Discoteca Básica Bizz #079: Leonard Cohen - Songs of Leonard Cohen (1967)


"Monocórdico", "lúgubre", "um anacronismo ambulante”: com tais adjetivos aplicados a seu desempenho enquanto músico, parece incrível que ele tenha se tornado objeto de adoração para tantas pessoas. A explicação para o paradoxo pode estar na identificação do público com a passividade romântica de suas canções. Quem sabe até o mais importante não fosse tanto o que ele tinha a dizer, mas o modo como expressava sua visão de mundo.

Antecipando a corrente dos "cantores-compositores" do início dos anos 1970 (Jackson Browne, James Taylor, Randy Newman, etc), Leonard Cohen exibiu ironia e sofisticação narrativa capazes de rivalizar com Bob Dylan. Curiosamente, sua profissionalização musical fora tardia: Cohen contava 34 anos quando lançou o primeiro LP, mas havia muito era respeitado no meio intelectual.

Aliás, palavras e sons disputaram sua atenção desde a adolescência. Aos 20, o jovem canadense cursou letras na Universidade McGuill e descobriu a poesia de Garcia Lorca ao mesmo tempo em que ingressara num grupelho folk, The Buckskin Boys. Por sua vez, a estreia como escritor (vide os livros Let Us Compare Mythologies e The Spice-Box of Earth, ambos de 1955) coincidiram com as primeiras composições ao violão.

Se tivesse dependido apenas do aval da crítica literária, é provável que Leonard Cohen jamais viesse a gravar. Em 1966, o romance Beautiful Losers fez dele "a grande esperança da literatura do Canadá". O redirecionamento da carreira veio por acaso: um de seus songbooks chegou à cantora Judy Collins, que, fascinada, incluiu a música "Suzanne" no LP In My Life. Meses depois, ela o convidou para um show ao ar livre, no Central Park de Nova York. Ali, Cohen revelou-se ao grande público sem disfarces: tímido, vulnerável e dono de um fio de voz que mal podia qualificá-lo como cantor.


Em janeiro de 1968, cada uma destas características foi explorada a seu favor no LP Songs of Leonard Cohen. Na capa, o rosto tenso (fotografado por ele mesmo através de uma câmera automática) parecia anunciar a abordagem de temas incomuns para a época. Era o auge do Flower Power, mas as canções de Cohen falavam de impulsos conflitivos, tédio e violência espiritual. Mesmo quando o assunto era amor, suas letras expunham um desespero latente. E, nos momentos em que a autopiedade ameaçava pôr tudo a perder, ele surpreendia o ouvinte atazanando-o com imagens de escalpos, afogamentos e navalhas.

Os LPs posteriores não trouxeram grandes variações de conteúdo. É aí que estão as melhores músicas de Cohen, cujo caráter esparso surge realçado pelo approach minimalista do produtor John Simon. Voz e violão são os elementos constantes em todas as faixas, vez por outra coadjuvados por violinos ("So Long Marianne"), jews harp ("Hey, That's No Way to Say Goodbye"), órgão ("Stories of the Street") e orquestra ("Suzanne").

Por ocasião de seu lançamento, houve quem o saudasse como "a trilha ideal para se cortar os pulsos", mas as setenta e uma semanas consecutivas (!) em que permaneceu nos charts confirmaram a dimensão maior da arte de Cohen.

Nos anos seguintes, o medo confesso de tocar ao vivo e a índole reclusa impediram-no de consolidar a fama. Ainda assim, alguns membros da geração pós-punk (Nick Cave, Clock DVA, Sisters of Mercy, Morrissey) redescobririam nele vários pontos de intersecção.

Há pouco, por iniciativa de Christian Fevret (editor da revista francesa Les Inrockuptibles), foi editado na Europa o CD I'm Your Fan, no qual astros como Ian McCulloch, Pixies, John Cale e R.E.M. reinterpretaram suas músicas. Um tributo em atraso, é verdade, mas que faz jus ao talento de Laughing Len.

Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz #079, de fevereiro de 1992

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