O trabalho revolucionário de Tom King


Nos últimos anos, o escritor Tom King escreveu algumas das histórias em quadrinhos mais influentes da década. Seu estilo de escrita é uma mistura de capaz de agradar a gregos e troianos e fez com que ele trabalhasse em praticamente todas as grandes editoras.

Com graduações em história e filosofia na Universidade Columbia e uma carreira como agente da CIA, o autor se aposentou para escrever um romance realista de super-heróis, A Once Crowded Sky (Um Céu que Costumava Estar Cheio, ainda sem tradução no Brasil) e foi rapidamente contratado pela Marvel e DC, mas esta não foi sua primeira incursão no mundo dos quadrinhos.

Nos anos 90, King havia sido estagiário da Vertigo, em que pode trabalhar com Garth Ennis, responsável por Preacher, um dos quadrinhos preferidos dos brasileiros. Na Marvel, atuou como assistente do lendário Chris Claremont — um dos maiores autores de X-Men da história.

Esta junção de influências e backgrounds distintos, que incluem trabalho prático e teórico em diversos campos, fez com que as histórias de King alcançassem níveis de realismo e profundidade raramente encontrados.


A série atual da DC vê Dick Grayson, o primeiro Robin e ex-Asa-Noturna/Batman, trabalhando como agente secreto da agência Espiral ao mesmo tempo em que atua como informante do Batman.

Séries de espiões normalmente envolvem blefes e diversos tipos de táticas comuns ao poker e uma parte importante da trama de um dos filmes da última geração do James Bond com Daniel Craig já foi dedicado a uma partida. Aqui não é diferente e diversas vezes Grayson precisa agir como um competidor de poker cuidadosamente pesando as suas escolhas e decisões. Isso é uma metáfora perfeita, pois o poker, que é fácil de aprender, mas difícil de dominar, envolve calcular as chances para cada mão, algo que ele tem que fazer em todas as suas missões secretas a serviço da Espiral para não alertá-la das suas verdadeiras motivações como agente duplo do Batman.

Devido ao grande nível de perigo envolvido, o próprio ingresso do agente na companhia foi uma aposta friamente calculada do Cavaleiro das Trevas, que impressionaria até mesmo grandes campeões do esporte das cartas como Dominik Nitsche, para descobrir quem estava por trás da organização.

Apesar de toda a seriedade e ao contrário do Batman, Grayson tem um senso de humor e isto transparece durante a história. Há uma grande quantidade de humor sarcástico envolvida durante as conversas do protagonista, especialmente fora das missões, que faz até mesmo com que a série lembre um pouco o primeiro filme dos Kingsman.

Mesmo com as doses humorísticas, as missões do personagem e todo o seu trabalho são sérios e tocam em temas delicados e com grandes consequências para todos os personagens envolvidos. 

Todos eles são tridimensionais e Helena Bertinelli, a companheira de equipe de Grayson, é uma ótima introdução ao universo DC como mulher forte e autoconfiante capaz de resolver todo e qualquer tipo de problema.

Finalmente, a experiência de King como agente da CIA transparece em diversas páginas e mesmo com vilões tradicionais de super-heróis toda a trama tem um tom de realismo próximo ao do filme Capitão América: Soldado Invernal.

Grayson já foi publicado no Brasil pela Panini e é possível adquirir praticamente todas as histórias de King para o personagem.


Com uma trama que lembra uma versão mais adulta da luta de Star Wars, em The Omega Men, vemos rebeldes intergalácticos se unirem a Kyle Rayner, um membro dos Lanternas Verdes, para derrubar um Império. Os personagens são uma espécie de versão mais séria e realista dos Guardiões da Galáxia. Todos possuem histórias complexas e bem desenvolvidas, com nuances e vários tons de personalidades que se complementam e falam de diferentes motivações para lutar.

Toda a trama faz com que o leitor questione constantemente as motivações e táticas de todos os lados do conflito e as frases do psicólogo e autor americano William James, um dos principais fundadores do pragmatismo, ao final de cada capítulo complementam as ideias expostas na história em quadrinhos e dão uma profundidade filosófica ainda maior à obra.

Sem revelar spoilers, o final e os epílogos são uma culminação épica de tudo que foi desenvolvido até lá e deixam uma sensação muito real e ambígua de triunfo e derrota em uma das melhores histórias em quadrinhos da década.

The Omega Men infelizmente ainda não foi traduzido no Brasil, mas é possível adquirir a versão completa de 12 edições da série em inglês.



King assumiu o manto do Cavaleiro das Trevas após a excelente série de Scott Snyder, um trabalho difícil para qualquer um, mas que o autor tem realizado de maneira excepcional. Nos primeiros volumes o tom do personagem ficou mais sério e sombrio como não se via há tempos, e as histórias ganharam batalhas cada vez mais heroicas e com alto nível.

A galeria impressionante de vilões do Batman fez uma aparição incrível e o fato de King ter utilizado Bane, um dos únicos a causar danos reais ao Homem-Morcego em toda a história, como um dos principais vilões, foi uma jogada excelente.

Apesar de tudo isto, o maior destaque realmente fica para as edições recentes do “Superencontro”, em que Bruce Wayne e Selina Kyle, que atualmente estão noivos, se encontram numa espécie de “encontro de casais” com Clark Kent e Lois Lane. 

O contraste de luz e escuridão e a grande questão sobre o que realmente é justiça entre Batman e Superman sempre foi um dos grandes ícones da DC. Normalmente os heróis são vistos em confronto direto, mas aqui o escritor conseguiu uma maneira íntima de explorar a relação entre eles que joga todo um novo olhar sobre ela. 

King entende as visões de mundo que tornam os dois antagonistas em parceiros e consegue expressá-las em poucos quadros de uma forma nunca antes vista em qualquer outro quadrinho e que simplesmente não pode ser descrita de outra maneira que não genial.

É possível adquirir grande parte destas edições do Batman já traduzidas no Brasil.


Com o intuito de se tornar o mais normal possível, o famoso membro dos vingadores Visão retornou ao laboratório do Ultron, em que havia sido criado originalmente, para construir uma família completa que pudesse tornar sua vida mais humana.

Além das relações familiares, o grande destaque fica para o relacionamento complexo e bem desenvolvido entre o Visão, sua esposa atual e sua ex-esposa Wanda Maximoff, conhecida como Feiticeira Escarlate. A própria mente da atual, uma androide similar ao Visão, foi criada por ele a partir da personalidade da Feiticeira e a primeira sabe disto. As tensões emocionais resultantes, especialmente relacionadas a lidar com as sombras de um passado que insiste em escurecer o presente, dão a tudo um ar dramático digno das maiores tragédias gregas.

Novamente, sem revelar qualquer tipo de spoiler, é possível afirmar tranquilamente que o final desta história vencedora do Prêmio Eisner, que provavelmente será considerada uma das melhores já escritas, é uma espécie de soco no estômago que deixaria emocionado e praticamente à beira de lágrimas até mesmo um androide sem sentimentos.

As primeiras seis partes da premiada série já estão disponíveis para leitura em português e as últimas seis devem ser lançadas em breve. Apesar disto, existe uma versão capa dura da edição americana que realmente vale a pena para os colecionadores mais sérios.


Em mais uma série com enredo e trama devastadores, aqui King utiliza ao máximo sua experiência como ex-agente da CIA para retratar a história de um agente americano e um policial iraquiano procurando por respostas em Bagdá, capital do Iraque, em pleno 2003.

As cenas e os diálogos não apenas parecem como soam reais, e é possível perceber que elas são o fruto de alguém que realmente vivenciou na pele este tipo de experiência única.

Os personagens são carismáticos e suas motivações são críveis, tornando os acontecimentos, especialmente os mais dramáticos, ainda mais realistas e impactantes.

Um dos dramas criminais mais bem realizados nos últimos anos, e um dos mais bem desenvolvidos e realistas em toda a mídia dos quadrinhos, a trama é tensa e bem amarrada.

Xerife da Babilônia também já foi completamente traduzida e está disponível no Brasil em duas edições.


O que o futuro reserva? 

Desde 2016, King assinou um contrato de exclusividade com a DC e passou a trabalhar exclusivamente nos títulos da editora, dando continuidade ao seu trabalho com o já mencionado Batman e criando novas histórias incríveis como a edição especial de inverno gigante do Monstro do Pântano e a atual série do Senhor Milagre, as duas últimas ainda sem tradução no Brasil.

Com suas histórias que já são consideradas clássicos modernos devido a suas formas maduras e complexas para um público mais crescido, o autor tem um futuro muito promissor no mundo dos quadrinhos.

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