Review: Gary Clark Jr. – This Land (2019)



Desde que Blak and Blu foi lançado mundialmente pela Warner Bros. Records em 2012, o nome do norte-americano Gary Clark Jr. tornou-se logo um entre os maiores do blues nesta última década, e não foi por menos: sua adição fenomenal de elementos de rock, pop, soul, R&B e hip-hop foi simplesmente muito bem feita e virou uma referência de como um ritmo tradicional pode se modernizar sem necessariamente perder sua essência. O álbum de estúdio seguinte, The Story of Sonny Boy Slim, lançado em 2015, conseguiu a proeza de aperfeiçoar o a fórmula em uma verdadeira viagem em grande estilo por todos os gêneros abordados antes, e após quatro anos ele nos traz mais um registro que cimenta sua posição como um dos grandes nomes de sua geração: This Land.

Abrindo com a faixa que dá nome ao álbum, Gary nos apresenta logo de cara uma das canções mais sérias e marcantes de sua carreira, com uma letra que denuncia as tensões raciais ainda presentes nos Estados Unidos e que voltaram a se elevar após a eleição de Donald Trump, contando com uma ponte e um refrão que apesar de facilmente cantaroláveis carregam um fortíssimo tom irônico. O clima se ameniza um pouco na faixa seguinte, “What About Us”, que carrega um tom mais voltado para o hard rock e que casa perfeitamente uma letra que questiona mudanças e conflito de gerações.

“I Got My Eyes on You (Lock and Loaded)” é a primeira balada do álbum e apresenta uma excelente mistura de blues com um toque moderno bem próximo do soul, com um forte apelo radiofônico e um inspirado solo de guitarra. “I Walk Alone” segue uma linha um pouco similar como balada, voltando um pouco mais para o terreno do rock e guiada principalmente pelo excelente trabalho conjunto da guitarra e da voz, esta em tons de falsete. Em “Feelin’ Like a Million” há uma interessante mistura com o reggae que dá um dos tons mais descontraídos e interessantes do álbum, um clima que continua um pouco na faixa seguinte, “Gotta Get Into Something”, que inclusive começa lembrando, entre todas as canções, “Symptom of the Universe” do Black Sabbath, antes de mudar o direcionamento para um número fortemente influenciado pelo rock and roll clássico e o punk rock, num tom bem divertido. A descontração permanece em “Got to Get Up”, onde a influência de hip-hop aparece temperada por metais bem encaixados.

Se aproveitando do clima deixado pelas faixas anteriores, “Feed the Babies” se aproxima novamente do soul e traz mais uma vez o uso da voz em falsete, com um som e uma letra que retomam um tom mais sério e evocam bastante a temática de consciência social eternizada por Marvin Gaye. Essa proximidade do trabalho de Gary Clark Jr. com grandes nomes do soul e do R&B prossegue com um dos seus mais finos exemplos na canção seguinte, a belíssima e romântica “Pearl Cadillac”, a principal balada do álbum e que poderia facilmente se passar por uma faixa inédita de Prince – tanto a guitarra quanto os vocais de Gary aqui evocam bastante alguns dos momentos mais inspirados do gênio de Minneapolis.

“When I’m Gone” traz de volta o clima mais descontraído, ainda em território mais romântico e bem próximo do som mainstream dos anos 1960, com um refrão que é difícil de tirar da cabeça. Na sequência, “The Guitar Man” segue uma linha parecida, desta vez com alguns elementos mais modernos como o uso de efeitos vocais, o que certamente auxilia no clima meio contrastante de “retrô encontra o moderno” proporcionado pela canção, clima esse que sofre uma mudança brusca com a pesada “Low Down Rolling Stone”, onde Gary se volta totalmente para as raízes do blues narrando o dilema do fim de uma relação. Ainda nesse território familiar do blues tradicional rola um breve encontro com o country na curta “The Governor”.

“Don’t Wait Til Tomorrow” é mais uma das baladas do álbum, e das boas, onde voltamos para um clima mais R&B moderno e bem radiofônico, contando com um daqueles refrães contagiantes e carregada por uma melodia vocal impecável. Por último, a melancólica “Dirty Dishes Blues” é mais um número 100% fiel à velha escola do blues, um encerramento bem digno para um álbum que trabalha num vai e vem de emoções e ritmos. Algumas edições ainda contam com as faixas bônus “Highway 71”, que é basicamente uma versão instrumental de “Feelin’ Like a Million”, e “Did Dat”, um número soul/R&B contemporâneo de ar mais relaxante.

This Land, além de atestar mais uma vez o talento de Gary Clark Jr. em mesclar estilos diferentes (mas nem tão distantes assim), também nos proporciona um encontro de elementos clássicos com ares contemporâneos e prova que eles podem caminhar lado a lado e, quando o fazem, nos proporcionam excelentes experiências musicais.

Por Rodrigo Façanha


Comentários

  1. Esse site é fantástico, esperei por muito tempo sua crítica, pra mim o melhor disco do ano.

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