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A geração “eu não sou do rock”: por que os jovens se distanciaram do gênero?


Nos corredores das escolas, nos fones de ouvido no transporte público ou nos vídeos que viralizam nas redes sociais, uma coisa tem se tornado cada vez mais clara: uma nova geração se forma sem qualquer conexão com o rock. Para muitos jovens de hoje, o gênero soa tão distante quanto um filme preto e branco ou uma fita VHS. Eles não apenas não ouvem rock, como frequentemente desconhecem até mesmo seus nomes mais icônicos — Beatles, Nirvana, Led Zeppelin, Queen ou Metallica são, para muitos, apenas nomes que já ouviram por acaso, sem o menor vínculo emocional.

Essa geração “eu não sou do rock” representa uma mudança cultural profunda, marcada por novas preferências musicais, diferentes formas de consumo e um distanciamento natural de um estilo que já foi o epicentro da juventude rebelde.

Por que os jovens se afastaram do rock? 

1. O rock parou de dialogar com a juventude:
Durante décadas, o rock foi o som da revolução, da contestação e da energia juvenil. Nos anos 1960 e 1970, era a trilha sonora dos movimentos sociais. Nos anos 1990, o grunge canalizava a angústia de uma geração desiludida. Mas nos últimos 20 anos, o rock perdeu esse papel de protagonista nas conversas culturais da juventude. Parte disso se deve à falta de renovação em larga escala: o rock passou a falar para os mesmos públicos, sem incorporar novas vozes, linguagens ou influências com a mesma intensidade de outros gêneros.
 

2. O algoritmo molda os gostos:
As plataformas de streaming e redes sociais têm enorme poder sobre o que se ouve hoje. Os algoritmos favorecem o que já está em alta — e, nesse ciclo, gêneros como pop, trap, funk e K-pop ganham cada vez mais destaque. O rock, com sua estrutura mais tradicional de bandas e álbuns completos, muitas vezes não se encaixa tão bem nesse ecossistema fragmentado de hits virais e vídeos curtos.

3. Representatividade e estética:
Gêneros como o pop, o hip hop e o K-pop se tornaram palcos de representatividade para grupos diversos — negros, LGBTQIA+, asiáticos, mulheres — com forte presença estética e visual. Enquanto isso, o rock, em muitos subgêneros, ainda é percebido como um território dominado por homens brancos cis, com estética engessada e pouco diálogo com as pautas atuais.


O que os jovens estão ouvindo?

1. Pop contemporâneo e hip hop/trap:
Artistas como Billie Eilish, Travis Scott, Doja Cat, The Weeknd e Olivia Rodrigo dominam as playlists juvenis. Eles misturam elementos eletrônicos, letras confessionais e produções ultramodernas. Mesmo Olivia Rodrigo, que flerta com guitarras, faz isso com uma roupagem pop e altamente palatável, distante da tradição roqueira.

2. Funk e trap nacionais:
No Brasil, o funk e o trap conquistaram o coração da juventude. Com batidas dançantes, letras sobre o cotidiano e uma linguagem direta, esses estilos se conectam com a realidade dos jovens das periferias às redes sociais. Artistas como MC Cabelinho, Matuê, Teto, Jovem Dex e Ludmilla são nomes recorrentes entre os mais ouvidos.

3. K-pop:
Mais do que música, o K-pop é uma experiência visual e comunitária. Grupos como BTS, Blackpink e Stray Kids conquistam fãs pelo mundo com coreografias, videoclipes milimetricamente produzidos e narrativas que transcendem os álbuns. É uma cultura que engaja profundamente e faz os jovens se sentirem parte de algo.


Qual o impacto disso para o rock?

O distanciamento dos jovens pode levar o rock a se tornar um nicho — algo mais próximo do que gêneros como jazz e blues são hoje: respeitado, estudado e consumido por apaixonados, mas distante do mainstream e do cotidiano das novas gerações. Isso não significa que o rock vai morrer, mas que ele precisa aceitar sua nova posição no ecossistema musical.

A falta de renovação em massa também afeta festivais, vendas físicas e digitais, merchandising e visibilidade em grandes mídias. Por outro lado, pode haver espaço para o renascimento do gênero de forma mais criativa, híbrida e ousada — o surgimento de novas cenas (como o rock alternativo com pegada indie ou o retorno do emo em moldes atualizados) mostra que há fôlego, mas é preciso querer dialogar com o novo.

O rock pode reconquistar os jovens?

Sim, mas para isso, o gênero precisa de autocrítica, abertura e inovação. Precisa refletir sobre como se posicionar no século XXI, abrir espaço para novas vozes e narrativas, e aceitar que as regras mudaram. O que não pode é se apegar a uma nostalgia paralisante, esperando que os jovens "descubram" os clássicos por si só — porque, na realidade, o mundo em que eles vivem apresenta uma infinidade de outras possibilidades muito mais acessíveis.

O futuro do rock talvez não esteja em repetir os moldes de ontem, mas em criar novas pontes entre o passado e o presente. E isso só acontecerá se ele deixar de olhar apenas para trás — e começar, finalmente, a olhar para frente.

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