Discoteca Básica Bizz #179: Santana - Abraxas (1970)



Duas e meia da tarde de sábado, 16 de agosto de 1969, em pleno festival de Woodstock, perante uma multidão de hippies alucinados encharcados de chuva e lama. Um sexteto semi-desconhecido, formado no bairro latino de San Francisco e liderado por um guitarrista mexicano de 22 anos, sobe ao palco principal - onde desfilam nomes como Jimi Hendrix e The Who - e praticamente hipnotiza a plateia com uma levada percussiva frenética, misturando ritmos afro-latinos e duelos entre os riffs afiados de guitarra e órgão. O delírio é total ao som de "Soul Sacrifice".

Quando mudou-se do México para a California em 1964, o guitarrista decidiu montar o combo The Santana Blues Band. Em vez de adotar o som psicodélico, tão em voga na época, o grupo tomou um rumo diferente, incrementando a parte percussiva com a inclusão de dois mestres dos tambores: Mike Carabello e o nicaraguense José "Chepito" Areas. O resultado foi acachapante e logo Santana foi criando um culto local, com uma série de concertos no Fillmore West, do empresário Bill Graham. Por meio dele, conseguiram a apresentação histórica em Woodstock, além de um contrato com a gravadora Columbia. Registrado às pressas, para aproveitar o sucesso repentino da banda, o álbum homônimo de estreia (1969) revelava todo o balanço latino definitivamente incorporado ao pop rock pelo grupo.


O passo seguinte foi fazer um álbum que transmitisse a energia transbordante daquelas levadas afro-latinas de uma forma mais acurada. Assim foi gerado Abraxas, onde a banda parecia estar totalmente à vontade em estúdio para conceber sua obra-prima. A começar do suingue etéreo da abertura, "Singing Winds, Crying Beats", passando pela dobradinha "Black Magic Woman / Gypsy Queen" (respectivamente do ex-Fleetwood Mac Peter Green e do guitarrista de jazz húngaro Gabor Szabo) e por "Oye Como Va" (recriação de um antigo hit do astro da salsa, Tito Puente), o disco é uma sucessão de ritmos contagiantes, quando não inusitados.

Basta notar "Incident at Neshabur" (parceria de Santana com Alberto Gianquinto, pianista de blues e integrante do partido radical Black Panthers), onde começa a aflamar toda a inclinação para o jazz rock que iria orientar os trabalhos posteriores do guitarrista, ou então o lirismo extremado traduzido pelos solos lânguidos de "Samba Pa Ti". Chepito Areas também deixa sua contribuição em dois temas de destaque: no peso de "Se A Cabo" e na enraizada"El Nicoya".

Ao longo de três décadas de carreira, Santana prosseguiu tendo muito mais prestígio que sucesso. Esta situação se inverteu em 1999, quando seu álbum Supernatural (com canjas de Lauryn Hill, Wiclef Jean, Everlast e Eric Clapton, entre outros) venceu o prêmio Grammy em nove categorias. Seria uma reapresentação do velho mariachi do rock às novas gerações? Pode ser, mas o certo é que o cara já fazia autêntica world music muito antes do termo existir.

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #179, de junho de 2000


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