Show: Blackberry Smoke | 10 de maio de 2019 | Opinião | Porto Alegre


Quando conheci o Blackberry Smoke, eu ainda chorava o fim precoce do Black Crowes. Sim, eu sou uma das eternas "viúvas" que continuam a lamentar a falta do corvaiêdo da Georgia, que após uma longa novela, finalmente encerrou as atividades de forma definitiva em 2015. Alguns talvez não saibam, mas Chris Robinson é uma espécie de padrinho do BBS, pois foi ele quem batizou o quinteto. Além de conterrâneo, o atual Chris Robinson Brotherhood também é amigo de Charlie Starr, líder dos fumacentos. E no meu ponto de vista, é exatamente nessa lacuna deixada pelo fim dos Crowes que surge o Blackberry Smoke, uma daquelas bandas que parecem deslocadas no tempo, com os pés fincados mais no passado do que no futuro do rock. Afinal, que droga de futuro é esse?

Assim, dentro de gigantesco espectro do rock mundial, dá pra dizer que o Blackberry Smoke é uma banda nova, mesmo que arraigada principalmente na geografia do rock dos anos 1970. Eles soam mais antigos do que são. Em 17 anos lançaram seis álbuns, operam numa média de 1 disco full lenght a cada dois anos e meio. Não tão conhecidos do público brasileiro, tê-los por aqui, no Opinião, foi a chance imperdível de vê-los justamente num período em que o grupo parece estar prestes a decolar rumo ao cume. Isso ficou muito claro ao assisti-los cara a cara. 



O southern rock é a chave-mestra que abre a caixa sonora do BBS. Falando em paralelismos, dá-lhe ligações com o que já ouvimos do Lynyrd Skynyrd, The Marshall Tucker Band, The Almann Brothers Band, o já citado Black Crowes, entre outros. Não que haja chupadas ou conexões diretas com bandas/artistas e a herança sulista do rock (e isso até acontece), porém, o mais importante - eles já encontraram caminho próprio, fora da trilha embarrada de seus heróis. Porém, essa lama continua sendo repassada através da trajetória do grupo. E não há nada errado nessa intenção - pelo contrário, que outra banda poderia representar esse emblema com tamanha identidade?    

A Find A Light Tour retorna à ativa especialmente para os shows no Brasil. Retorna porque o BBS estava correndo os EUA com a Break It Down Acoustic Tour, totalmente na vibe do EP The Southern Ground Sessions (2018). Desse modo, eles novamente plugam seus instrumentos na eletricidade. "As performances acústicas são legais pelos espaços vazios, musicalmente. Elétrico é bacana pelo volume e poder", disse Charlie Starr a Homero Pivotto Jr da Abstratti (leia a entrevista aqui). Um detalhe a mais: os shows que antecederam a chegada do grupo ao país - Bogotá (5) e Lima (7) fizeram a abertura da Living Dream Tour, nova vinda ao continente de Slash + Myles Kennedy & The Conspirations. Sorte nossa que os shows do Blackberry por aqui estão descolados dessa associação, assim, ao invés de assistirmos um set mirrado, com cerca de sete ou oito músicas, em Porto Alegre, por exemplo, tivemos um show completo, assim como foi um dia antes (9) em Curitiba.



20h. No palco, além de Charlie Starr (vocais e guitarra), cá estão - Paul Jackson (guitarra e voz de apoio), Brandon Still (teclados), (baixo e voz de apoio) e Brit Turner (bateria), juntos há quase vinte anos, com exceção de Still, na banda desde 2009. O setlist é formado principalmente por temas dos álbuns The Whippoorwill (2012), Like an Arrow (2016) e o recentemente lançado Find a Light (2018), fontes sonoras que adicionam o combustível mais inflamável do que veremos.

A poucos metros do palco, a impressão de vê-los ao vivo parece promover um instantâneo déjà-vu em nossos olhos/ouvidos, resquícios estéticos/sonoros que inevitavelmente nos jogam rumo ao delicioso caleidoscópio musical dos anos 1970. Sabe aquela recorrente lembrança de que você já teve diversas relações paralelas com algumas das canções? Essa sensação aumenta quando recortes de clássicos como "Things Goin' On" (Lynyrd Skynyrd), "It's Only Rock N' Roll" (Rolling Stones) e "Come Together" (The Beatles) surgem como enxertos amarrados aos temas do grupo, e claro, sempre daquele jeito descolado, sem forçar a barra. E o Blackberry Smoke nunca força a barra. 

Charlie Starr é o centro das atenções - óculos escuros, cachecol enrolado no pescoço, jaqueta jeans estonada perfeitamente ajustada ao corpo esguio - um clichê ambulante do rock. Além de ser líder e principal compositor do quinteto, Starr é também o dono da bola nos riffs, solos e na movimentação de palco. E que guitarrista! Perfeccionista, troca de instrumento entre uma música e outra, da mesma forma que alterna timbres e texturas, além de ser o senhor de uma das vozes mais respeitadas do rock atual. Toda a banda precisa de um líder, um feiticeiro, alguém que seja o centro das atenções, que atue como interlocutor com o público, que saiba conduzir uma apresentação, nos prepare para o clímax, e, consequentemente, nos contamine com toda a energia do espetáculo. No caso do BBS, esse xamã é Charlie Starr.






Na outra guitarra, o sorridente Paul Jackson, maquinador de bases aparentemente invisíveis, porém responsável por backing vocals certeiros, apoio que sempre surge encaixadíssimo nos refrães. Já os barbudos Richard Turner (baixo) e Brit Turner (bateria) formam não só uma cozinha digna das grandes duplas do gênero - eles também encarnam a estampa clássica do imaginário southern. E nunca deixe de prestar atenção em Brandon Still, dividindo sua atuação entre um teclado Wurlitzer, Yamaha e um órgão Hammond A-101. Responsável por diversas harmonizações e panos de fundo, Still ainda provoca interessantes aberturas em solos e recortes de canções.

No setlist, destaque para aquelas músicas que já estão na boca do povo, temas como "Six Ways to Sundays", "Run Away From It All", "Restless" e "One Horse Town", instantâneos em que o público gaúcho com orgulho dá claras demonstrações de como os hits do Blackberry Smoke já estão na ponta da língua. "Waiting on a Thunder" é puro hard rock na sua forma mais faiscante, perfeita para incendiar a massa. Outro ponto alto da noite passa pelo pop/rock "Rock and Roll Again", homenagem explícita à banda coirmã Georgia Satelittes. A audiência também deu o seu show particular.  



"Medicate My Mind" e a interminável "Sleeping Dogs" possuem aquela vibe vianjandona que os fãs da psicodelia se deliciam sem moderação, assim como "Free on The Wing", bela homenagem a Gregg Allman, lega um tributo legítimo a um dos maiores ídolos do gênero. Já "I'll Keep Ramblin'", pérola do álbum Find a Light, incorpora o melhor do BBS - riffs dobrados de guitarra, aditivos apimentados de blues, country, rock e gospel, um encontro musical capaz de transportar o espectador para um universo paralelo, um lugar aonde a verdadeira música sempre irá triunfar.

No bis, "Flesh and Bone" parece nos reenergizar com sua potência sonora chumbada pelo blues/rock. A pergunta é: será que precisava tocar uma versão de "Three Little Birds" (Bob Marley)? Em Curitiba a releitura no bis foi "You Can't Always Get What You Want", dos Stones. Okay, tudo certo! Não há regras no mundo da arte, assim nasce o southern reggae. O golpe final arrendonda as coisas com "Ain't Much Left of Me", grand finale que nos deixa saudosos bem antes que o último acorde decrete o fim do show. Luzes que se acendem, em poucos segundos o quinteto se despede, sem fotos posadas para as redes sociais ou uma histórica ovação pré-programada e previsível. Afinal, o próximo vôo até o centro do país os espera, última data do mini tour, com show na capital paulista no dia seguinte, sábado 11/05.    

Eu não tive o prazer de assistir ao vivo Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd, The Marshall Tucker Band e várias outras bandas/artistas representativos do rock sulista estadunidense, mas posso afirmar: a experiência de ter presenciado ao vivo o Blackberry Smoke parece me aproximar de todo esse legado. Que o quinteto de Atlanta voe ainda mais alto. Eles estão preparados para chegar ao topo. Nos reencontraremos em breve, no futuro.



Nossos agradecimentos a Abstratti Produtora pelo suporte e credenciamento. Agradecimento especial a Homero Pivotto Jr (Abstratti).      
   
Setlist:

Fire in The Hole 
Six Ways To Sunday
Good One Comin'
Working for a Working Man
Waiting on a Thunder
Crimson Moon
Rock and Roll Again/ It's Only Rock N' Roll (But A Like It)
Medicate My Mind
Sleeping Dogs/ Come Together 
Run Away From It All
Ain't Got The Blues
Things Going On/ Restless
Free On The Wing
Everybody Knows She's Mine
One Horse Town
I'll Keep Rambling

Bis:

Flesh and Bone
Three Little Birds/ Ain't Much Left of Me

Por Márcio Grings
Fotos por Pablito Diego

Comentários