Steven Wilson - Hand. Cannot. Erase. (2015)



Há dois anos, escrevi que Steven Wilson era um sujeito incansável. E nesse meio tempo, continuando com o seu trabalho de dar um novo tratamento aos clássicos do rock progressivo em meio à uma de suas mais bem sucedidas turnês, pouca coisa mudou.

The Raven That Refused To Sing se tornou uma das obras mais importantes de sua carreira, no mesmo patamar do que a discografia do Porcupine Tree. O que torna Hand. Cannot. Erase. um trabalho ainda mais interessante: a megalomania da amálgama de jazz e rock progressivo setentista, principais condutores do álbum anterior, abrem espaço para uma sonoridade mais moderna, menos complexa, porém focada na criação de uma atmosfera pesada, condizente com seu conceito: baseado no caso real de Joyce Carol Vincent, que permaneceu desaparecida por três anos e ninguém sentiu sua falta, nem mesmo família e amigos. Wilson escreve uma história sob o ponto de vista da própria, a sua vida desde o início, suas experiências, seu isolamento e como tudo se encerrou, em uma impactante reflexão sobre a humanidade nos dias de hoje. 


As camadas de ruídos, programações e notas dispersas se acumulam gradativamente no nascimento em “First Regret”, a representação de uma vida que surge e cresce para “3 Years Older”. Ainda com reminiscências do jazz do passado, ela se inicia com reverência ao Rush, até ser bruscamente interrompida pela simplicidade de arranjos acústicos combinados com piano, de inevitável semelhança ao Porcupine Tree quando este se aproximava mais de suas influências tranquilas e eletrônicas. A violência com que o instrumental se desenvolve proporciona o início de uma imersão em lembranças que já ilustram de forma clara o tom do álbum.


A repetição à exaustão de uma mesma melodia, sobre loops eternos de dedilhados e percussões robóticas fazem de “Hand Cannot Erase” uma sucessão de sutis mudanças, a atmosfera criada apresentando resquícios do Anathema recente em um ensaio sobre como estamos cada vez mais solitários (ou talvez mais egoístas), o tema de ligação entre todas as faixas. Isso se torna ainda mais evidente na nostálgica narração de “Perfect Life”, o meio termo entre o belo e o brutal capaz de transportar e fazer imaginar cada verso, um sentimento carregado pelo ritmo marcial sob a incessante lembrança de uma época melhor, que jamais abandona.


A sempre presente considerável dose da ironia inglesa aparece em “Routine”, com a combinação das vozes de Wilson e da cantora israelense Ninet Tayeb presas ao seu cotidiano, ao processo que subtrai cada vez mais o inesperável da vida. Há a sensação de saber que tem algo de errado na situação, mas ao mesmo tempo há o desespero de não saber como seria diferente. A alternância entre a tranquilidade conduzida pelo piano, uma seção que remete diretamente ao experimental mais soturno e assustador (um fantasma do Storm Corrosion, talvez), e o desenvolvimento que atinge o seu clímax e sua queda em forma de total desespero (novamente lembrando Anathema, principalmente quando Lee Douglas toma a frente), soa extremamente real e perturbadora, um questionamento inevitável pelo qual todos passam.


Em uma sucessão que vai de um início dreamtheatesco e atravessa uma seção que mais lembra o Opeth em sua personificação mais rústica, “Home Invasion” é carregadíssima de efeitos sobre um ritmo funkeado, com aura de artificialidade extremamente coerente com o conceito lírico e a noção de como a tecnologia deixa tudo ao alcance e distancia ao mesmo tempo, uma crítica à futilidade quase no mesmo nível de Kingdom of Loss, do Pain of Salvation. O mergulho se torna ainda mais profundo na jornada proporcionada pelo instrumental “Regret #9” e sua atmosfera cibernética, a base para as interpretações do Moog de Adam Holzman e da guitarra de Guthrie Govan sobre as viagens ceifadoras de realidade pelo mundo virtual.


Mais um devaneio de memórias até então perdidas, mas que representam profundas marcas no inconsciente, “Transience” é praticamente um interlúdio acústico belíssimo, como um curto conto de terror envolto por um espírito envelhecido, perigosamente próximo ao indie rock. Esse clima sombrio permanece em “Ancestral”, um dos momentos mais melancólicos e contemplativos, com algo de drone, industrial e shoegaze em pequenos detalhes se enveredando através do progressivo que se desenvolve através de muitas faces, de referências italianas e canterburianas que soam como uma torrente de pensamentos e paranoias dispersas e incontroláveis de uma mente problemática. 


“Happy Returns” e “Ascendant Here On…” encerram a obra deixando a impressão de um final feliz. Mas basta uma leitura um pouco mais cuidadosa nas entrelinhas, que é possível encontrar um desfecho antagônico e de profunda tristeza, uma carta sobre uma vida vazia deixada em aberto e extremamente impactante (principalmente em seu último verso). 


São infinitas camadas de som e instrumentos diversos, dos mais tradicionais aos mais artificiais, utilizados por um conjunto de músicos não apenas indiscutíveis em questões técnicas e de execução, mas que seguem a risca o roteiro de criar a base musical para o conceito em Hand. Cannot. Erase.. Mesmo não sendo o mais complexo trabalho de Steven Wilson (incluindo a época de Porcupine Tree), é notável como mesmo após décadas o inglês permanece aderindo a novos elementos, arriscando com influências inesperadas e desenvolvendo a sua habilidade lírica e de contar histórias. 


A dramaticidade e as metáforas aqui superam mesmo as letras de The Incident ou dos contos narrados em The Raven That Refused To Sing, talvez pela combinação muito mais natural com o instrumental. Os versos constroem uma peça reflexiva, mas ao mesmo tempo carregada de críticas sociais (em especial às gerações mais recentes – na qual eu mesmo estou incluído) que de alguma forma se adaptam a realidade de todos, com cada faixa parece representar um momento na vida da personagem - o que explica como cada faixa tem sua própria identidade.


Em 2015, Steven Wilson continua incansável. Em sua jornada pelo rock progressivo, tentando agregar diferentes itens (ainda que já utilizados esparsamente ao longo da história por outras bandas), empurrar o estilo para o cenário contemporâneo e mantê-lo interessante sem se libertar das amarras de suas raízes. Talvez nem todos encarem essa ideia com bons ouvidos, principalmente pelo esbarro no pop e no indie, pela influência que ele invariavelmente acaba tendo ao produzir outros grupos (Anathema e Opeth parecem já estar em seu DNA), ou talvez aleguem que não há aqui nada além de juntar tudo o que já foi feito antes. Mas há de se admitir que poucas artistas do estilo permanecem relevantes hoje em dia, e ainda com importantes mensagens a passar como ele.


Afinal de contas, não importa onde você esteja ouvindo o álbum. Pode ser em casa, no trabalho, no ônibus ou no metrô, no carro ou caminhando pela rua, na mais tumultuada cidade ou em uma esquecida estrada do interior. Olhe ao seu redor. 


Você já chegou a se perguntar quem realmente sentiria a sua falta se você simplesmente desaparecesse hoje?


Nota 9



Por Rodrigo Carvalho

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