Brain Drain (1989) marca um ponto de transição na discografia dos Ramones — e, de certa forma, o início do fim de uma era. Décimo primeiro álbum de estúdio da banda, ele surge após um período turbulento nos bastidores, com tensões internas entre os membros e mudanças de formação que afetaram diretamente o processo criativo. Lançado em 23 de maio de 1989, Brain, o disco é, ao mesmo tempo, uma tentativa de renovação e um reflexo das dificuldades que a banda enfrentava no final dos anos 1980.
Durante a segunda metade dos anos 1980, os Ramones vinham lidando com um cenário musical que havia se transformado radicalmente desde sua estreia em 1976. O punk havia se diluído em diversas vertentes, o hardcore dominava o underground e o mainstream flertava com o hard rock radiofônico, o glam e o pop sintético. Internamente, Dee Dee Ramone, o icônico baixista e um dos principais compositores da banda, estava em processo de afastamento — Brain Drain foi o último álbum com sua participação até o retorno pontual em ¡Adios Amigos! (1995). Em seguida, ele deixaria a banda e se lançaria como rapper (!) sob o nome Dee Dee King.
A produção de Brain Drain ficou a cargo de Bill Laswell e Jean Beauvoir (ex-Plasmatics e colaborador frequente da banda), trazendo uma sonoridade mais polida e sombria, com guitarras densas, vocais carregados e uma atmosfera mais próxima do metal e do horror punk do que do punk direto e ensolarado do início da carreira.
O disco abre com uma das faixas mais pesadas da banda, "I Believe in Miracles", um clássico que une riffs intensos com letras esperançosas e que se tornaria um dos hinos tardios dos Ramones. Outra faixa marcante é "Pet Sematary", composta para a adaptação cinematográfica do livro homônimo de Stephen King. A música se destacou nas rádios e na MTV, tornando-se um dos maiores sucessos comerciais do grupo. Com sua melodia melancólica e refrão sombrio, ela se encaixa perfeitamente na estética que permeia o álbum.
Outros destaques incluem "Don't Bust My Chops", que resgata a energia descomplicada dos primeiros anos, e "Punishment Fits the Crime", cantada por Dee Dee, com uma levada mais próxima do ska-punk e letras quase confessionais. "Can't Get You Outta My Mind" e "Zero Zero UFO" exploram temas de amor, obsessão e ficção científica, reforçando a pegada cartunesca e sombria que dá o tom ao disco. Apesar de algumas faixas menos inspiradas, como "All Screwed Up" e "Come Back Baby", o álbum se sustenta como uma peça sólida, ainda que irregular, no repertório dos Ramones.
Musicalmente, Brain Drain flerta com o metal e o horror punk — elementos que se tornaram mais evidentes após a saída de Dee Dee, especialmente no próximo disco, Mondo Bizarro (1992). A produção pesada e os temas líricos sombrios refletem um clima pessimista, em sintonia com o momento interno da banda e também com a cultura pop da época, marcada por filmes de terror, desilusão política e o fim da Guerra Fria. O disco tem também ecos do hard rock e até do pós-punk, com climas mais arrastados e letras introspectivas. A voz de Joey Ramone soa mais grave e arrastada, conferindo um tom mais dramático a várias canções.
Embora tenha alcançado impacto comercial considerável devido ao enorme sucesso de “Pet Sematary”, Brain Drain não é o álbum mais celebrado da carreira dos Ramones, mas tem importância histórica e emocional. Representa o adeus de Dee Dee — uma perda criativa significativa — e antecipa a fase final da banda, marcada por tentativas de modernização sonora e reinvenção. "I Believe in Miracles" e "Pet Sematary" permaneceram nos setlists até o fim da banda e continuam entre as músicas mais queridas pelos fãs. O disco também influenciou o nascimento de bandas que cruzaram punk e metal no início dos anos 1990, como White Zombie e Danzig, além de mostrar que os Ramones, mesmo em crise, ainda sabiam como escrever canções memoráveis.
Brain Drain não é o auge dos Ramones, mas é um álbum revelador e honesto. Repleto de tensão, peso e melancolia, ele mostra uma banda que, embora desgastada, ainda tinha o que dizer. Um retrato sombrio de uma das formações mais influentes do punk rock, em uma fase de transição e resistência.
Segundo dados do Discogs, o álbum estava fora de catálogo em CD no Brasil desde 1998. O disco retornou em 2025 com uma edição em CD slipcase lançada pela Warner, Wikimetal, Kanto do Artista e Oporto da Música, que vêm relançando diversos clássicos do quarteto nova-iorquino. Aproveite para ter este clássico na coleção, ou para trocar a sua edição antiga.
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