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Você realmente gosta de quadrinhos — ou só de super-heróis?


Durante décadas, para boa parte do público, gostar de quadrinhos era sinônimo de acompanhar os feitos de personagens como Batman, Homem-Aranha, X-Men ou Superman. As bancas estavam cheias deles, e a cultura pop — especialmente após o boom cinematográfico do século XXI — reforçou ainda mais essa associação entre HQs e super-heróis. Mas aqui vai uma provocação saudável: será que você realmente gosta de quadrinhos, ou apenas dos super-heróis?

Essa não é uma crítica, mas um convite. Porque não há absolutamente nada de errado em gostar de super-heróis — muito pelo contrário. Histórias como A Piada Mortal, Reino do Amanhã, A Queda de Murdock, Crise nas Infinitas Terras ou Dias de um Futuro Esquecido são marcos do gênero e ajudaram a consolidar a linguagem dos quadrinhos modernos. No entanto, a forma como as histórias da Marvel e da DC são produzidas segue um modelo cíclico e industrial, pensado para que tudo mude o tempo todo — para, no fim, tudo continuar mais ou menos igual.

Heróis morrem, ressuscitam, mudam de uniforme, ganham novos status quo e voltam à estaca zero. Tudo isso acontece dentro de uma lógica de linha de produção que privilegia a longevidade da marca em detrimento de conclusões narrativas. Nesse sentido, o leitor de super-heróis está sempre dentro de uma espiral que raramente aponta para um final. É como assistir a um seriado sem último episódio — por escolha deliberada dos produtores.


Mas os quadrinhos são uma linguagem muito maior que isso. Títulos como Hellboy, de Mike Mignola, apresentam um universo próprio, com começo, meio e fim, guiado por uma visão autoral que alia mitologia, folclore e horror gótico. Já a série Beasts of Burden, de Evan Dorkin e Jill Thompson, entrega uma combinação delicada entre o sobrenatural e a ternura do olhar animal — tudo com uma arte de encher os olhos. Blacksad, dos espanhóis Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido, é um noir com fábulas antropomórficas e desenho aquarelado que rivaliza com qualquer pintura clássica.

A série francesa Verões Felizes, de Zidrou e Jordi Lafebre, narra de forma encantadora e melancólica as férias de uma família nos anos 1970 — longe de explosões ou superpoderes, mas profundamente humanos. Clássicos como Asterix, Os Smurfs e Lucky Luke mostram como os quadrinhos europeus dominam a arte do humor, da sátira e da aventura com uma qualidade gráfica e narrativa atemporal.

E isso sem falar nos mangás, que hoje têm forte presença no Brasil e oferecem uma miríade de temas — de esporte a terror, de ficção científica a romance. Obras como Akira, Monster, Solanin e Boa Noite Punpun exploram profundidades emocionais e universos conceituais tão ou mais complexos que qualquer multiverso com crises infinitas.

A boa notícia? Nunca foi tão fácil encontrar esses quadrinhos no Brasil. Editoras como Pipoca & Nanquim, Comix Zone, QS Comics, Mythos, Taverna do Rei, DarkSide, Conrad e inúmeras outras, vêm publicando obras-primas da nona arte com qualidade editorial e variedade de gêneros que jamais tivemos por aqui.

Se você só leu super-heróis até hoje, talvez esteja apenas arranhando a superfície do que os quadrinhos podem oferecer. Experimente algo novo. Visite outras vozes, estilos e formas de contar histórias. Afinal, gostar de quadrinhos é muito mais do que acompanhar heróis em collants — é mergulhar em universos que provocam, emocionam e expandem o nosso olhar.


Comentários

  1. Ótimo texto. Gostaria de ressaltar também, o excelente momento que a produção nacional vive. Temos grandes artistas no nosso mercado e títulos para todos os gostos.

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