O que ler sobre David Bowie em português?


David Bowie foi, sem sombra de dúvida, uma das figuras mais icônicas não só da história do rock como da música como um todo. Seus inúmeros alter egos e a maneira peculiar como renovava sua imagem renderam a ele o título de Camaleão do Rock. O legado de Bowie hoje pode ser visto não apenas na música mas também na moda e no cinema, graças à sua relação com o pintor e cineasta Andy Warhol.
            
Como qualquer ícone marcante da história não faltam livros falando sobre a vida de Bowie, sua obra musical, vida pessoal e seu legado. Alguns bons, outros nem tanto. Mas quando se trata de Brasil as coisas ficam um pouco mais complicadas, pois a bibliografia camaleônica é um pouco escassa por aqui.
            
Lembro-me que, nos meses iniciais do grupo da Collectors no Facebook, um dos membro estava fascinado pois acabara de ter seu primeiro contato com a obra de Bowie e ao mesmo tempo inconformado por ter passado tantos anos de sua vida sem dar a devida atenção a ele. Pois bem, o amigo colecionador estava comprando diversos materiais do Bowie e, entre eles, pedia recomendação de boas biografias lançadas aqui no Brasil. Como um bom fã do Camaleão dei minha pequena contribuição e indiquei algumas leituras que agora faço questão de compartilhar com vocês. A bibliografia sobre David Bowie é imensa, mas meu intuito aqui é indicar os livros lançados em português e que tive o prazer – ou não – de ler.

Bowie: A Biografia, de Marc Spitz

Um livro para iniciar na vida de David Bowie e conseguir se orientar e ter um panorama geral da carreira do cantor e dos cenários onde tudo ocorreu. Nesta obra, o já experiente jornalista musical Marc Spitz apresenta a vida de Bowie de uma maneira um tanto quanto inusitada. No livro podemos encontrar muitos depoimentos valiosos como o da ex-esposa Angie Bowie falando sobre o boato de Bowie e Jagger terem dormido juntos; o depoimento de Tony Defries, ex-produtor que foi acusado de ter roubado uma boa parcela do dinheiro de Bowie; assim como entrevistas com o guitarrista Mick Ronson e os cantores Lou Reed e Iggy Pop, fundamentais parceiros de Bowie em suas principais conquistas. Porém, faltou uma peça-chave nesse meio: uma entrevista com o próprio Bowie. Todas as falas do cantor presentes no livro são claramente reproduções do que Bowie falou para outros veículos de informação. Spitz também erra ao misturar seu papel de biógrafo com sua vida pessoal, escrevendo em muitas partes do livro como foram suas experiências com a música de Bowie ao longo de sua adolescência. O ponto alto do livro é a maneira perspicaz com que Spitz contextualiza a rivalidade entre David Bowie e Marc Bolan, do T.Rex.

Bowie: A Biografia funciona muito bem para um iniciante ter dimensão de um dos maiores superstars britânicos de todos os tempos. Um livro que, apesar das falhas na edição e dos erros grotescos de tradução, merece ser lido para se ter ideia de como uma pessoa pôde ser capaz de se reinventar constantemente e influenciar uma extensa geração.



David Bowie: A Biografia, de Wendy Leigh
           
Este seria o último livro que eu indicaria para um fã interessado na vida e obra musical de David Bowie. Na verdade, uma das piores biografias sobre o astro já escritas. Do começo ao fim a sensação é a de que se está lendo um tabloide britânico com as notícias mais quentes da semana, só que com foco exclusivo na vida pessoal e íntima de David. Muitos aspectos do livro prendem uma atenção excessiva à vida sexual do cantor, indo de relatos sobre como Bowie era charmoso, sensual, bem dotado e bom de cama. Outro ponto negativo é o fato de que a autora, em muitas passagens, deixa a entender que Bowie não passava de um aproveitador preocupado apenas em como alcançar o estrelato. Nesta obra, a carreira musical de Bowie sequer estrela em segundo plano. Foi completamente omitida, aparecendo de maneira extremamente superficial em algumas passagens. Talvez o livro possa ser atraente para aqueles que tem um interesse maior em discussões de gênero e sexualidade e como David Bowie foi peça fundamental nesse xadrez. Mas, em termos de música, decepciona.



David Bowie: Uma Vida em Canções, de Rob Sheffield

Apesar de ser considerado uma biografia, o objetivo do livro não é contar todos os passos de Bowie desde seu nascimento até seus últimos dias. A perspectiva que Sheffield nos apresenta sobre a vida de Bowie é limitada, mas nada que comprometa o entendimento geral da leitura. Muito mais que uma simples biografia, Sheffield, experiente jornalista da Rolling Stone, nos presenteia com uma bela homenagem ao Camaleão, revivendo e explicando momentos cruciais da vida do cantor através de suas canções, desde a descoberta do glam rock até o álbum Blackstar. É um livro escrito de fã para fã.

Sheffield também faz uso de suas experiências pessoais para narrar as diferentes fases da carreira de Bowie, mas, diferentemente de Spitz, em nenhum momento isso interfere com o objetivo principal da obra. Sheffield explora um álbum por capítulo, mas sem se prender à cronologia. A ida e volta no tempo dá ao livro uma característica e uma perspectiva completamente diferentes de outras obras comuns que foram lançadas sobre o cantor. A maneira apaixonada como Sheffield desenvolve a narrativa ganha uma profundidade poética e um tom descontraído de um bate-papo com aquele velho amigo apaixonado por música. Sem sombra de dúvida este é o melhor livro sobre David Bowie lançado no Brasil, ao lado da obra de Peter Dogget.



David Bowie e os Anos 70: O Homem que Vendeu o Mundo, de Peter Dogget

Temos aqui uma obra que usa Bowie como ponto de partida para uma reflexão histórica. Muito mais que uma análise de sua carreira, o livro é uma reflexão sobre todo o cenário efervescente dos anos 1970 tendo David Bowie como principal referência. Dogget faz questão de mostrar a total oposição de Bowie aos ideais hippies dos anos 1960 e como ele já estava muito à frente do seu tempo gravando Space Odity. Além do mais, fica claro como Nietzsche, Aleister Crowley e Rad Bradbury exerceram uma enorme influência na obra do vocalista durante o período.

Talvez um ponto que possa dividir as opiniões acerca do livro é que Dogget não poupa esforços ao fazer inúmeras referências às construções harmônicas das obras de David Bowie. Dessa forma, aos que tem uma familiaridade maior com harmonia funcional, cifras e acordes vão ter um aprofundamento maior na leitura, mas isso não é algo que irá atrapalhar a experiência daqueles que não tem conhecimento técnico na área. Uma boa consequência disso é que, para músicos assim como eu, a vontade é de parar de ouvir as músicas e tentar executá-las imediatamente.

O Homem que Vendeu o Mundo é uma obra erudita, repleta de preciosas informações a respeito do astro e do cenário cultural dos anos 1970.



Dangerous Glitter: Como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop Foram ao Inferno e Salvaram o Rock 'n’ Roll, de Dave Thompson

Esta não é uma obra exclusiva sobre David Bowie, mas é uma leitura essencial para qualquer fã, além de ser um excelente complemento ao livro citado anteriormente. Ele começa no ano de 1971, na Factory, ateliê de Andy Warhol, onde os três maiores nomes da contracultura dos anos 1970 se conheceram. Através de várias entrevistas e uma pesquisa extremamente cuidadosa, Thompson desenvolve um trabalho de caráter histórico, principalmente hoje, quando dois dos personagens principais não estão mais entre nós. O livro traça destinos completamente improváveis e mostra o exato momento em que essas estrelas passam a atrair a atenção do movimento punk, recolocando o rock de volta na história.

Outros livros sobre David Bowie foram lançados em português, como David Bowie Está Aqui da Cosac Naify e o livro do Mike Evans lançado no Brasil pela PubliFolha, porém não posso falar de obras que ainda não li. Mas fica aqui uma pequena lista do que vocês podem encontrar para ler sobre o Camaleão em português. Boa leitura e muito som!

Por André Carvalho

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