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Tex e Dylan Dog: por que os fumetti italianos resistem ao tempo?


Num mundo editorial cada vez mais acelerado, onde modas vêm e vão em velocidade digital, há algo de intrigante na longevidade dos fumetti italianos — os quadrinhos produzidos na Itália. Entre os maiores representantes desse universo estão Tex e Dylan Dog, personagens que, mesmo surgidos em contextos históricos muito diferentes, continuam conquistando gerações de leitores.

Mas o que explica essa resistência ao tempo? Por que essas HQs, muitas vezes ignoradas pelo mainstream, seguem firmes e influentes, especialmente em países como o Brasil? A resposta passa por estilo, linguagem, temas universais e uma conexão profunda com o leitor.

Criado em 1948 por Gian Luigi Bonelli e Aurelio Galleppini, Tex Willer é um ranger do Velho Oeste que mistura coragem, honra e senso de justiça. Com mais de 700 edições publicadas, é um dos personagens mais longevos da história dos quadrinhos — e isso sem precisar de “reboots”, “multiversos” ou armaduras tecnológicas. Tex é publicado no Brasil desde 1951, inicialmente em formato de tiras na Revista Júnior e, posteriormente, em revistas mensais desde 1971.


A longevidade de Tex se apoia em três pilares:

Regularidade e coerência narrativa: Tex envelheceu muito pouco em mais de sete décadas — e esse é um trunfo. O universo permanece coeso, com regras claras, personagens consistentes e uma fidelidade ao espírito da aventura clássica.

Arte em preto e branco com foco no desenho: a escolha pela arte predominantemente monocromática ressalta o trabalho dos desenhistas e favorece a dramaticidade da narrativa. A estética é limpa, direta e funcional, em oposição ao excesso visual típico de muitos quadrinhos norte-americanos.

Temas universais: justiça, amizade, lealdade, coragem e conflitos culturais. A ambientação no western permite a abordagem desses temas de forma acessível, quase mitológica. Tex, em essência, é um herói trágico e romântico — como um cowboy de Homero.


Criado em 1986 por Tiziano Sclavi, Dylan Dog é o detetive do pesadelo. Ex-policial, alcoólatra, vegetariano, mulherengo e melancólico, ele enfrenta zumbis, demônios, vampiros e horrores mais profundos: os da alma humana. Se Tex é ação e moral, Dylan é reflexão e ambiguidade. E isso faz dele um personagem fascinante.

A força de Dylan Dog está construída sobre estes fatores:

Fumetto filosófico disfarçado de terror: Dylan Dog dialoga com Freud, Baudelaire, Lovecraft e Kafka. Suas histórias são alegorias sobre a morte, a culpa, o amor e o absurdo da existência. Em meio ao horror, há sempre uma pergunta sem resposta — e é aí que mora sua força.

Arte expressionista e atmosfera onírica: a arte, também prioritariamente em preto e branco, brinca com sombras, rostos distorcidos e ambientes labirínticos. É um quadrinho que muitas vezes se parece com um filme de terror europeu dos anos 1970.

Romantismo decadente: Dylan Dog é um personagem que sofre, ama, perde, sonha e nunca vence de verdade. Isso o aproxima do leitor — especialmente daquele que carrega certa melancolia ou se reconhece em seus fracassos. 


A comparação é inevitável. Enquanto os quadrinhos americanos muitas vezes giram em torno de superpoderes, crossovers e reinvenções constantes, os fumetti italianos apostam na continuidade narrativa, na introspecção e na humanidade dos personagens. Eles não querem ser super-heróis. Eles querem ser gente. E talvez seja por isso que resistam tão bem ao tempo.

Além disso, os formatos também contam: as revistas italianas são maiores, com mais páginas e histórias completas, o que oferece ao leitor uma experiência mais densa, próxima à literatura popular do século XX — como os romances de banca ou os folhetins clássicos.

No Brasil, os fumetti encontraram um terreno fértil e um público apaixonado. E os dois personagens se destacam nesse cenário. Tex é um verdadeiro fenômeno editorial por aqui. Sua publicação em solo brasileiro começou ainda na década de 1950, e nunca foi interrompida desde então. Atualmente, o personagem é publicado pela Mythos Editora, que mantém uma quantidade impressionante de títulos regulares, especiais, edições em cores, almanaques e coleções de luxo em catálogo. O sucesso constante do personagem por mais de 70 anos no Brasil é algo raro, mesmo em escala mundial.

Já Dylan Dog, embora nunca tenha alcançado o mesmo status comercial de Tex, vive atualmente um renascimento editorial no Brasil. A Mythos está publicando a série clássica em ordem cronológica no formato omnibus, além de edições bimestrais com histórias inéditas. A Panini está lançando edições especiais com os principais arcos, publicados em capa dura e em cores, enquanto a Editora Lorentz vem se destacando ao trazer histórias inéditas no país, com curadoria cuidadosa e foco no leitor que busca um horror mais autoral e filosófico.


Mais do que produtos de nostalgia, Tex e Dylan Dog seguem atuais porque falam de temas atemporais. E falam com estilo — aquele charme europeu que, mesmo em preto e branco, continua colorindo a imaginação dos leitores. Os fumetti resistem ao tempo porque recusam o modismo. Tex e Dylan Dog permanecem fiéis à sua essência, mesmo diante das transformações do mercado e das mídias. São quadrinhos que não têm pressa, que respeitam o leitor e que acreditam na força da narrativa bem contada.

Em um mundo que gira cada vez mais rápido, talvez o maior trunfo dos fumetti italianos seja esse: nos lembrar que boas histórias nunca envelhecem.


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