Discoteca Básica Bizz #106: Muddy Waters - Folk Singer (1964)


Demorou, mas como já dizia a minha avó: antes tarde do que nunca. Aqui está ele, "apenas" o mais influente de todos os mestres de blues, nascido Mckinley Morganfield em pleno Delta do Mississippi em 1915 e que passou seus 68 anos de vida dedicados de coração ao blues.

Seu estilo de cantar e de tocar guitarra foram imitados por incontáveis artistas, número que só pode se comparar ao de músicas que compôs - uma delas, "Rollin´ Stone", inspirou tanto o nome do famoso grupo britânico como o daquela conceituada revista norte-americana.

Mas uma nota musical de Muddy vale mais do que mil palavras sobre ele. E este álbum, totalmente acústico, é a grande pedida, por ter sido gravado na época em que o bluesman já estava idolatrado por grupos de rock and roll e rhythm & blues dos dois lados do Atlântico como gênio na guitarra elétrica.

Muddy teve álbuns mais famosos do que este, como Muddy Waters Live At Newport (1960) e o "psicodélico" Eletric Mud (1968), ambos discos eminentemente elétricos - como a maioria dos álbuns gravados por ele. Mas Folk Singer é bem adequado para esta época em que todo mundo está ligado no unplugged. Muddy sabia - e demonstrou muito bem aqui - que existe uma diferença entre o tocar alto e ser eloquente.

Bem, que história é esta de chamar um bluesman - e logo um dos mais importantes - de "cantor folk"? Muito simples: Muddy foi descoberto para o público branco em 1941 por uma dupla de pesquisadores do folclore norte-americano, John e Alan Lomax (pai e filho). E vários temas que ele interpretava eram adaptações de canções ou blues folclóricos.



Folk Singer saiu no início de 1964, quando a folk music - território de Bob Dylan, Peter, Paul and Mary e quetais - era o "quente" para os jovens que não gostavam de pop rock (leia-se as maravilhas dos Beach Boys, Phil Spector ou o brega feito pelos Pat Boones da vida, pois a tal da Beatlemania ainda estava para dobrar a esquina nos EUA).

Neste disco, Muddy ora toca e canta sozinho, ora faz dueto com um jovem muito talentoso, Buddy Guy (assim como Waters, outra notória influência de Jimi Hendrix). Em algumas faixas temos a simplicidade e a eficiência do contrabaixista Willie Dixon (um mestre nas produções do selo Chess) e do baterista Clifton James. Há que se falar ainda do co-produtor do álbum (junto a Dixon), o grande Ralph Bass, cujas glórias incluíram o trabalho com feras como Howlin Wolf e os jazzistas Charley Parker e Dizzy Gilespie, além da descoberta de James Brown. 

Das "canções folk" constam a célebre "Good Morning School Girl" e outras que - mesmo soando estranhas para quem só conhece os hits como "Rollin' and Tumblin'" e "Got My Mojo Workin'" - devem ser investigadas por aqueles que se interessam por blues sem toques modernosos (camas de teclados, caixa de bateria em primeiro plano, etc).

Para o verdadeiro blues, um bom violão já é mais do que suficiente, como prova "Feel Like Going Home", o belo clímax do disco, onde Muddy se descabela sozinho no vocal e na slide guitar. É aqui que ele demonstra ser a melhor transição entre Robert Johnson e os bluesmen dos anos 1960. 

Enfim, como diz o texto que está na contracapa do Folk Singer: "Não importa se Muddy é folk ou blues, o importante é ouvi-lo".

Texto escrito por Ayrton Mugnaini Jr. e publicado na Bizz #106, de maio de 1994

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