Minha Coleção: Garcez Filho mostra que a Ilha da Magia é também a ilha dos bons sons


De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Garcez Filho, 57 anos. Engenheiro por formação, bancário (recém-aposentado) por profissão, e apreciador de música e cinema. Em 1988 formamos o primeiro clube de jazz de Florianópolis – o Hot Club (junto com Renato Pléticos e Rodrigo Sabatini). Entre 1988 e 1991 colaborei com a programação da extinta Rádio União FM, quando em parceria com meu amigo Pléticos, produzimos três programas que foram ao ar em Floripa, Blumenau e Novo Hamburgo. Um programa de rock progressivo, um de jazz e um outro de música instrumental contemporânea. Também atuei como colaborador do Prog Safari, de Guilherme Zimmer, para a SIC Radio. Meu sonho é voltar ao rádio, sempre com o propósito de levar informação aqueles que se interessam por música. Ainda em 1991 montei uma locadora de CD – Digital Music – com meus amigos Renato Pléticos e Paulo Batista Gomes, usando nosso acervo pessoal.

Quantos discos você tem em sua coleção?

Exatamente 1.761 títulos, todos em CD. Os últimos foram Get Behind Me Satan – White Stripes e Monk’s Music – Thelonious Monk, presentes de Renato Pléticos em fevereiro de 2016.

Quando você começou a colecionar discos?

Quando tive meu primeiro emprego, em 1979. Diferentemente da maioria dos jovens da minha época, que queriam ter um carro, eu desejava comprar meu aparelho de som.


Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?

Book of Dreams – Steve Miller Band (1977). Adquirido (acho que ganhei) em 17 de dezembro de 1979. Ainda guardo o LP, depois de ter me desfeito dos mais de 600 que tinha. E, evidentemente, tenho uma versão em CD também. 

Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?

Desde criança sempre gostei de juntar coisas. Colecionava embalagens de cigarros, selos, álbuns de figurinhas e algumas bizarrices. Com discos demorou até que eu pudesse comprá-los, logo que comecei a trabalhar, em 1979. Meu ponto alto de compulsividade foi nos anos 1990 quando comprava praticamente tudo que me interessava. Mas antes, já na segunda metade dos anos 1980, me vi naquela situação de querer ter todos os discos de meus artistas favoritos: Pink Floyd, Yes, Genesis, Rush, ELP, Jethro Tull, Gentle Giant e outros.

Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?

Meu acervo sempre foi organizadíssimo. Antes catalogava por editor de texto, depois passei pro Excel e hoje uso um software específico para este fim, o Orange CD, onde posso inserir todas as informações do álbum e ainda gera gráficos que me permite, por exemplo, identificar que minha coleção é composta por 65% de discos de rock e pop, 30% de jazz, 4% de MPB e 1% de música erudita.


Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Já cheguei a ter mais de 600 LPs, hoje tenho somente alguns DVD e meus CD que guardo numa estante projetada para este fim, um móvel extremamente simples, sem portas. Aí os organizo separando primeiramente por gênero (uso somente as quatro grandes categorias indicadas acima), sepois por ordem alfabética de intérprete, e os títulos em ordem de lançamento.

Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?

Apesar de ser extremamente cuidadoso com meus discos, nunca me interessei por técnicas de conservação. Minha estante é aberta – o que permite aeração constante dos discos. Já tive perda por fungos, mas acho que foram uns dois ou três CD apenas. 

Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?

Sim, já ouvi por diversas vezes todos os meus discos. Ouço sempre coisas de meu acervo, embora em outras mídias – normalmente MP3, no PC, iPod ou no carro. Mas estou voltando ao hábito de colocar um CD pra tocar de vez em quando.


Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?

Rock, principalmente o progressivo. Tenho a discografia completa das grandes bandas, os principais representantes do gênero. Minha banda favorita é o Van Der Graaf Generator, o grupo de Peter Hammill. Impressionou-me desde a primeira vez em que tive contato com seu som. Foi arrebatador! Ouvir a música do Van Der Graaf ainda é uma das experiências mais emocionantes de minha vida.

De qual banda você tem mais itens em sua coleção?

Frank Zappa. Tenho 69 títulos, alguns deles duplos, como a série You Can’t Do That On Stage Anymore, com 6 volumes lançados entre 1988 e 1992. São gravações ao vivo sensacionais, que cobrem boa parte da carreira deste gênio da música. Em segundo vem o Jethro Tull, com 51 títulos.

Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Não creio ter algum item raro. Tenho algumas edições especiais e alguns disquinhos banhados a ouro – da Mobile Fidelity Sound Lab – que acabei comprando usados. Quanto aos que mais gosto, me é difícil escolher, mas tem um álbum em especial que eu acho “a perfeição” em termos de composição, arranjos, interpretação, encadeamento das faixas e seguramente estaria entre meus dez preferidos, que é o Crime of the Century – Supertramp (1974). Tenho um item que me deu bastante trabalha para adquirir: 20 Years of Jethro Tull – box set com 3 CDs lançado em 27 de junho de 1988. Somente consegui arrematá-lo no e-Bay em fevereiro de 2001, depois de muito tempo a persegui-lo.


Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?

Eu tinha a discografia completa de algumas bandas em LP, depois comprei todos os álbuns em CD e depois comprei também a versão remasterizada. Desfiz-me das versões anteriores e fiquei somente com esta última. Exceção aos álbuns do Van Der Graaf, do qual ainda guardo as duas edições em CD. Existe um caso particular em relação ao Aqualung – Jethro Tull. Tenho o álbum original de 1971, uma edição especial comemorativa de 25 anos que saiu em 1996, uma versão ao vivo lançada em 2005 e uma outra edição comemorativa de 40 anos, lançada em 2011 que contem o álbum original e um outro CD com gravações adicionais de 1970-71. São discos diferentes entre si, mas com o mesmo tema.

Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?

Houve uma época em que me empolguei com DVD e comprei alguns títulos, mas acabei por perder o interesse, inclusive em assistir. Também perdi aquele habito da infância de juntar coisas. Não coleciono mais nada. De fato nem me considero um colecionador, pois não tenho aquela fixação por garimpar coisas – nem mesmo na área de música. Interesso-me muito mais pela obra (esteticamente falando) do que pela peça em si.

Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda frequenta alguma loja física ou é tudo pela internet?

O último disco que comprei foi em agosto de 2011, A Grounding in Numbers – Van Der Graaf Generator. Em março de 2013 adquiri o Della – Peixoto no iTunes. Ou seja, parei de comprar música. Nos anos 1990 cheguei a comprar mais de 30 CDs num mês e hoje acho que perdi aquela compulsão por comprar. Ao me deparar com algo interessante, pondero bastante se devo ou preciso comprar aquele item. Com as formas de acesso que temos hoje, você não precisa adquirir um disco para conhecê-lo. Minhas últimas compras – e olha que já faz bastante tempo – foram pela internet, pela comodidade de escolher, pagar e receber em casa. Também comprei bastante através de um amigo que importava diretamente dos USA. Hoje passeio pelas lojas que ainda resistem, mas dificilmente acho coisas que me atraem.


Que loja de discos você indica para os nossos leitores? 

Como disse não tenho mais frequentado lojas, exceto estas livrarias que ainda mantém seu setor de discos.

Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?

Não seria um lugar, mas uma forma bastante curiosa que utilizávamos no início dos anos 1990. Havia um fornecedor em Michigan (USA) que vendia CDs usados. Terry Duffy, da Audio House CD. Recebíamos o catálogo impresso pelo correio, fazíamos o pedido e colocávamos os dólares num envelope. Entre 20 e 30 dias recebíamos nossos disquinhos, sem os estojos de acrílico, naturalmente. Depois o negócio evoluiu e já em 1996 podíamos comprar pela internet e pagar com cartão de crédito.

O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?

Quando alguém entra em meu minúsculo apartamento e se depara com minha estante repleta de CD, só recebo cumprimentos. E sempre vem a pergunta: você já ouviu tudo isto? Meus amigos que curtem música têm mais discos do que eu, então não sofro críticas por não optar, em definitivo, pelo formato digital.


Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

Os Camangas, grupo aqui de Desterro formado em junho de 2003 a partir de um encontro na casa do saudoso Sílvio Lummertz Silva. Aficionados por música que se reuniam com bastante frequência com objetivo de ouvir e falar sobre música. Tinha umas trinta pessoas neste grupo, todos colecionadores. Ainda fazem seus encontros, mas eu acabei me afastando.

Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?

Nunca pensei em minha coleção sob o ponto de vista financeiro. Embora restrito ao meu gosto pessoal, considero meu acervo culturalmente rico. Acredito que o maior valor de uma coleção seja o compartilhar. Poder dividir a alegria de desfrutar de uma boa música, mostrar algo novo a quem se interessa e procura conhecer as obras e os artistas.

Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

Nunca. Como disse, praticamente parei de comprar discos, mas sou exceção neste ramo. A maioria de meus amigos curte adquirir e juntar novos itens, alguns até com certo exagero doentio (risos). E o mercado sabe como explorar isto muito bem. Basta observar a quantidade de relançamentos de obras, sempre com algum atrativo a mais, sejam faixas extras, encartes diferenciados, fotos e tudo mais. E também existem as “más influências”. Como tenho adotado um estilo de vida mais solitária, quase não tenho contato com pessoal que curte e coleciona música, mas bastou a participação nesta entrevista para me aguçar o desejo e já me peguei olhando sites de vendas de CD.


O que significa ser um colecionador de discos?

Não sei definir com clareza. Às vezes me parece a falsa sensação de segurança e controle – ter “aprisionado” e a sua disposição tudo o que você precisa: a obra completa de seu artista favorito ou aquele álbum especial que representa momentos importantes de sua vida. Às vezes me parece um ato compulsivo, simplesmente. Na maioria das vezes acho mesmo que é algo quase involuntário (do ponto de vista de juntar discos) que resulta de seu desejo de ter por perto tudo que você gosta.

Qual o papel da música na sua vida?

Música sempre teve papel relevante em minha vida. Minha mãe conta que na infância meu avô me levava à Festa da Trindade (atual Festa da Laranja) e eu desaparecia, pra ser achado pendurado no coreto da banda de música. Ainda na adolescência passava os dias grudado no rádio e tinha por hábito anotar tudo o que tocava (músicas e intérpretes). Sempre li muito sobre o assunto, a ponto de mesmo sem nunca ter ouvido a banda, eu já sabia da importância de Rick Wakeman para o Yes, por exemplo. Tem coisas que somente fui ouvir quando adulto, mas já conhecia destas leituras. E tem o aspecto emocional, né? Já chorei muitas vezes influenciado pelos acordes das canções e ainda me arrepio em algum momento especial de um show.


Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?

Sou um entusiasta da produção local, então vou indicar alguns trabalhos de artistas de Forianópolis que considero importantes para quem tem interesse em conhecer música bacana, feita com muito esmero e sem dever nada em qualidade estética e técnica ao que se faz mundo afora. Gente como o premiado, talentosíssimo e carismático guitarrista Luciano Bilu; os videoclipes de Jean Mafra, “Rush de Amor à Ilha” (com André Seben, lançado no ano passado) e “Baudelaire” (com Luís Canela, deste ano), ambos com a produção incrível de Bruno Ropelato; os discos do Cassim & Barbaria (gosto muito dos de 2009 e 2011); os projetos do Leonardo Kothe (Motel Overdose e Leite de Velha); o trabalho do Isaac Varzim com o Mapuche (Sanctity, de 2011 é um disco de música eletrônica, em sua essência, de um lirismo encantador); o disco de 2013 dos ex-Aerocirco Fábio Della (que tem a “manha” de fazer as mais adoráveis canções pop) e Maurício Peixoto; os originalíssimos Skrotes (trio formado por Guilherme Ledoux, Igor de Patta e Chico Abreu, que já ganhou reconhecimento nacional) e a sensacional Orquestra Manancial da Alvorada (ousado projeto de Julian Alexander Brzozowski – uma super banda com oito músicos, que faz um som indescritível, numa mistura de Frank Zappa com Tom Zé, com muita personalidade). Alguns destes, e muitos outros trabalhos contam com a presença sempre talentosa e os cuidados do grande Alexei Leão. Prestem atenção no que o Tio Garcez está dizendo. Tá tudo aí na grande rede mundial de computadores. Aproveitem!

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