Review: Sonata Arctica - The Ninth Hour (2016)


Se você acha que as eleições estadunidenses dividiram as pessoas, experimente irromper em uma assembleia de fãs de power metal e perguntar se o Sonata Arctica anda prestando ou não. Caso os frequentadores comecem a exibir facas e tacos de beisebol, jogue umas cópias do Silence (2001) ou do Winterheart’s Guild (2003) para restaurar a paz.

Este prólogo serviu apenas para lembrar que estamos tratando aqui de uma das bandas mais polêmicas do power metal. Não por causa das coisas que diz, mas por causa da música que faz. Já faz tempo que adotaram um direcionamento único que se mostrou uma faca de dois gumes: transformou-os num nome bastante autêntico do gênero, mas alienou parte da comunidade de fãs.

The Ninth Hour, nono trabalho de estúdio dos finlandeses, dá seguimento a essa lógica. O som geral dele reproduz aquela coisa peculiar que o Sonata virou nos últimos dez anos. Ao mesmo tempo em que entrega faixas bem sonolentas, mostra também alguns retornos à era clássica da banda.

“Closer to an Animal”, a abertura e primeiro single, tem uma introdução promissora, mas logo se perde em clichês comerciais nos quais os artistas de power metal apostam para que seus vídeos ultrapassem 100 mil visualizações no YouTube em um prazo razoável.

“Life” é, para The Ninth Hour, o que “Love” foi para o lançamento anterior, Pariah’s Child (2014): boba (a própria letra admite), levinha, lenta e emotiva. E por incrível que pareça, isto não é uma crítica. É uma das faixas que eu jogaria no meu carrinho de compras se o disco fosse um mercado. Mas para uma faixa que, segundo a banda, foi tão alterada durante as gravações, eu esperava mais … A ela, faz companhia “We Are What We Are”, que traz a tímida participação do flautista Troy Donockley, do Nightwish, e uma mensagem de preservação da Terra e essa coisa toda.

“Fairytale” esboçaria uma leve reação por parte de quem prefere o antigo Sonata Arctica. Não tem nada de fritação, mas a velocidade e o peso elevados chamam a atenção. Mais atenção ainda chama a letra, com uma clara mensagem anti-Trump – posicionamentos do tipo são bem raros no power metal em geral. O site oficial do quinteto coloca até uma citação do ditador Joseph Stalin ao final da letra desta canção! “Till Death’s Done Us Apart” é reminiscente dos dois álbuns anteriores – e talvez por isso, agrada também. É marcada por uma alternância de momentos lentos e frenéticos.

A primeira faixa que realmente se destaca no álbum é “Rise a Night”. Tem velocidade, pedais duplos e duelos de guitarra e teclado pra saudosista nenhum botar defeito. Só poderia ter recebido uma performance mais inspirada de Tony. Ela é seguida por “Fly, Navigate, Communicate”, que mescla com maestria os elementos antigos e modernos da banda. Os próprios membros consideraram-na tão estranha que inicialmente preferiram que ela não fosse incluída no disco ou que fosse lançada como bônus – graças a Dio, não cometeram o que seria um erro imperdoável.

Entre “Candle Lawns” e “White Pearl, Black Oceans – Part II, ‘By the Grace of the Ocean'”, os japoneses – sempre eles – ganham um ótimo presente: “The Elephant”. Um instrumental forte e rápido cria a base para uma letra com mais uma mensagem crítica sobre guerras, mencionando o mito do bombardeio a Berlim em 1945 que supostamente matou o único elefante do zoológico da capital alemã.

Você pode até achar “White Pearl, Black Oceans – Part II, ‘By the Grace of the Ocean'” chata em seus primeiros minutos (se não tiver um mínimo de paciência, pode ser que nem chegue a ela), mas dê uma chance, ouça a segunda metade e delicie-se com um dos melhores momentos da banda em anos, com um duelo de guitarra e teclado inspirado pelas fritações de Jani Liimatainen e Mikko Härkin em Silence. Aparentemente, os protagonistas da história não morreram, como sugere a letra da primeira parte. A moça sobreviveu ao naufrágio e o rapaz não morreu ao se jogar no mar. O que isso tem a ver com o álbum? Nada. Por que o vocalista, tecladista e compositor Tony Kakko resolveu inventar uma continuação com final alegrinho para uma história que já estava teoricamente encerrada de forma cinematograficamente trágica? Não sei. Mas é uma baita música…

Os patinhos feitos do álbum ficam por conta de “Among the Shooting Stars”, “Candle Lawns” e “On the Faultline (Closure to an Animal)” (que reprisa a introdução), além do insosso cover de “Run to You”, de Bryan Adams, que tirou da canção o que ela tinha de melhor: aquele “quê” de anos 1980. Todas tão emocionantes quanto uma corrida de barcos encalhados.

Alguns poderiam apontar o dedo para este que vos escreve com o manjado (e patético) argumento “vai lá e faz melhor”. Ora, é uma recomendação tola, pois a própria banda já o fez! É verdade que The Ninth Hour tem momentos memoráveis, mas eu não o indicaria para alguém que ainda não os conhece. Inclusive na discografia mais recente do grupo, já nesta fase de exploração de um caminho inédito no gênero, podemos encontrar itens mais respeitosos.

Além disso, considere o seguinte: um grupo de headbangers finlandeses reclusos em uma cabana no meio da exuberante natureza escandinava para criar um álbum que fale da natureza. Endless Forms Most Beautiful parte II? Coincidências à parte, se o trabalho se propunha a colocar na mesa questões relevantes sobre o impacto do homem na natureza hoje, acertou na trave. É uma compilação de faixas que tratam do tema de forma mais ou menos contundente, mas a capa e o marketing da obra sugeriam algo bem mais coeso e aprofundado.

Nenhum fã do Sonata Arctica deverá desprezar The Ninth Hour, sob pena de perder algumas pérolas. Mas até o mais fissurado deles precisa perceber quando o ídolo não está com a bola toda. Aqui, o quinteto definitivamente não está.




Comentários

  1. Concordo 100% com o autor. Tony anda aos Kakkos nessa fase de composição, difícil acompanhar.

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