Discoteca Básica Bizz #090: Yardbirds - Smokestack Lightning Vol. 1 e Blues, Backtracks & Shapes of Things Vol. 2 (1991)


Dentre as formações inglesas geradas nos anos 1960, o quinteto The Yardbirds sempre foi a mais difícil de se compartimentar. Além de catalisador do blues rock, o grupo inspirou os adeptos do garage sound, colaborou para o advento da psicodelia e estabeleceu as bases das futuras tendências do hard rock e do heavy metal. Sem contar que foi de suas fileiras que saíram três dos principais guitarristas da história: Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page.

Fundado em 1963 a partir do ex-Metropolitan Blues Quartet, o grupo - Keith Relf (voz, gaita), Anthony "Top" Tophman (guitarra solo), Chris Dreja (guitarra base), Paul Samwell-Smith (baixo) e Jim McCarty (bateria) - mudou de nome quando viu o termo "yardbird" (um vagabundo que vivia em meio às estradas de ferro) num livro de Jack Kerouac. A partir daí, com Clapton no lugar de Tophman, consolidariam a fama nas domingueiras do Crawdaddy Club - o mesmo que, pouco antes, havia projetado os Rolling Stones.

Nesta época, o set do quinteto era composto do mesmo rhythm & blues à la Chicago adotado por outros grupos britânicos, mas com uma diferença crucial: suas versões eram mais experimentais e recheadas por improvisos - os rave ups - extra longos. Por outro lado, à medida que Clapton se firmava como solista, seu relacionamento com os colegas deteriorava a olhos vistos. Ferrenho purista do blues, ele preferiu sair quando o grupo resolveu aproximar-se do pop.

Só que o pop dos Yardbirds nada tinha a ver com o feijão-com-arroz das paradas. Com Jeff Beck a banda desenvolveu ousadas pesquisas em estúdio. São os casos de "Still I'm Sad" (derivada de um canto gregoriano do século XIII), cuja profusão de ecos dá a impressão de ter sido gravada numa catedral, e "Heart Full of Soul", um dos primeiros sinais da influência da música hindu no rock - vide a simulação do som de uma cítara feita por Beck através de um pedal fuzz.



Recapitulando este trajeto, as 67 faixas dos CDs duplos Smokestack Lightning Vol. 1 e Blues, Backtracks & Shapes of Things Vol. 2 (ambos lançados pela Sony em 1991) representam virtualmente o melhor dos Yardbirds. No primeiro volume dessa compilação, o enfoque recai nas origens do grupo. Aí estão seu single de estreia ("I Wish You Would” / "A Certain Girl"), as antológicas "I Ain't Got You" e "I'm a Man", takes ao vivo gravados no Marquee Club, coisas inéditas como "Putty (In Your Hands)" (um original das Shirelles), mais a íntegra dos álbuns For Your Love (1965) e Having A Rave Up With The Yardbirds (1965) - esse último com "You're a Better Man Than I" e "The Train Kept a Rollin'", gravadas no mítico estúdio Sun, em Memphis, sob supervisão de Sam Phillips.

Já o segundo volume destaca o concerto que o grupo fez com o bluesman Sonny Boy Williamson em 1963. Só pelas dez faixas que marcaram o encontro estaria garantida a supremacia dessa coletânea sobre as demais do mercado, porém há muito mais: sobras das sessões do álbum Roger, The Engineer (1966), registros raros de um show no Crawdaddy (incluindo versões para "Who Do You Love" e "Let It Rock"), além da torrente de feedbacks de "Shapes of Things" e "Stroll On", documento da aparição do grupo no filme Blow Up, de Michelangelo Antonioni - e um dos poucos registros do ataque dual de lead guitars da dobradinha Beck/Page.

Em suma, tanto pelo aspecto histórico quanto pela qualidade intrínseca do material presente, estas retro-edições se impõem como itens essenciais.

Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz #090, de janeiro de 1993

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