Discoteca Básica Bizz #118: John Coltrane - A Love Supreme (1965)


Eleito Disco do Ano pela crítica especializada quando lançado em fevereiro de 1965, consagrado hoje por jazz rappers (na coletânea Red, Hot & Cool), A Love Supreme, a obra-prima de John Williams Coltrane (1926-1967), ultrapassa os limites de seu estilo e tem uma sintonia extraordinária com os anos 1990. Talvez por ser um exemplo raro de expressão da espiritualidade na música moderna, Coltrane permanece a grande referência de todo músico interessado em desenvolver as técnicas de improvisação e, com isso, expressar "algo mais" por meio de seu instrumento.

Nos anos 1950, John Coltrane cruzou seu sax tenor sucessivamente com os trompetes de Dizzy Gillespie e Miles Davis e com o piano de Thelonious Monk. Com o primeiro aprendeu a lidar com influências musicais do resto do mundo. Com o segundo chegou à perfeição formal de sua expressão, enquanto o terceiro ensinou-lhe a ousadia. Além de gravar discos tão importantes quanto Kind of Blue (com Miles em 1959), Coltrane forjou uma técnica musical revolucionária que lhe permitiu explorar tonalidades nas escalas altas e desencadear avalanches de harmonias em níveis inéditos.


Fruto do trabalho de aprimoramento em conseguir alcançar estados de puro transe obsessivo, essa técnica de execução: (1) levou o instrumentista a tocar solos cada vez mais longos; (2) fez com que os músicos de seu conjunto tocassem simultaneamente linhas melódicas diferentes, o que acabou desembocando no free jazz, movimento do qual Coltrane foi mentor; (3) facilitou as combinações de sua música com as escalas orientais, as texturas sonoras e os ritmos vindos da Índia e da África.

Alternando o sax tenor e o soprano a partir de 1960, na busca de um leque maior de cores, Coltrane alcançou a plenitude artística ao formar seu quarteto definitivo: Elvin Jones (bateria), McCoy Tyner (piano) e Jimmy Garrison (baixo), algo expresso nas quatro peças de A Love Supreme, onde mescla a energia do bop e a suavidade do cool. Os temas criam uma nova ordem modal, onde silêncio, texturas e moods valorizam-se numa estrutura aberta, livre. Coltrane administra o caos para instaurar uma dimensão cósmica.

Trinta anos depois, as possibilidades do disco ainda estão para ser exploradas, enquanto o pop enfrenta um tremendo impasse criativo.

Texto escrito por Jean-Yves de Neufville e publicado na Bizz #118, de maio de 1995

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