelo em ovo. Em todos os casos, no entanto, não tenho a mínima dúvida em afirmar que esse disco do Judas Priest, o tal Redeemer of Souls, é um dos piores e mais fracos álbuns que eu ouvi na vida. E eu escutei eles várias vezes antes de chegar a essa conclusão, pra ter certeza de que não estava viajando.

Seguinte: vão pra casa, Rob, Glenn e companhia. Vocês já fizeram o que precisava ser feito. O que vier pela frente - como tem sido nos últimos 30 anos, é bom frisar - só irá queimar ainda mais o filme de vocês. Larguem o osso, porque está cheio de cachorro grande e com muito mais apetite na fila.

Forte abraço, e obrigado por tudo.

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Agora sim uma resenha corajosa.
    Não concordo com os comentários sobre os outros discos(principalmente o Painkiller), mas sobre o Reedemer of Souls é isso mesmo.

    Disco forçado, chato, sem energia e, além de tudo, muito mal gravado.

    Sinceramente, pra mim, este é o pior disco do Judas Priest.

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  2. Gostei de algumas músicas, como "Halls Of Valhalla" e "Crossfire". Tem outras legais até, mas é um disco para cumprir tabela. Não pretendo comprá-lo e dificilmente ouvirei de novo - exceto as faixas citadas.

    Quanto ao Painkiller, apesar de gostar, não está no meu Top 5 da banda. Curiosamente, apesar de alguns fãs exaltá-lo e execrar o Turbo, ele vendeu muito menos. E era uma época de indústria forte ainda.

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  3. minha opinião é diferente da sua mas cada um tem a sua ;)

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  4. Texto corajoso e sincero, gostei.

    Sobre o disco, é bem por aí mesmo. Uma banda como o Judas, revolucionária quando tratamos de heavy metal, deveria ter mais cuidado com seu legado e principalmente com sua dignidade. Me recuso a acreditar que qualquer um ali esteja precisando de grana ao ponto de lançarem algo com direcionamento tão caça níquel, em busca do fã xiita saudoso. E, mesmo assim, acho que passaram longe até de seu público alvo.

    Sinto pena, sinceramente.

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  5. Quanto ao disco,ouvindo algumas vezes no Rdio, e não achei esse horror todo, não é um clássico do Priest e tem uma produção apagada.

    Mas no geral achei um trabalho razoável como Angel Of Retribution.

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  6. Eu passo longe de ser um grande fã do Judas Priest. Se eu tivesse que escolher minhas, sei lá, 50 bandas favoritas, não teria lugar pra eles.

    Dito isso, achei impressionante o texto. Pra mim, três décadas é tempo pra caralho, afinal é o que eu tenho de vida rsrs.. E pra mim, uma banda que passou esse tempo todo lançando somente porcaria, é uma banda ruim, independentemente do que tenha acontecido antes disso. Simples assim. Sendo assim, não sei o que pensar.. Será que realmente o Judas Priest é uma porcaria? Acho que é mais uma questão mesmo bastante idiossincrática. Eu não teria o menor problema em apontar que uma banda como o Guns, p.ex., é uma porcaria sem tamanho...

    Ouvi o disco. Tem sim um certo ar genérico de fato. Porém, não posso negar que me peguei curtindo por simplesmente estar ouvindo um som heavy metal, sem mais delongas. Em tempos que só sludge, stoner e outras coisas têm vez, foi interessante.

    Não sei se concordo com o texto não. Aliás, ultimamente tá difícil de concordar com a Collectors hehehe. Discos aclamados aqui, como do Jack White e Rival Sons entram no meu player e não conseguem ficar lá nem duas semanas... Mas continuo seguindo o site fielmente!

    Abraços

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  7. Sou grande fã do Judas, mas sou obrigado, com dor no coração metálico, a concordar com a resenha. O disco é de mediano para baixo, tem algumas boas músicas e só. E, convenhamos, escrever algumas boas músicas é muito pouco para uma banda que escreveu a ferro e fogo seu nome da história do Rock, compondo vários dos maiores hinos do Heavy Metal (como "Victim of Changes", só para citar um).

    Quem diria que eu, que comecei a curtir Rock nos já distantes anos 80, um dia iria gostar mais dos bramidos do mastodonte do que das orações do padre...

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  8. O Ricardo Seelig n é o mesmo que rasgou elogios ao fraquíssimo e entendiante The Final Frontier e o classificou como o melhor álbum do Iron Maiden desde o Seventh Son of a Seventh Son? O mesmo que elegeu o 13, álbum de autoplágios do Black Sabbath, como um dos melhores do ano passado? HAHAHA faça-me o favor. Painkiller é um dos melhores álbuns de Heavy Metal de todos os tempos mesmo não sendo um dos 5 melhores do Judas Priest e o Angel of Retribution foi um bom álbum de retorno e possui faixas que se tornaram clássicas entre os fãs da banda, como Angel, Hellrider e Judas Rising. Achei o novo lançamento bastante meia boca e totalmente irrelevante para a discografia da banda, mas é honesto e sincero em sua proposta retrô. Muito melhor que o Heavy Metal pseudo-progressivo e repetitivo com introduções broxantes daquela banda que vive fazendo turnês retrôs de turnês da década de 80. Os Metal Gods já inventaram e reinventaram a roda em 78 com Stained Class, 80 com British Steel e 90 com Painkiller; não precisam provar mais nada e já podiam ter se aposentado há muito tempo.

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  9. Sou fã do Judas a 30 anos e lamento dizer! O Judas acabou no Defenders!

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  10. Eu concordo q o último album é bem fraco,nem tenho mais vontade de ouvir novamente! Mas acho o Painkiller o melhor album da banda rs...

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  11. Exageros a parte da resenha...opiniões são opiniões...
    Achei o disco bem medíocre...um pouco melhor que o também medíocre Angel of Retribution....a bem da verdade, no meu ponto de vista, desde Painkiller (este sim um álbum muito bom) a banda vem se arrastando em estúdio...lançando discos nada mais que medianos. Minha nota seria entre 5,5 e 6,0... o que para o Judas é muito pouco

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  12. que bom seria ler uma resenha dessas pra velharias dos anos 60, 70, 80 que insistem em lançar novos discos sem acrescentar nada de novo e de qualidade a sua discografia respeita.
    nesse quesito, eu cito, novo cd black sabbath, metallica e por ai vai...
    que fiquem excursionando ate os 80 anos tocando sempre as mesmas coisas.
    se for pra lançar caça niqueis de pouca criatividade em fazer algo novo de qualidade que nao façam!!!

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  13. são dois enigmas do metal:
    pra que bruce dickinson voltou ao iron maiden e pra que rob halford voltou pro judas priest?
    pedido especial:
    max, por favor, nunca volte pro sepultura

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  14. Para mim, o último álbum relevante do Judas Priest foi o Jugulator.

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  15. Mais uma vez senti aquela tradicional má vontade com as bandas antigas, que você acha que já deveriam ter se aposentado.
    Ouvindo somente as musicas, não vi nada de vergonhoso. Não vai ser clássico, mas não é o que você descreveu.

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  16. Excelente resenha!

    Eu usaria os mesmos argumentos ao 13 do Sabbath, à tudo que o Maiden fez depois do 7th son, à tudo que o Metallica fez depois do black album...

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  17. Caro Ricardo opiniões são opiniões, devem ser respeitadas, ainda mais em um país de imprensa livre e democrática (até a página 2, muitas vezes)graças a Deus. Como leitor diário de seu blog, e como fã de Judas Priest desde 1984, como você, venho percebendo sua "má vontade" com a banda e extrema "boa vontade" com outras, geralmente bem mais novas e sem um terço do talento e importancia do Judas para o estilo musical que abraçaram. Bom, como falado supra, opiniões são opiniões e devem ser respeitadas; quanto a sua resenha claro que concordo com algumas coisas (redeemer of souls não é nem será um clássico, assim como angel of retribution, apenas medianos ambos, com alguns temas ótimos e outros bem fracos; jugulator carece de personalidade mas tem alguns temas bons, vide burn in hell, bullet train e blood stained; mesma situação de ram it down, na minha modesta opinião) e descordo de outras (novamente, em minha modesta opinião, acho painkiller e turbo grandes albuns, dentro de suas propostas e épocas, demolition é melhor que jugulator, tentando um caminho mais clássico e tradicional por isso com mais personalidade, características que, talvez, diferentemente de você, encaro como virtudes). Porém, apesar de todo o exposto, uma coisa tenho bem clara em minha visão de fã de rock n roll há 30 anos, contabilizando 40 anos de idade, portanto, uma longa estrada: agradeço todo o dia por ainda ter a chance de curtir esta banda, bem como outras que, com o tempo, se tornaram clássicas e, até por isso, merecem um mínimo de crédito, respeito e "boa vontade" como, talvez, quem sabe, um dia, os "mastodons" "avenged sevenfolds" "ghosts" entre vários outros, que contam com sua "boa vontade" em excesso, muitas vezes (novamente, em minha modesta opinião); vislumbrem tal patamar. Um grande e respeitoso abraço, de um amante das antigas do rock n roll, como você.

    FÁBIO BRAZ
    Belém/Pa

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  18. Gostou do Turbo e acha Painkiller ruim. Só isso bastou para que eu interrompesse a leitura. Com todo o respeito, entendo que este é um site bem eclético (v. resenhas inclusive de cds de hip hop, o que considero um tremendo lixo, e nem música é), mas acho que você está se afastando cada vez mais do metal e agregando outros tipos de música a sua vida. Enfim, gosto é gosto. Cada dia que passa, leio com mais reservas as resenhas e matérias sobre heavy metal assinadas por você.

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  19. Sem querer entrar no mérito se o disco é bom ou não, mas já rendeu essa história aqui no site de que bandas antigas deveriam se aposentar e as bandas novas são a salvação para o rock/metal. É algo tendencioso e que é até ruim para as bandas novas, pois criam uma expectativa muito forçada para quem vai ouvi-las e muitas vezes surgem as indevidas comparações que pra mim é um dos vírus que assolam o rock. Já que muita gente vai ouvi-las as comparando com os medalhões do rock (o que é uma injustiça).

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