Como a fé cega em um jovem deus fez surgir o primeiro supergrupo da história do rock


O que falar de uma banda que, antes mesmo de anunciar oficialmente a sua formação, já era idolatrada pelos fãs e pela imprensa, cercada por uma expectativa tão grande que os seus integrantes, fazendo piada de si mesmos, escolheram o nome “blind faith” para batizá-la?

Estamos em 1969, vivendo em um mundo que presencia os momentos finais dos Beatles, onde os Rolling Stones ainda não são gigantes e o Led Zeppelin dá seus primeiros passos. Neste contexto vivia um garoto inglês que, apesar da pouca idade, já era chamado de deus, e cuja simples presença em qualquer projeto sacudia não apenas a cena musical, mas o próprio mundo. Esse garoto chamava-se Eric Clapton.

Depois de fazer parte dos Yardbirds e apresentar a música dos negros norte-americanos para os garotos brancos ingleses, gravar um dos álbuns mais importantes da década ao lado dos Bluesbreakers de John Mayall e injetar doses maciças de peso ao rock junto com os comparsas Jack Bruce e Ginger Baker no Cream, Clapton encontrava-se em uma encruzilhada: ele poderia entrar em uma banda, formar o seu próprio grupo ou seguir carreira solo. Todas eram possibilidades.

O Blind Faith surgiu quase que por acaso. Em busca de diversão, Clapton convidou o amigo Steve Winwood e, juntos, começaram a levar algumas jams. Ginger Baker ficou sabendo da empreitada, e quis se juntar à dupla. A princípio Clapton foi contra, pois era da opinião que a presença de Baker transformaria o que era para ser uma simples reunião de amigos em algo muito maior, mas foi vencido pela insistência do baterista e de Winwood. Dos ensaios regados a longos improvisos foram surgindo as primeiras ideias para algumas músicas próprias, assim como a necessidade de um baixista para completar o grupo. Rick Grech, do Family, foi convidado e aceitou de imediato. Assim nascia o Blind Faith, o primeiro supergrupo da história do rock.

A notícia que os quatro estavam compondo juntos logo vazou, gerando uma enorme expectativa na imprensa e nos fãs, que prontamente profetizaram que Clapton, Winwood, Baker e Grech gravariam um dos melhores álbuns que o rock haveria de ver nascer.

Apesar dos exageros, eles não estavam errados. A coletiva crença absoluta que levou os quatro a batizarem o projeto como Blind Faith, revelou-se verdadeira com o lançamento do autointitulado debut, em julho de 1969. O álbum está cravado sobre dois sólidos alicerces: a belíssima “Can´t Find My Way Home” e a antológica “Presence of the Lord”. A primeira é nada mais nada menos que o melhor registro de Steve Winwood, uma das mais belas vozes que o rock deu ao mundo. Sobre o violão de Clapton, Winwood entrega uma belíssima linha vocal, alternando momentos em que usa sua voz de forma natural à falsetes antológicos. O resultado é estupendo, justificando em sua plenitude os pré-conceitos sobre o grupo.

Já “Presence of the Lord” é a conversa de Clapton com Aquele com o qual era comparado. Cantada de forma magnífica por Winwood, transformou-se em uma das mais emblemáticas canções do guitarrista, tanto pela sua letra belíssima quanto pelo solo inesquecível repleto de wah-wah, onde Clapton parece querer mostrar que, apesar do advento de Hendrix, ainda possuía algumas cartas na manga.


Além de “Can´t Find My Way Home” e “Presence of the Lord”, mais quatro músicas completam o disco de estreia do Blind Faith. “Hard to Cry Today”, a faixa de abertura, é um hard como só se fazia no final da década de 1960, e cuja receita se perdeu com o tempo. “Well All Right” coloca groove no som do grupo, com um resultado final que antecipava os caminhos ensolarados que Clapton trilharia em álbuns como 461 Ocean Boulevard (1974). O belo solo de violino executado por Rick Grech em “Sea of Joy” é outro momento inesquecível, enquanto a longa “Do What You Like” traz solos individuais de cada integrante, com destaque para Ginger Baker.


Além da música, Blind Faith trazia mais um atrativo. Sua capa, onde a filha de Baker posava com o peito nu e segurando um avião pra lá de fálico, causou grande polêmica na época, gerando inclusive a proibição da venda do disco nos Estados Unidos, o que levou a gravadora a lançar uma versão exclusiva para o mercado ianque, com uma imagem do quarteto substituindo a capa original.

Após o lançamento do disco, o quarteto, cercado por empresários, agendou e realizou uma turnê pelos EUA. A pressão aumentou, os compromissos também, e, ao perceberem, os quatro estavam novamente vivendo aquilo que justamente queriam evitar quando juntaram forças. O que era para ser um prazer se transformou em obrigações sem fim, e isso levou os quatro a decretarem o fim da banda.

Passados mais de 40 anos de seu lançamento, Blind Faith ainda é um dos pontos mais altos da carreira de Eric Clapton, Steve Winwood, Ginger Baker e Rick Grech. Um álbum que vale a pena ser (re) descoberto, juntamente com o ao vivo London Hyde Park 1969, que saiu em vídeo e mostra a apresentação dos caras no lendário parque inglês.

Para quem quiser conhecer, uma boa pedida é a versão estendida lançado há pouco tempo e repleta de faixas extras, traçando o documento definitivo sobre o Blind Faith. 

Muito mais que recomendável, histórico.

Comentários