Essa geração “eu não sou do rock” representa uma mudança cultural profunda, marcada por novas preferências musicais, diferentes formas de consumo e um distanciamento natural de um estilo que já foi o epicentro da juventude rebelde.
Por que os jovens se afastaram do rock?
1. O rock parou de dialogar
com a juventude:
Durante décadas, o rock foi o som da revolução, da contestação e da energia
juvenil. Nos anos 1960 e 1970, era a trilha sonora dos movimentos sociais. Nos
anos 1990, o grunge canalizava a angústia de uma geração desiludida. Mas nos
últimos 20 anos, o rock perdeu esse papel de protagonista nas conversas
culturais da juventude. Parte disso se deve à falta de renovação em larga
escala: o rock passou a falar para os mesmos públicos, sem incorporar novas
vozes, linguagens ou influências com a mesma intensidade de outros gêneros.
2. O algoritmo molda os
gostos:
As plataformas de streaming e redes sociais têm enorme poder sobre o que se
ouve hoje. Os algoritmos favorecem o que já está em alta — e, nesse ciclo,
gêneros como pop, trap, funk e K-pop ganham cada vez mais destaque. O rock, com
sua estrutura mais tradicional de bandas e álbuns completos, muitas vezes não
se encaixa tão bem nesse ecossistema fragmentado de hits virais e vídeos
curtos.
3. Representatividade e
estética:
Gêneros como o pop, o hip hop e o K-pop se tornaram palcos de representatividade
para grupos diversos — negros, LGBTQIA+, asiáticos, mulheres — com forte
presença estética e visual. Enquanto isso, o rock, em muitos subgêneros, ainda
é percebido como um território dominado por homens brancos cis, com estética
engessada e pouco diálogo com as pautas atuais.
O que os jovens estão ouvindo?
1. Pop contemporâneo e hip
hop/trap:
Artistas como Billie Eilish, Travis Scott, Doja Cat, The Weeknd e Olivia
Rodrigo dominam as playlists juvenis. Eles misturam elementos eletrônicos,
letras confessionais e produções ultramodernas. Mesmo Olivia Rodrigo, que
flerta com guitarras, faz isso com uma roupagem pop e altamente palatável,
distante da tradição roqueira.
2. Funk e trap nacionais:
No Brasil, o funk e o trap conquistaram o coração da juventude. Com batidas
dançantes, letras sobre o cotidiano e uma linguagem direta, esses estilos se
conectam com a realidade dos jovens das periferias às redes sociais. Artistas
como MC Cabelinho, Matuê, Teto, Jovem Dex e Ludmilla são nomes recorrentes
entre os mais ouvidos.
3. K-pop:
Mais do que música, o K-pop é uma experiência visual e comunitária. Grupos como
BTS, Blackpink e Stray Kids conquistam fãs pelo mundo com coreografias,
videoclipes milimetricamente produzidos e narrativas que transcendem os álbuns.
É uma cultura que engaja profundamente e faz os jovens se sentirem parte de
algo.
Qual o impacto disso para o rock?
O distanciamento dos jovens pode levar o rock a se tornar um nicho — algo mais próximo do que gêneros como jazz e blues são hoje: respeitado, estudado e consumido por apaixonados, mas distante do mainstream e do cotidiano das novas gerações. Isso não significa que o rock vai morrer, mas que ele precisa aceitar sua nova posição no ecossistema musical.
A falta de renovação em massa também afeta festivais, vendas físicas e digitais, merchandising e visibilidade em grandes mídias. Por outro lado, pode haver espaço para o renascimento do gênero de forma mais criativa, híbrida e ousada — o surgimento de novas cenas (como o rock alternativo com pegada indie ou o retorno do emo em moldes atualizados) mostra que há fôlego, mas é preciso querer dialogar com o novo.
O rock pode reconquistar os jovens?
Sim, mas para isso, o gênero precisa de autocrítica, abertura e inovação. Precisa refletir sobre como se posicionar no século XXI, abrir espaço para novas vozes e narrativas, e aceitar que as regras mudaram. O que não pode é se apegar a uma nostalgia paralisante, esperando que os jovens "descubram" os clássicos por si só — porque, na realidade, o mundo em que eles vivem apresenta uma infinidade de outras possibilidades muito mais acessíveis.
O futuro do rock talvez não esteja em repetir os moldes de ontem, mas em criar novas pontes entre o passado e o presente. E isso só acontecerá se ele deixar de olhar apenas para trás — e começar, finalmente, a olhar para frente.
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