Pular para o conteúdo principal

Kiss em Dynasty (1979): o beijo do rock na era das discotecas


Lançado em 23 de maio de 1979, Dynasty é um dos álbuns mais controversos e, ao mesmo tempo, mais fascinantes da discografia do Kiss. Muito além de uma simples mudança sonora, o disco representa um momento decisivo na trajetória da banda — um ponto de virada entre o hard rock setentista e as exigências de um mercado musical em rápida transformação. O resultado é um trabalho que dividiu opiniões, mas que garantiu sua relevância histórica ao unir o peso do rock com o brilho da disco music.

No final dos anos 1970, o Kiss vivia o auge da fama. Após emplacar uma sequência matadora com Alive! (1975), Destroyer (1976), Rock and Roll Over (1976) e Love Gun (1977), a banda havia se tornado um fenômeno global. O marketing agressivo, os figurinos icônicos, a pirotecnia e as personas marcantes (Starchild, Demon, Spaceman e Catman) elevaram o grupo ao status de superastros do rock e da cultura pop.

Mas nem tudo eram flores. Internamente, a banda enfrentava desgaste criativo, tensões pessoais e o inchaço do próprio sucesso. Em 1978, cada integrante lançou um álbum solo, tanto para explorar sua individualidade quanto para tentar reduzir o atrito. Foi neste clima de egos inflados e crise de identidade que nasceu Dynasty. Musicalmente, o cenário também mudava. O punk explodia na Inglaterra e nos EUA, e a disco music dominava as pistas de dança e as paradas de sucesso. O Kiss, sem querer parecer ultrapassado, decidiu se reinventar — com risco calculado e ambição comercial.

Produzido por Vini Poncia, Dynasty suaviza o hard rock cru que marcava os trabalhos anteriores da banda e aposta em melodias mais acessíveis, grooves dançantes e uma estética mais pop. Logo na abertura, isso já fica claro com "I Was Made for Lovin' You" — uma mistura irresistível de batida disco, baixo pulsante e refrão grudento. Escrita por Paul Stanley em parceria com Desmond Child, a faixa se tornou um dos maiores hits do Kiss em todo o mundo, ao mesmo tempo em que causou indignação entre os fãs mais puristas.

Outros destaques incluem "Sure Know Something", balada sofisticada e melódica, com um Paul Stanley mais emotivo e uma sonoridade que mistura rock e pop adulto com classe. "Charisma", com Gene Simmons no vocal, traz uma atmosfera mais sombria e teatral, marca registrada do Demon."Hard Times", "Save Your Love" e "2000 Man", as três faixas assinadas e cantadas por Ace Frehley (incluindo um cover dos Rolling Stones) são os momentos mais autênticos do álbum. Ace brilha como guitarrista e vocalista, e gravou quase tudo sozinho — guitarra, baixo e até percussão. Curiosamente, embora creditado, Peter Criss praticamente não participou das gravações. Ele só aparece em "Dirty Livin'", faixa escrita e cantada por ele. O baterista Anton Fig foi quem gravou quase todo o álbum, prenunciando a saída de Criss da banda no ano seguinte.


Apesar das críticas à mudança sonora, Dynasty foi um grande sucesso comercial. Nos EUA, chegou ao Top 10 da Billboard 200 e vendeu mais de 1 milhão de cópias, garantindo Disco de Platina. "I Was Made for Lovin' You" atingiu o Top 10 em vários países e chegou ao 1º lugar na Austrália, Holanda, Nova Zelândia e Bélgica. Na América Latina, especialmente na Argentina e no Brasil, o sucesso da faixa foi massivo, consolidando a popularidade da banda no continente. A turnê de Dynasty foi a primeira da banda a visitar a Austrália, onde o Kiss virou febre nacional — a ponto de inspirar capas alternativas e produtos exclusivos. Contudo, o álbum também escancarou as fraturas internas do grupo. Foi o último trabalho com a formação original até Psycho Circus (1998), e deu início a um período conturbado na carreira do Kiss, com mudanças constantes na formação e uma luta constante para manter a relevância.

Décadas depois, Dynasty passou a ser reavaliado por fãs e críticos como um álbum ousado, que refletiu com precisão seu tempo. Seu legado inclui a influência direta em bandas que uniriam rock com melodias pop nos anos 1980, como Def Leppard e Bon Jovi. Além disso, é a prova de que o Kiss sabia se adaptar ao mercado sem perder completamente sua identidade. E marcou a consolidação definitiva da banda como ícones globais, não apenas do rock, mas da cultura pop. Mesmo entre controvérsias, Dynasty manteve o Kiss nos holofotes e garantiu ao grupo sobrevida em um momento em que muitos artistas do hard rock setentista estavam sendo deixados para trás.

Dynasty é um retrato vibrante de um momento de transformação — para a música e para o Kiss. Ao flertar com a disco music sem abandonar completamente suas raízes, o álbum capturou a essência de 1979 com ousadia e senso de oportunidade. Pode não ser o favorito dos fãs mais "raiz", mas é impossível negar sua importância dentro da discografia da banda e da história do rock.

Entre globos de espelho, guitarras com eco e sapatos plataforma, o Kiss cravou seu nome em mais uma camada da cultura pop. E mesmo que Dynasty seja lembrado por alguns como uma "traição" ao hard rock, ele continua sendo um lembrete de que, às vezes, arriscar vale a pena.

Como diria Paul Stanley: “I was made for lovin’you, baby”… mesmo que os puristas não queiram admitir.

Comentários