Discoteca Básica Bizz #099: The Modern Lovers - The Modern Lovers (1976)


Do punhado de pessoas que já ouviram falar em Jonathan Richman, a maior parte delas ficou conhecendo seu nome através da gravação de "Roadrunner", feita pelos Sex Pistols na trilha de The Great Rock ’n' Roll Swindle (1980).

A história do garoto que, com o seu carro em alta velocidade com o rádio ligado se descobriu um "apaixonado pelo mundo moderno", botou os discípulos do levante punk para caçar os discos deste precursor de Boston, Massachussets. Uma missão quase impossível - achar os álbuns de Richman e sua banda, os Modern Lovers - mas que, uma vez cumprida, trazia a recompensa de se encontrar o verdadeiro elo perdido entre o Velvet Underground, os Stooges e a renascença do rock and roll nova-iorquino, que foi puxada pelos New York Dolls no início dos anos 1970.

Nada comprovava melhor o caráter pacifista dos hippies do que o fato de Richman não ter sido linchado no campus da universidade, entre 1970 e 1971, quando - de cabelo bem curtinho - cantava, para todos ouvirem, canções como "I'm Straight" ("Eu Sou Careta"). O garoto era o mais assíduo frequentador de shows do Velvet Underground e dos Stooges e, em pouco tempo, montou os Modern Lovers - pois se "sentia muito sozinho". Junto a Ernie Brooks (baixo) Jerry Harrison (o futuro Talking Heads, nos teclados) e David Robinson (na bateria, depois The Cars), Richman usou como chassis instrumental para as suas peculiaríssimas letras uma propulsão encorpada, simplória mas energética, onde as guitarras e o órgão em uma única camada comandavam a clássica "What Goes On", da banda de Lou Reed e John Cale. A mesma base sonora, não por acaso, dos dois primeiros álbuns dos Talking Heads. Além do que a imagem de rapaz simultaneamente ingênuo e sério retratada nas letras de Jonathan Richman prefigurava a persona "pré-tropicalista" de David Byrne. 

Como letrista, o cabeça dos "amantes modernos" foi insuperável. Em "Pablo Picasso", obtinha a proeza de rimar o nome do pintor com "asshole", no lapidar verso: "Às vezes você tenta ganhar uma garota e ela te chama de cuzão / Isso nunca aconteceu com Pablo Picasso". E existiram poucas baladas românticas tão originais como "Hospital", em que o protagonista amarga a espera da saída da namorada internada. Em 1972 a banda atraiu a Warner, que a levou para Los Angeles, onde gravaram uma demo com John Cale (à esta altura, ex-Velvet e produtor do primeiro álbum dos Stooges) - claro, escolha de Richman.


As gravações arrepiaram os executivos da gravadora e ficaram só acumulando poeira em alguma prateleira até que o selo Beserkley as lançasse, quatro anos depois, em forma de álbum de estreia, capa preta com um coração azul, The Modern Lovers. Apenas duas outras sessões de gravação foram feitas antes de Richman desmontar o grupo original e partir para outra: uma iniciativa auto-produzida num estúdio em Boston, logo após a volta de Los Angeles (da qual algumas faixas engrossam o disco da Beserkley), e outra demo produzida pelo incansável agitador californiano Ken Fowley, em 1973. 

Esta última acabou sendo o segundo único registro dos Modern Lovers, também lançado postumamente, pelo selo inglês Bomp!. Amadorísticas até a medula, estas gravações valem mais como curiosidade e item de colecionador e não chegam perto das produzidas por Cale, estas sim, verdadeiros documentos. Mais até do que os New York Dolls, os Modern Lovers deram um 'too much, too soon' e estavam ao menos quatro anos à frente de seu tempo. Hoje, uma banda como Ween traz uma excentricidade debilóide aparente, embalada em melodias infantis, que é um verdadeiro tributo a Richman, se não for imitação pura e simples.

Richman está à frente de New York Dools, Suicide, Television, Ramones, etc, perdendo em importância só para o Velvet e os Stooges. E ele segue solo cantando a vida no mato, um sorriso e olhos faiscando com uma inteligência que não estamos acostumados a ver no rock and roll e no pop. Uma história antiga: a profecia está cumprida e o visionário vive feliz no casulo quentinho do ostracismo.

Texto escrito por José Augusto Lemos e publicado na Bizz #099, de outubro de 1993

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