Entrevista exclusiva: Marcelo Nova


Ele se autodefine como o "Nero do rock baiano", e isso revela bastante sobre sua personalidade. Marcelo Nova foi o primeiro punk made in Bahia e liderou uma das melhores bandas do rock nacional, Camisa de Vênus. "Não havia nenhuma cena de rock em Salvador, a cidade era completamente parada. Achei que era a hora de alguém fazer algo em relação a isso. Como ninguém se apresentou como candidato, resolvi montar uma banda e chamei meu amigo Robério Santana”.

O pioneiro de um estilo, um compositor sarcástico, um cara apaixonado por Little Richards. Qualidades essas que despertaram a atenção de Raul Seixas e juntos gravaram A Panela do Diabo (1989), último disco do icônico roqueiro, também baiano. "O início da minha turnê com o Raul surgiu de um convite para irmos à Bahia fazer um show de lançamento para o meu primeiro disco solo. Ele aceitou e deu uma canja. Após o término do show, combinamos mais dois ou três shows... e acabaram virando cinquenta", relembrou Marcelo

Se a discografia do Camisa de Vênus é excelente, o mesmo é possível dizer sobre sua carreira solo, cheia de grandes discos sempre com músicos do mais alto quilate. Blackout (1991), tido por muitos como o primeiro disco brasileiro totalmente acústico, conta com o bluesman André Christovam. Já A Sessão Sem Fim (1994) trazia a guitarra do experiente Luis Carlini, parceiro de Rita Lee no Tutti Frutti. "Depois do Blackout, que era um disco inteiramente acústico, quis fazer justamente o oposto, um álbum com guitarras elétricas, consistente e pesado. Estava com uma banda que era ideal para esse projeto: Franklin Paolillo na bateria, Carlos Alberto Calasans no contrabaixo e Luis Carlini na guitarra", contou.

Marcelo Nova é old school não apenas por ser um aficionado colecionador de discos ou por dissecar a obra de Jerry Lee Lewis. Fala o que pensa e, diferentemente do que é visto atualmente, pensa de forma independente e inteligente. É um chute no saco desses artistas artificialmente enlatados, um sopro de resistência. O coroa - ele completará 67 anos no dia 16 de agosto - é rock and roll até o último grama da alma e isso é muito bom! Saudemos aliviados, o rock vive! 


Marcelo, é um grande prazer falar com você. Me identifico demais contigo desde o dia que te vi falando algo como “não tenho saco para nada novo, eu quero escutar folk rock!”. Porra, te entendo demais! Nunca falaremos mal de um Jimi Hendrix ou Led Zeppelin, mas não há nada como passar um dia inteiro escutando a discografia do The Band ou da fase clássica do Neil Young, como Zuma e Harvest! Isso sem falar no Byrds! Folk rock é a parada, né?

Sim, o folk rock é essencial. Bandas clássicas como Byrds e The Band, de certa maneira, forjaram essa trajetória que vem até os dias de hoje.

Você certa vez falou que é o “Nero do rock baiano”. Isso aí dá pano para manga! Imagino a Bahia ao final dos anos 1970, sem internet, com mercado fonográfico bem limitado por estar fora do eixo Rio/São Paulo. Aquela coisa do carnaval, tudo colorido,  e você de preto escutando Elvis e Little Richard. Como foi se descobrir roqueiro naquele clima?

Eu descobri Little Richard por acaso, e a partir dali foi uma espécie de tsunami que passou pela minha vida. Comecei a colecionar discos e não parei mais, até hoje.

Quem você considera o pai do rock: Elvis, Little Richard ou Jerry Lee Lewis? Por falar em Elvis, você concorda com aquela visão de que ele “roubou o rock a partir do blues dos negros”?

O rei do rock sou eu, Chuck Berry, Raulzito, Jerry Lee Lewis, Little Richard. Não existe essa de “roubou”. Cada um vai chegando e pegando emprestado do outro, depois ninguém sabe mais de onde partiu tudo isso.

Voltando ao “Nero baiano”: quando e como você começou a incendiar Salvador com o rock?

Não havia nenhuma cena de rock em Salvador, a cidade era completamente parada. Achei que era a hora de alguém fazer algo em relação a isso. Como ninguém se apresentou como candidato, resolvi montar uma banda e chamei meu amigo Robério Santana. Foi assim, começamos a montar essa banda que veio a se chamar Camisa de Vênus e o resto é história.


Antes de formar o Camisa de Vênus você viu a cena punk e hardcore bem de perto nos EUA. Claro que isso te influenciou, assim como ao Camisa de Vênus, mas gostaria de saber como foi ver aquela cena? Foi um susto ou meio que um “puta que pariu, existem outros babacas como eu...”? Chegou a ver o show de alguma banda de maior nome?

Quando cheguei em Nova York em 1980 aquela cena toda era uma novidade para mim. Conhecia os discos, mas nunca tinha visto a cena, de fato, em ação. Percebi rapidamente que toda aquela ideia preconcebida de que era necessário músicos virtuosos na banda, com larga experiência, não era verdade. Partindo disso aí, fui em frente!

Gosto muito de punk e hardcore. Diversas bandas faziam críticas diretas ao sistema ou ao que fosse, mas eu sempre preferi as bandas mais irônicas. Por isso sempre gostei da sua atitude: sarcasmo ácido com um humor cretino!

É, o Camisa de Vênus sempre teve uma dose bem grande de sarcasmo e ironia nas letras, mas nem sempre. Essa é apenas uma das características do Camisa …

Como foi o seu primeiro contato com o Robério Santana? Bicho, aqueles primeiros discos são demais...

Ele trabalhava na TV Aratu e eu na Rádio Aratu. Nós éramos amigos e ele foi a primeira pessoa a quem expus a ideia do que viria a ser o Camisa de Vênus. Estou falando de 1980, começamos a conversar e a colocar rapidamente essa ideia em prática.


Você gravou com um dos maiores guitarristas brasileiros, André Christovam. Já o entrevistei duas vezes, sempre uma aula de música, afinal foi o primeiro bluesman brasileiro. Ele participou do disco Blackout, certo? Como foi? 

Gravar com o André foi um prazer muito grande. Nós já éramos amigos, ele trouxe uma série de violões, dobros e bandolins para o estúdio. Foi muito divertido fazer o Blackout com a participação dele. O que pouca gente sabe é que esse disco tem uma canção que é parceria minha e dele, chama-se "O Que Você Quer?”.

Logo depois você faz um disco todo elétrico com Luis Carlini, outro grandíssimo guitarrista. A Sessão Sem Fim trazia uma onda diferente. Poderia falar sobre o álbum e sobre o Carlini?

Depois do Blackout, que era um disco inteiramente acústico, quis fazer justamente o oposto, um disco com guitarras elétricas, consistente e pesado. Estava com uma banda que era ideal para esse projeto: Franklin Paolillo na bateria, Carlos Alberto Calasans no contrabaixo e Luis Carlini na guitarra. Já admirava o Carlini desde a época que ele tocava com o Tutti Frutti, foi o guitarrista certo para o disco certo.


O Eric Burdon gravou algumas músicas suas. Como a sua música chegou até ele? Chegou a conhecê-lo pessoalmente ou viu algum show dele? Sempre o considerei o vocalista mais versátil do rock, podendo cantar rock, blues, soul, funk, etc. 

Sim, o Eric Burdon gravou duas músicas minhas e fizemos uma em parceria. Já o conhecia antes da gravação do disco dele, já havíamos trabalhado juntos. Ele participou do disco do Camisa de Vênus, Quem é Você? (1996), isso lá pelo meio dos anos 1990. Depois viramos amigos, nos gostamos e nos respeitamos até hoje.

Bicho, essa pergunta eu PRECISO FAZER: A Sílvia existiu de verdade ou ela foi uma mera criação artística?

A pessoa, a figura Sílvia, nunca existiu. A letra estava lá e precisava de um nome, acabou que foi Sílvia, mas poderia ser qualquer outro.


O seu disco O Galope do Tempo (2005) é MUITO BOM! Poderia falar sobre ele?

O Galope do Tempo é um disco diferenciado na minha carreira porque ele traz dezesseis canções, todas elas sobre o mesmo tema: a minha passagem através do tempo. É um disco autobiográfico de cunho existencial, acabou se tornando um marco na minha carreira.

Um dos motivos para você virar roqueiro foi ter visto Raulzito e os Panteras. Anos depois vocês gravaram A Panela do Diabo. Ele já estava bem baleado de saúde. Como nasceu o projeto? Poderia falar sobre o convívio curto com o Raul?

O início da minha turnê com o Raul surgiu de um convite para irmos à Bahia fazer um show de lançamento para o meu primeiro disco solo. Ele aceitou e deu uma canja. Após o término do show, combinamos mais dois ou três shows... e acabaram virando cinquenta!


Seus últimos registros foram 12 Fêmeas (2013, solo) e Dançando na Lua (2016, com o Camisa de Vênus). Planeja algum novo registro no estúdio? 

Compor é o meu ofício, então nunca fico sem escrever, sem pegar no violão. Estou sempre tentando escrever novas canções, é um trabalho e eu adoro trabalhar.  

Marcelo, muito obrigado pelo papo. Tu é um cara que eu considero demais! No seu próximo show aqui no Rio de Janeiro espero que possamos tomar um álcool e escutar um disco do Bruce Springsteen, We Shall Overcome: The Seeger Sessions, ou do Black Crowes, Before the Frost … Until the Freeze, todos folk rock/americana! Manda teu recado para os leitores do Coluna Blues Rock!

Ok! É isso aí, um abraço a todos da Coluna Blues Rock!



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