Quadrinhos: Maus, de Art Spiegelman


A Segunda Guerra Mundial acabou há apenas 73 anos. Há menos de um século, mais de 6 milhões de judeus foram mortos cruelmente pelo regime de Adolf Hitler, naquele que foi um dos maiores genocídios da história. Maus fala sobre isso, e mesmo com quase quarenta anos de vida, segue atual como nunca.

Escrita e desenhada por Art Spiegelman, Maus é uma graphic novel que conta a experiência do pai de Spiegelman, Vladek, durante a Segunda Guerra. Dos primeiros anos na Polônia, onde a crença de todos era de que o conflito se encerraria de maneira rápida, ao caos de Auschwitz, o quadrinho conta com crueza e sem maiores filtros a trajetória da ascensão do Terceiro Reich e como isso impactou milhões de vidas.

Única graphic novel premiada com o Prêmio Pulitzer, maior reconhecimento que um trabalho jornalístico pode receber, Maus utiliza o antropomorfismo como ferramenta para exemplificar, de maneira ainda mais clara, a situação vivida na época. Assim, os judeus são retratados como ratos, os alemães como gatos, os poloneses como porcos e os norte-americanos como cães. Essa metáfora pode ser entendida também de outra forma, como uma tradução do modo animalesco em que os ditos seres humanos se transformaram e como os judeus foram tratados como animais durante o nazismo.

Art Spiegelman escreveu e foi publicando a história em pequenos fascículos entre 1980 e 1991, e a obra foi compilada em sua totalidade, em uma edição de quase 300 páginas, em 1991. No Brasil, a edição completa saiu pela Companhia das Letras em 2005 e segue em catálogo até hoje.


O que temos aqui é uma história pesada e repleta de momentos fortes, cheia de sentimento e que causa sensações marcantes no leitor. Em diversos trechos, após terminar alguns capítulos mais explícitos, precisei dar um tempo na HQ para assimilar o que tinha acabado de ler. E é justamente essa capacidade de impactar o leitor que torna Maus tão fundamental. A história é contada a partir da relação conturbada de Art com seu pai, já idoso e sobrevivente de campos de concentração. À medida que Vladek relembra sua história, somos apresentados a tudo que ele viveu e experimentou durante a Segunda Guerra, tendo a sua família dizimada e a sua vida alterada de maneira definitiva.

A pesquisa e o trabalho de Spiegelman foram tão profundos que Maus passou a ser adotada em escolas de diversos países europeus, incluindo a Alemanha, como ferramenta de estudo para entender o holocausto e suas consequências. Para ser ter ideia, nenhuma HQ chegou perto de possuir a quantidade de trabalhos acadêmicos produzidos com o objetivo de analisar o seu conteúdo como Maus. Ainda que alguns setores da comunidade judaica até hoje se sintam ofendidos pela escolha do autor em retratar os judeus como ratos, a força da obra e seu impacto na sociedade moderna tornam isso uma discussão menor.

Além do Pulitzer, Maus também foi reconhecida pelos prêmios Eisner, Harvey, Angoulême e inúmeros outros, tornando-se um dos títulos mais celebrados pela crítica especializada em quadrinhos. E todo esse reconhecimento, deve-se dizer, é justo.



Passados pouco mais de 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial e do holocausto nazista, hoje vivemos em um mundo onde ideologias e pensamentos que julgávamos superados estão vindo novamente à tona. Existe toda uma onda de neonazismo nos Estados Unidos e em outros países, além de políticas e ações de combate a minorias em diversos pontos da Europa e do mundo, com o crescimento da xenofobia e outros aspectos preocupantes. Nesse sentido, a leitura de Maus serve também como um alerta a todo o caos que o mundo mergulhou há apenas algumas décadas atrás, experimentando horrores chocantes e que até hoje custamos a acreditar.

Maus é uma obra fundamental e que transcende o universo dos quadrinhos. Seja você leitor de HQs ou não, trata-se de um título cuja leitura é mais do que obrigatória.

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