Quadrinhos: Black Hammer - Origens Secretas, de Jeff Lemire e Dean Ormston


Talvez todas as histórias de super-heróis já tenham sido contadas. Quem pensa dessa maneira não está errado em sua totalidade. Em um universo que se retroalimenta e vive ciclos que se repetem de décadas em décadas, é realmente difícil conseguir criar algo original para editoras gigantescas como a DC e a Marvel. É claro que exceções acontecem, e mais recentemente elas tem atendido pelo nome de Tom King, escritor atual do Batman e autor também de Mr. Miracle e Visão, celebradas tanto pelo público quanto pela crítica.

Ao ler Black Hammer, fica claro que nem todas as histórias de super-heróis já foram contadas. E o responsável por nos dar essa certeza é o escritor canadense Jeff Lemire. Autor de HQs aclamadas como O Condado de Essex, O Soldador Subaquático e Sweet Tooth, Lemire tem em Black Hammer um dos seus melhores trabalhos.

Publicada no Brasil pela editora Intrínseca, Black Hammer conta a história de um grupo de super-heróis que, após salvar o dia, fica preso em uma cidadezinha do interior. Eles vivem em uma fazenda e não conseguem ir além dos limites da cidade, que parece ser uma espécie de prisão temporal ou algo do tipo. O grupo é formado por personagens que homenageiam grandes ícones dos quadrinhos. Abraham Slam é uma mistura entre Capitão América, Batman e Superman. Barbalien é uma releitura de Ajax, o Caçador de Marte. A Menina de Ouro é um Shazam às avessas, com uma mulher adulta que retoma a pré-adolescência ao falar a sua palavra mágica. Madame Libélula faz referência às bruxas assustadoras e sombrias dos antigos gibis de terror. Coronel Weird é uma espécie de Adam Strange com um toque de Doutor Estranho. E Talky-Walky é um robô assistente clássico.


O ponto de virada de Black Hammer é que o foco não está nas aventuras desses superseres, mas sim no marasmo que eles vivem em seus cotidianos nessa pequena cidade do interior. Reunidos em uma espécie de família disfuncional, os super-heróis precisam lidar com seus medos, angústias e desejos enquanto estão presos nessa realidade que não sabem muito bem o que é. Alguns vivem o que sempre sonharam e encontram o amor nessa nova vida. Já outros, como a Menina de Ouro, enfrentam dilemas profundos e perturbadores, como ser uma mulher de 50 anos presa no corpo de uma criança de 9. Outro ponto explorado por Lemire é a dualidade de Barbalien, o extraterrestre que não se sente acolhido pelo mundo onde vive e ainda tem essa sensação intensificada ao viver um processo de aceitação de sua sexualidade.

Todo esse universo mostrado por Lemire, obviamente, humaniza os personagens, tirando-os da visão idealizada de super-heróis e colocando-os lado a lado com o leitor, vivendo histórias e situações que não tem nada a ver com Superman e sua turma, mas sim comigo, com você e com a nossa turma. As façanhas do passado, as aventuras que os levaram até onde hoje estão, são contadas em flashbacks que ajudam a contextualizar e aprofundar cada um dos personagens, mas que nunca são o foco principal da história. A força está em momentos como o jantar de família mostrado à certa altura da HQ, que se revela tão ou mais intenso do que uma batalha espacial com um super vilão - ah, e o tal do supervilão que causou toda a destruição que acabou isolando os heróis nesse mundo novo é claramente uma homenagem a Darkseid, até mesmo em seu nome, Antideus.

Outro ponto forte do roteiro é que o tal Black Hammer do título era um dos integrantes do grupo de heróis. Ele surge gradativamente nos flashbacks dos personagens e é sempre tratado, tanto no presente quanto no passado, com um tom referencial. Não ficamos sabendo muito bem o que aconteceu com Black Hammer, a não ser que ele tentou sair da tal cidadezinha e não sobreviveu para contar a história. E isso cria mais um ponto de interrogação na interação entre os personagens.


Como toda obra de Jeff Lemire, Black Hammer possui um forte aspecto emocional. Nascido também em uma cidade pequena, Lemire usa esse recurso de forma recorrente em suas obras, como que explorando os aspectos e idiossincrasias que só quem experimentou a realidade de uma cidadezinha do interior conhece bem. Muito bem escrito, Black Hammer também tem como destaque a arte excelente de Dean Ormston, que, como bem ressalta Lemire no pósfácio, contrasta bastante - e de maneira consciente - com o traço habitual das HQs de super-heróis. Isso faz com que a sensação de ruptura com a linguagem super-heróica fique ainda mais evidente. Aliás, a arte de Ormston é um capítulo à parte, intensificado pelo lindo trabalho de cores de Dave Stewart.

A edição da Intrínseca é irretocável. São 184 páginas reunindo os seis primeiros números da série, em um encadernado impresso em papel couchê e com lombada quadrada. O material vem com um pósfácio escrito por Jeff Lemire, onde ele conta como surgiu a ideia para o título e para os personagens, e como tudo evoluiu com o tempo. Além disso, há também uma galeria de artes. A tradução, assinada por Fernando Scheibe, é excelente, com um ótimo trabalho de adaptação e com um texto bastante fluído. E o mais legal é que a Intrínseca já confirmou que irá publicar também os dois próximos encadernados de Black Hammer ainda este ano: The Event e Age of Doom

Black Hammer é uma HQ magnífica. Se você gosta de quadrinhos, aqui está um presente para a sua vida.

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