Minhas HQs: a imensa coleção de quadrinhos de Guilherme Smee, do site Splash Pages


Tem novidade aqui no site. Além de colecionador de discos, eu também coleciono e sou um grande leitor de quadrinhos. São duas paixões que sempre andaram juntas e foram fundamentais na minha formação como indivíduo, ainda que a parte musical tenha se sobressaído mais ao longo dos anos. 

Sempre procurei inserir algo de quadrinhos aqui na Collectors Room, e agora isso ficará ainda mais forte através da coluna Minha Estante, onde entrevistaremos colecionadores de quadrinhos e mostraremos os seus incríveis acervos, na linha do que já feito no Minha Coleção com os colecionadores de discos.

Espero que vocês se divirtam tanto quanto eu nessa nova jornada!


De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Olá, meu nome é Guilherme, sou publicitário, atualmente fazendo mestrado em Memória Social e Bens Culturais. Também sou escritor e roteirista de quadrinhos e cinema. Escrevo com frequência para meu blog Splash Spages e sou apaixonado por quadrinhos.

Quantas HQs você tem em sua coleção?

No site Guia dos Quadrinhos consta mais de 5.100 revistas, mas com certeza eu tenho mais do que isso pois possuo muito material importado que o site não permite catalogação.

Quando você começou a colecionar HQs?

Desde que eu nasci eu já tinha uma coleção de quadrinhos, pois meus pais compravam para eles ler. Não era bem uma coleção, mas um apanhado de revistas, todas juntas, numa caixa de papelão. Eu só fui entrar nessa jogada como colecionador pra valer quando descobri os super-heróis através dos X-Men.

Você lembra qual foi a sua primeira HQ? Ainda a tem em sua coleção?

Nossa… não. Afinal, quando eu nasci já tinham umas HQs perambulando pela casa. É só ver algumas fotos minhas ainda bebê, comendo sopa de beterraba e uma revista do Cebolinha em primeiro plano.


Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um leitor de quadrinhos, mas sim um colecionador de quadrinhos?

Acho que desde criança, quando eu brincava com meus primos que tínhamos uma banca. A brincadeira consistia em juntar e catalogar as revistas por tipo, título e conteúdo. Era uma banca mais contábil que marketeira. Mas quando eu comecei a garimpar toda banca que eu via na frente atrás de revistas de super-heróis antigas, em toda cidade que viajava de férias com a família, foi que percebi essa obsessão.

Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de editora, autores, personagens, ou usa algum outro critério?

Quando a coleção era pequena, de no máximo uns 200 exemplares, eu fazia pilhas com os títulos, uma pilha para cada, algumas prateleiras para cada tipo ou editora. Mas com as revistas atingindo o número de 3 mil já começou a ficar mais difícil, então dou prioridade para as mais vistosas e mais acessadas ficarem mais à vista nas estantes, o resto fica em armários fechados ou em caixas.

Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Sim, a maior parte delas está no meu quarto, onde mandei planejar exatamente para a coleção. Mas coleções crescem, né? Já não tem mais lugar para tanta coisa, mas como falei, o que não está em estante está no baú da cama ou em caixas.

Que dica de conservação você dá para quem também coleciona HQs?

Uma dica que costumo dar é empilhar as revistas lombada canoa viradas inversamente uma à outra, ou seja, uma camada com os grampos para a direita e outra para a esquerda. Isso evita que as revistas fiquem abauladas e que as pilhas desabem facilmente. Fora isso, não sou control freak com minhas revistas, não. O que me importa é o conteúdo.


Você já leu tudo que tem? 

Vou te dizer que já li uns 85%. Muita coisa eu peguei novas versões/formatos/papéis de histórias que já tinha lido, então não me dei ao trabalho de reler.

Você tem o hábito de retornar a alguma quadrinho tempos depois de lê-lo pela primeira vez, entrando em contato novamente com a história? Essas releituras já fizeram você mudar a sua opinião que tinha sobre tal HQ quando a leu pela primeira vez?

Sim, com certeza, muitas HQs já li mais de cinco vezes. Até porque, como escrevo sobre quadrinhos, isso é bem importante. Nossas leituras, assim como nossas memórias, estão num grande processo de ressignificação, então o conhecimento e as experiências que tivemos no passado, mudam conforme somos expostos à novas coisas. Toda releitura gera um novo significado. Mas tem uma que sempre me desperta fascinação quando releio e que é uma das que reli umas cinco vezes: Flex Mentallo, de Grant Morrison e Frank Quitely. E sim, já mudei muito de opinião sobre quadrinhos. Vertigo, por exemplo, eu achava que eram quadrinhos feios e chatos, que só adultos chatos e sedentos por violência e sexo que gostavam. Depois que cresci e comecei a ler Sandman e Constantine vi que não era nada disso e que era um preconceito meu.

Qual o seu escritor preferido e o seu personagem favorito?

Os escritores que falam mais pra mim são Neil Gaiman e Brian K. Vaughan, mas não sei se seriam meus preferidos. Não tenho "O" personagem favorito, mas como tudo se originou com os X-Men, posso dizer que esse lugar fica pra eles. Pode ser?


De qual personagem, autor e editora você tem mais itens em sua coleção?

Tenho todo material dos X-Men que saiu no Brasil, logo são eles. De material autoral, provavelmente seja de Alan Moore. E a editora, por consequência dos X-Men, a Marvel Comics.

Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Um item que gosto muito e que tenho muito apreço é a Marvel Graphic Novel #4, com a estreia dos Novos Mutantes. Uma material que, pasmem, ainda permanece inédito no Brasil. O detalhe é que esse material tem quase a mesma idade que eu. Embora, claro, eu tenha quadrinhos mais antigos na coleção.

Você só coleciona edições brasileiras ou tem o hábito de também adquirir edições gringas para o seu acervo de quadrinhos?

Por causa da catalogação no Guia dos Quadrinhos, tenho dado prioridade às edições brasileiras. Mas tenho muita coisa gringa sim. Da França, Argentina, Uruguai, Portugal, Inglaterra, Dinamarca, Rússia, Cuba, Peru. As pessoas costumam me trazer quadrinhos dos países que visitam e eu adoro receber esses presentes, é legal para entender como essa cultura dos quadrinhos funciona por lá.


Além de HQs, você possui alguma outra coleção?

Coleciono algumas outras coisas, como miniaturas e livros teóricos sobre quadrinhos, mas claro que não me dedico tanto à elas quanto aos quadrinhos. Mas já tive outras coleções durante a vida: figurinhas de chiclete, do campeonato brasileiro, de moedas, de action figures e, pasmem, de papel de carta.

Você ainda frequenta bancas de revistas e livrarias, ou hoje compra tudo pela internet mesmo?

A-do-ro frequentar bancas e livrarias. O ato de folhear uma revista e se encantar ou se desencantar com elas, não tem preço. Sentir a textura do papel e o cheiro de tinta, só os apaixonados por quadrinhos entenderão. Mas, com o preço dos quadrinhos voltando a inflacionar, o melhor caminho mesmo é aproveitar as ofertas da internet, e aí a experiência não é a mesma.

Que loja de HQs você indica para os nossos leitores? 

Bem, indicar a Amazon é chover no molhado. Mas a verdade é que comprar quadrinhos no Brasil, seja por assinatura, seja por internet ou fisicamente, está cada vez mais complicado e difícil. Seja pelo lado das lojas ou pelo das editoras, que não investem no seu público. Eu costumo comprar com um amigo que tem a Loja Punch Comics, que é online. Ele também disponibiliza em um grupo do Facebook a possibilidade de encomendar as revistas do mês, como se fosse uma assinatura, mas direto com a loja. Ele também dá descontos que podem chegar a 20% sobre a capa.


Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou quadrinhos?

Sem pensar friamente, acho que foi em um loja muito estranha que vendia placas, pôsteres e umas memorabílias mucho locas em um esquina do SoHo, em Londres. Mas se eu refletisse melhor iriam sair algumas bizarrices mais bizarras.

Que HQs você indicaria para quem nunca leu quadrinhos e quer começar a se aventurar pela nona arte?

Olha, aí depende do gosto da pessoa. Sempre acho importante conhecer a pessoa antes de indicar qualquer coisas. Mas eu fiz esse post no blog indicando um caminho

Quais foram as cinco melhores HQs que você já leu na vida? E as piores?

Nossa! Pergunta capciosa! Um dos melhores quadrinhos que já li foi Bone, do Jeff Smith - bonito, instigante, aventuresco, reflexivo. Fun Home, de Alison Bechdel vai ser o objeto da minha dissertação de mestrado, então fica aí o motivo. Sandman, do Neil Gaiman, é um quadrinho que o pessoal que curte boa arte, boa literatura e bons drinks vai adorar. Y: O Último Homem, tem alguns dos diálogos mais perfeitos que eu já vi, e a lista não podia ficar sem algo do Brian K. Vaughan. Por fim, um quadrinho que fala e não fala da história do mundo, que é A Guerra de Alan, de Emmanuel Guibert. Mas essa lista está bastante injusta, é só pra não ficar sem uma lista. Os piores quadrinhos que eu já li são SEMPRE aqueles que se propõem serem mais do que na verdade são, que não possuem humildade com seu público e ou o superestimam ou o subestimam. E sabemos que tem muitos deles. Não preciso citar exemplos.


O que as pessoas pensam da sua coleção de quadrinhos? Estranham este hábito ou admiram a sua biblioteca?

As pessoas que gostam de quadrinhos acham legal. As que não tem proximidade com eles, como as pessoas mais velhas da minha família, acham um desperdício de espaço. Mas, de qualquer forma, acho que os quadrinhos e as coleções vêm sendo cada vez mais admiradas pelas pessoas. Diferente de quando eu era um adolescente que sofria bullying por gostar de HQ.

Você se espelha em alguma outra coleção de quadrinhos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

Não me espelho ou me inspiro em ninguém. Acho que esse tipo de processo acaba só trazendo sentimentos nocivos, como a inveja e o orgulho. O que me inspira é poder adquirir mais conhecimento sobre quadrinhos e de quadrinhos e, com isso, ajudar mais pessoas a valorizarem esse tipo de cultura e mídia. E o mais importante: de poderem se valorizar por gostar delas e serem quem bem entenderem ser, porque quanto mais você, mais distantes ficam a suas limitações.

Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de HQs como a sua?

Acho que acabei de responder na anterior. Acho que isso pode trazer mais conhecimento não só pra mim, como pras pessoas para quem empresto meus quadrinhos. Isso ajuda a popularizar a cultura do colecionismo e a cultura em si de um jeito lúdico. Adoro emprestar minhas coisas e despertar nas pessoas a mesma vontade e necessidade por histórias que eu tenho.


Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais quadrinhos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

Citando Quevedo: “Esto non ecziste!”. Mesmo se eu vivesse numa realidade do Fahrenheit 451.

O que significa ser um colecionador de HQs?

Sabe, eu não me considero muito um colecionador de HQ. Porque não sou tão cuidadoso com meus gibis. Eu me considero mais um entusiasta da nona arte porque, ao fim e ao cabo, esse processo não fica só no ato de empilhar e guardar revistas em quadrinhos. Eu reflito sobre eles, estudo eles, dou aula sobre eles, escrevo sobre eles, discuto eles, então acho que nesse caso o termo colecionador acaba ficando muito reducionista.


Qual o papel dos quadrinhos na sua vida?

Nossa! Sabe que eu passei por uma depressão de dez anos e a única coisa que se manteve estável na minha vida foi ler quadrinhos? Então acho que esse é papel deles e das histórias na minha vida: me manter firme, me manter vivendo, buscando e querendo algo mais. Não me entregar, não desistir. Se por um lado os quadrinhos podem oferecer um distanciamento da realidade, por outro eles provocam uma discussão sobre ela que nenhum outro meio consegue. Os quadrinhos são mais que um hobby, são uma paixão que direciona minha vida e quando eu finalmente percebi isso, que era a partir deles que eu devia construir minha existência - e não em ilusões - foi que ela realmente começou a dar certo e eu comecei a me valorizar como ser humano. Até então, eu não gostava muito de mim mesmo porque negava essa verdade. Foi uma longa caminhada, mas agora as leituras e a criação me ajudaram a me recriar, me restabelecer e achar meu lugar e função no mundo. Bem, a busca ainda não acabou, mas pelo menos agora eu tenho um foco.

Pra fechar: o que você está lendo atualmente e o que recomenda para os nossos leitores?

Acabei de ler Talco de Vidro, do Marcello Quintanilha. Talvez o melhor quadrinho nacional que já li. Ele tem uma força de literacidade que se aproxima dos livros de romance muito mais que uma mera adaptação de clássicos da literatura. Ele é a própria literatura contemporânea que vemos hoje nos melhores autores. E não digo apenas brasileiros, mas os internacionais.



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